MORTOS TRÊS DIRIGENTES DO PC do B


Publicado na Folha de S. Paulo, sexta-feira, 17 de dezembro de 1976


Três integrantes da cúpula do Partido Comunista do Brasil (PC do B) foram mortos ontem, no Alto da Lapa, após cerrado tiroteio com agentes dos órgãos de segurança. Eles estavam na casa no 767 da rua Pio XI, que foi cercada e invadida; "em face da reação à bala dos sitiados - segundo nota oficial distribuída às 16h30 pelo comando do II Exército - daí resultaram dois subversivos mortos, havendo um terceiro morto, atropelado quando de sua fuga".
Os mortos foram identificados como Pedro de Araújo Pomar, Angelo Arroyo e João Batista Franco Drummond.
Pedro Pomar era considerado um dos principais líderes do PC do B, linha chinesa, dissidência do PCB (Partido Comunista Brasileiro) que fundou em 1961, com João Amazonas e Maurício Grabois. Foi deputado federal por São Paulo, perdendo o mandato em 1947, quando o PC foi posto na ilegalidade.
Segundo os moradores das vizinhanças, o tiroteio durou cerca de meia hora e grande número de tiros foi desfechado.
A operação de ontem, "montada e executada pelo II Exército, com a colaboração de outros órgãos de segurança" - de acordo com a nota oficial - foi consequência de três meses de investigações desenvolvidas por agentes do I, II e III Exércitos. A de ontem, segundo versões oficiais, era a terceira reunião de que participavam 15 líderes do PC do B, sempre vigiados pelos órgãos de segurança. Durante a madrugada, 12 deles deixaram a casa, sendo seguidos pelos agentes. Ao amanhecer, decidiu-se pela invasão.
De madrugada, o tiroteio e a morte

Agentes do II Exército desmantelam um aparelho e matam 3 líderes comunistas

Agentes do Departamento de Operações Internas do II Exército, com a colaboração de outros órgãos de segurança, desmantelaram ontem um aparelho subversivo localizado na rua Pio XI, 767, Alto da Lapa, após intenso tiroteio em que morreram o ex-deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro Pedro Ventura de Araujo Pomar e os militantes comunistas João Batista Franco Drumond e Angelo Arroyo.
A operação, montada e executada pelo II Exército, começou por volta das 6h30 da manhã e durou cerca de 30 minutos. Na casa, além dos três mortos, encontrava-se também uma empregada, que foi detida para interrogatório.
Segundo informações de militares que participaram da operação, a invasão do aparelho ocorreu ao fim de três meses de investigações de que participaram agentes dos I, II e III Exércitos, já que as ligações subversivas do grupo se estendam ao Rio de Janeiro, Paraná, Porto Alegre e Recife.
Informaram também que a reunião de ontem era a terceira realizada naquele local, com a participação de 15 líderes do PC-B do B, identificados como de alta periculosidade, organizadores de grupos táticos armados e integrantes do comitê executivo do partido. Dez deles, conforme a informação, deixaram a casa durante a madrugada, sendo seguidos pelos agentes.
Acrescentam que no local foi encontrado farto material subversivo pronto para ser utilizado.

A operação

Segundo relato de testemunhas e de policiais que participaram do cerco, a operação começou por volta das 6h30, quando um forte contingente de agentes de segurança, com o auxílio de policiais do DSV, interditou ao trânsito o trecho da rua Pio XI em que se encontra a casa de número 767.
Em seguida, os agentes tomaram posições estratégicas: um grupo dirigiu-se à uma casa em construção na rua Piraí e ordenou que os quatro pedreiros que ali trabalhavam deitassem no chão, enquanto outros agentes penetravam pelo jardim da residência e por uma entrada lateral que leva ao quintal da casa no 767. Segundo informações dos agentes, pronto o cerco, um delegado gritou para que os ocupantes da residência se entregassem, mas recebeu como resposta uma saraivada de balas, que iniciou o tiroteio.
Com armamento pesado, os policiais estouraram portas e janelas, até que dois conseguiram entrar na casa.
Assim que cessaram os tiros, começaram a aparecer os primeiros jornalistas. Um repórter e um cinegrafista tiveram seu equipamento apreendido e, aos empurrões e pontapés foram conduzidos ao DOI, onde logo depois eram liberados.
Nas imediações da casa, os repórteres, fotógrafos e cinegrafistas recebiam ordem para que se mantivessem afastados:
"Assim que recebermos ordens superiores, o local será liberado e então vocês poderão trabalhar à vontade" —informava um delegado.
Os agentes se distribuiam em frente à casa ("para qualquer eventualidade"), no interior da residência e no quintal, enquanto os vizinhos passavam a especular sobre "os estranhos moradores daquela casa".

