MORRE JÂNIO QUADROS AOS 75
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Publicado
na Folha de S.Paulo, segunda-feira, 17 de fevereiro de 1992
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Jânio da Silva Quadros morreu ontem às 22h31 em São
Paulo aos 75 anos. Ele estava internado com grave crise respiratória
e circulatória há 13 dias. Seu neto Jânio John
fez o comunicado oficial no Hospital Albert Einstein, de onde o corpo
saiu para ser velado na Assembléia Legislativa. Presidente
da República por apenas sete meses em 1961, governador do Estado
e duas vezes prefeito de São Paulo, era um político
populista com forte estilo pessoal.
Jânio Quadros começou na política como suplente
de vereador em 47. Venceu as eleições presidenciais
13 anos depois com a maior votação da história
do país até então. Empossado em 31 de janeiro
de 61, surpreendeu o país ao renunciar em 25 de agosto. Estrábico,
com roupas e cabelos propositalmente desalinhados, falava um português
difícil, com expressões ininteligíveis para a
maioria de seus eleitores. Tudo isso e a imprevisibilidade teatral
dos atos formavam o estilo pessoal mais marcante da política
brasileira desde Getúlio Vargas.
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Jânio
Quadros |
Marcelo Coelho
SÃO
PAULO - Foi muito triste o fim de Jânio Quadros. Em suas
últimas fotografias estava esvaído, inerme, sendo
levado de um lado a outro de cadeira de rodas, parecem impor a qualquer
comentário uma exigência ainda mais intensa do respeito
que é de hábito dedicar aos mortos. As condenações
e as críticas a sua presença no quadro político
brasileiro foram tão repetidas, e sem dúvida, corretas,
que de qualquer modo pareceria inútil, além de mostra
de insensibilidade e inconveniência, reproduzi-las aqui.
Se Jânio Quadros representou, com especial intensidade, uma
real ameaça ao progresso institucional do país, essa
ameaça já se havia extinto, pateticamente, com o encerramento
de sua carreira política. Sua morte suscita, assim, um sentimento
mais concreto e pessoal do que quaisquer considerações
fundadas no cálculo político ou na divergência
ideológica. Deste ponto de vista, perdeu-se muito com o desaparecimento
de Jânio - pois nenhuma figura pública no Brasil foi
tão artística, tão pessoal, tão extravagante
e infalível no instinto de manipular as massas quanto ele.
Fez do populismo o contrário da bonomia conciliatória;
apostou no ressentimento popular: na vontade de arbítrio
e não de justiça, no teatro de autoridade e não
na prática frustrante e cotidiana do governo; nas normas
de fala culta e não na ladainha dos palanques; não
empostava a voz, esganiçava-a. Tudo parecia contribuir, enfim,
para o irreal, para o insensato e para o imprevisível; a
dose de maquiavelismo envolvida nessa atitude teria de ser tão
grande, e seu conhecimento de psicologia das massas tão profundo,
que parece mais fiel acreditar que Jânio usava desses recursos
mais como se fossem uma segunda natureza do que como resultado de
uma estratégia pensada.
Nenhum laboratório de marketing seria capaz de inventá-lo;
produziria, possivelmente, uma figura oposta, ponto por ponto, à
que ele representou. A impressão que se tem é que
Jânio descobriu estratos mais obscuros, mais perversos, mais
patológicos do que o desejável no comportamento do
eleitorado. Nisso estava o seu perigo, nisso estava sua genialidade
- talvez o único caso de genialidade entre os políticos
brasileiros. Que descanse em paz.
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Estilo
carismático marcou sua carreira |
Cabelo desalinhados e caspa nos ombros foram alguns símbolos
cultivados por Jânio em sua vida pública
Da
Redação
Jânio
costumava aparecer em público com os sapatos trocados. Nos
palanques das campanhas eleitorais levava uma vassoura, com a qual
iria "varrer" a corrupção do país.
Esse símbolo o acompanhou durante toda sua carreira política.
Entre os discursos de campanha, comia sanduíches de mortadela
e pão com banana, numa tentativa de identificar sua imagem
com o eleitorado mais pobre.
Jânio procurou sempre se diferenciar dos outros políticos.
Vestia roupas surradas, usava cabelos compridos, deixava a barba
por fazer, os ombros cheios de caspa e exibia caretas ao fotógrafos.
Sua sintaxe era um caso à parte. Em seus discursos, procurou
sempre utilizar um vocabulário apurado, recheado por frases
de efeito. É um enigma saber como conseguia se comunicar
de forma eficiente com seus eleitores, a maioria sem instrução
escolar.
Chefe do Executivo, fosse municipal, estadual ou federal, o autoritarismo
e o carisma foram seus traços característicos. Seus
bilhetinhos, com ordens a subordinados, se tornaram célebres.
Segundo seus adversários, Jânio sempre demonstrou desprezo
pelos partidos e pelo Poder Legislativo. Ao longo de sua carreira
trocou de legenda sucessivamente.
Essas demonstrações de força aumentaram sua
popularidade junto a diversos segmentos do eleitorado. Jânio
parecia diferente dos outros políticos.
Eleito pela segunda vez prefeito de São Paulo, em 1985, seu
primeiro ato ao tomar posse, em 1° de janeiro de 86, foi desinfetar
a cadeira de seu gabinete. Alguns dias antes da eleição,
seu adversário de campanha, Fernando Henrique Cardoso, candidato
do PMDB, ocupou a cadeira para ser fotografado pela imprensa.
Em mais um de seus vaivéns políticos, no seu último
mandato como prefeito literalmente "pendurou as chuteiras"
na porta do gabinete, afirmado que nunca mais seria candidato a
um cargo público - o que provavelmente não correspondia
a suas intenções eleitorais, mas que acabou, com sua
doença, revelando-se como uma espécie de premonição
política.
Na campanha para a eleição presidencial de 1989, passou
várias semanas transmitindo informações desencontradas
sobre sua intenção de se candidatar novamente à
Presidência.
Em 27 de maio, com baixos índices de popularidade e abalado
por problemas de saúde, anunciou sua desistência com
um discurso dramático feito da sacada de sua casa no Morumbi,
em São Paulo: "Peço-lhes paciência para
quem se retira por deficiência física irreparável
da vida pública sem retirar-se da condições
de brasileiro", disse ele aos jornalistas.
Jânio fazia discurso contundentes e contraditórios.
Para fazendeiros do Nordeste era capaz de defender o latifúndio
com a mesma tranquilidade com que, para uma platéia estudantil,
defendia a reforma agrária.
Dias antes de sua renúncia, em agosto de 1961, condecorou
o ex-guerrilheiro Ernesto "Che" Guevara com a Ordem do
Cruzeiro do Sul, no grau de Grã-Cruz. Paralelamente, tomava
medidas evitando que a Guiana se tornasse um país comunista.
Jânio pode ser considerado um precursor do marketing político.
Sabia criar eventos que seriam notícia. O polêmico
decreto que proibiu o uso de biquínis quando era presidente
teria sido uma inspiração sua para dar aos jornais
uma manchete no dia seguinte. Em sua volta à Prefeitura,
saía pelas ruas com sua assessoria militar multando motoristas
infratores.
Não foram poucos seus atritos com a imprensa. Por exemplo,
chegou a proibir o acesso de jornalistas ao seu gabinete e a selecionar
os jornais e revistas para os quais daria entrevistas.
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Na
1ª campanha, usou chapéu e barril |
Da Reportagem Local
Jânio
da Silva Quadros fez sua primeira campanha por votos, ainda aos
19 anos, sentado num barril. Era candidato a secretário do
Centro Acadêmico 11 de Agosto, da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo.
Ele prendeu a inscrição "vote em Jânio"
no chapéu e sentou-se em um barril na porta de entrada da
faculdade. Para surpresa de seus adversários, venceu. Na
época, 1936, cursava o segundo ano de Direito.
Jânio nasceu em Campo Grande, no antigo Estado do Mato Grosso
(atualmente Mato Grosso do Sul), em 25 de janeiro de 1917.
No quarto ano de faculdade, conheceu Eloá, então com
15 anos, no Guarujá, litoral de São Paulo. Eloá
afirmaria depois: "Eu jamais conhecera um homem tão
feio quanto Jânio". Casaram-se em 1939, quando ele se
formou.
Jânio montou um escritório de advocacia e deu aula
em escolas. Apoiado por pais de alunos do colégio paulistano
Dante Alighieri - onde era professor de português -, decidiu
se candidatar a vereador em 1947 pelo Partido Democrata Cristão
(PDC).
Com 1.707 votos, obteve uma suplência. Jânio tomou posse
em 1948, após a cassação dos vereadores comunistas,
no governo do então presidente Eurico Gaspar Dutra. O Congresso
Nacional votou pela cassação de todos os parlamentares
comunistas, fazendo o Partido Comunista do Brasil entrar para a
clandestinidade.
Sua atuação, em quatro anos, foi polêmica. Apresentou
162 projetos de lei, fez discursos violentos, envolveu-se em tumultos.
A fama aumentou tanto que Jânio foi eleito deputado estadual,
em 1950, com a maior votação. Ganhou o posto de líder
do PDC. Em 1953, já estava em campanha para prefeito de São
Paulo.
Surgiram aí o slogan "o tostão contra o milhão"
e a vassoura, referências à corrupção
que ele criticava no esquema político de Adhemar de Barros.
Foi eleito e tomou posse em 1953, aos 36 anos. Em 1954 se candidatou
ao governo paulista.
Lançado pelo PDC, Jânio acabou expulso do partido.
Voltou à campanha apoiado por partidos menores.
Enfrentou seu grande inimigo, Adhemar de Barros - enfraquecido pelas
disputas com o governador e ex-aliado político Lucas Nogueiro
Garcez, que lançou como candidato Prestes Maia. Jânio
teve 660 mil votos, Adhemar 641 mil e Maia 492 mil.
Como governador de São Paulo, ele se beneficiou do Plano
de Metas do então presidente Juscelino Kubitschek, que pretendia
atrair o capital internacional para impulsionar a industrialização
do país.
Jânio se aproveitou da situação e São
Paulo foi o Estado mais beneficiado com a implantação
de parques industriais - como o parque automobilístico.
Nesse período, a receita tributária do Estado aumentou
e o déficit financeiro deixado pelos governos anteriores
caiu.
Jânio investiu no Estado de São Paulo em estradas,
saneamento básico, usinas hidrelétricas e abastecimentos
de água.
Em seu governo, Jânio adotou a política de rígido
controle para abertura de novos créditos. O sistema de arrecadação
e de fiscalização tributária do Estado foi
reformulado para diminuir o impacto das sonegações
nas contas públicas.
No final de seu governo, conseguiu eleger seu secretário
de Finanças, Carvalho Pinto, com mais de 200 mil votos de
diferença sobre Adhemar de Barros.
Candidatou-se a deputado federal no Paraná, pelo PTB, e teve
a maior votação do Estado.
Jânio jamais foi ao Congresso Nacional. Aproveitou para viajar
pelo mundo com a mulher Eloá e a filha Dirce Tutu Quadros.
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No
governo, defendeu o 'saneamento moral' |
Da Redação
Nos
sete meses em que ocupou a Presidência, Jânio tomou
medidas para promover o "saneamento moral da nação".
Introduziu a censura "moralizadora" na TV e proibiu as
brigas de galo, a propaganda comercial em cinemas, os desfiles de
misses com maiôs "cavados", o uso de lança-perfume
no Carnaval e as corridas de cavalos em dias úteis.
Sua cruzada começou no dia da posse, em 31 de janeiro de
61, com a criação de cinco comissões de sindicância
para apurar irregularidades no governo de Juscelino Kubitschek.
Até 31 de março, Jânio criaria mais 28 comissões
de sindicância e inquérito, todas presididas por militares.
A intensa utilização de oficiais das Forças
Armadas em sua administração e o temor do envolvimento
de nomes do governo anterior em processo acirrou a hostilidade dos
congressistas.
Jânio não fez questão de aprofundar relações
com o Congresso. Ele recebia deputados federais duas vezes por mês
e senadores uma - em audiências coletivas.
No plano externo, Jânio anunciou em 6 de fevereiro que adotaria
uma política de neutralidade. Jânio negou-se a apoiar
a invasão de Cuba pelos Estados Unidos no dia 16 de abril.
Também enviou missões comerciais aos países
então comunistas URSS, Bulgária, Hungria). Pretendendo
ampliar a presença brasileira na África, o governo
abriu embaixadas no Senegal, Gana, Nigéria e Zaire.
Em 19 de agosto, condecorou Ernesto "Che" Guevara, então
ministro da Economia de Cuba, com a Ordem Nacional do Cruzeiro do
sul, provocando protestos dos militares e da UDN.
A política econômica de Jânio teve como principal
objetivo o combate à inflação, que havia atingido
30,6% ao ano em 1960, a redução da dívida externa
e a diminuição do déficit orçamentário.
Apesar economia em 61 ainda experimentar uma taxa de crescimento
em torno de 7% ao não, o déficit orçamentário
atingia nesse ano a marca de Cr$ 113 bilhões (valores da
época).
O ministro da Fazenda, Clemente Mariani, adotou uma política
recessiva. No dia 13 de março, anunciou uma reforma cambial.
O cruzeiro foi desvalorizado em 100% em relação ao
dólar.
Foram eliminados os subsídios na importação
do trigo (o que provocou um aumento no preço do pão),
petróleo (aumento da gasolina) e dos bens de produção
sem silimar nacional.
Jânio enviou ao Congresso dois projetos polêmicos -
a lei antitruste, que visava "embarcar a criação
ou funcionamento de monopólios", e a lei de remessa
de lucros, que só foi aprovada no governo de João
Goulart.
Seu relacionamento com o Congresso foi se deteriorando. Ele estava
praticamente isolado no Palácio do Planalto quando renunciou
na manhã de 25 de agosto. Sua saída foi precipitada
por um discurso do então governador do antigo Estado da Guanabara,
Carlos Lacerda (UDN).
Na noite anterior, Lacerda usou uma cadeia estadual de rádio
e TV para acusar Jânio de tramar um golpe contra o Congresso.
Ele soube do discurso na manhã do dia seguinte. Reuniu auxiliares
e disse que iria renunciar.
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