Os corpos


Num momento de descuido da vigilância, a porta da casa permaneceu aberta por alguns instantes, e então pode-se ver no interior, uma grande mancha de sangue no assoalho, entre a cozinha, um quarto e sala. Ao lado, um travesseiro branco. As poltronas pareciam terem sido usadas para escorar a porta. A parede de frente para a porta de entrada apresentava muitos sinais de projeteis, que espalharam reboco pela sala.
Entre satisfeitos e cansados, os agentes comentavam:
— "Os caras são grandes mesmo. Vai surpreender todo mundo. E há muito material no "ponto".
Durante muitas horas, até o começo da tarde, os agentes transportavam para as peruas dos órgãos de segurança grande quantidade de livros, jornais, manuscritos, armamentos, roupas e objetos variados.
Uma perua Kombi branca, com chapa de São Bernardo do Campo, foi colocada na entrada lateral da casa, para impedir que os jornalistas e curiosos vissem a movimentação no quintal.
Harry Shibata, diretor da Divisão de Perícias Médico-Legais, chegou à residência onde ocorreu o tiroteio pouco antes das 11 horas. Entrou pela lateral e saiu pela porta da frente, quinze minutos depois. Passados dez minutos, os corpos, em gavetões de zinco, foram colocados na Kombi branca, que partiu imediatamente.
Dois fotógrafos, provavelmente do IPT, continuaram trabalhando até o começo da tarde, dando atenção especial para algumas marcas de projéteis nas paredes e nos vitrôs.
O delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury chegou à casa 767 da rua Pio XI bem depois de encerrado o tiroteio e saiu antes do meio-dia.


Nota do II Exército


Às 16h30 de ontem, o comando do II Exército distribuiu nota oficial, assinada pelo general Dilermando Gomes Monteiro, informando sobre a ocorrência.
Esclarece que a operação foi montada e executada por aquela unidade e que dois subversivos foram mortos no tiroteio e o terceiro, atropelado, quando fugia.
Após a emissão da nota, o general Dilermando Monteiro afirmou não haver nenhuma ligação entre seu recente discurso à oficialidade, em que se referiu aos "vendilhões da Pátria", e o desbaratamento, ontem, do "aparelho" subverviso.
Reiterou, por outro lado, que "a luta contra a subversão só pode ter resultados positivos se contar com a cooperação da população. Sozinhos
—disse— os órgãos de segurança nada podem fazer. "Concluindo, pediu aos cidadãos que denunciem às autoridades qualquer reunião ou movimento suspeito.
É a seguinte a íntegra da nota do II Exército:
"Em operação montada e executada pelo II Exército, com a colaboração de outros órgãos de segurança, foi "estourado" na manhã de hoje (16) um "aparelho subversivo" nesta Capital, no bairro da Lapa.
"Durante a operação, segundo informação dos agentes uma área desse bairro teve de ser interditada, travando-se um tiroteio na rua Pio XI, em face da reação à bala dos sitiados, daí resultando dois subversivos mortos, havendo um terceiro morto, atropelado quando de sua fuga.
"No momento, procede-se à identificação dos mortos e a triagem dos detidos para verificação de suas verdadeiras identidades e reais ligações com os proscritos PCB e PC do B.
"A operação foi desencadeada em decorrência de continuadas observações sobre atividades em uma casa daquela rua, onde várias reuniões se processaram, às quais compareciam elementos anotados por informações oriundas de fontes bastante diversificada e que os apontavam como membros da cúpula daquelas organizações subversivas.
"O comandante do II Exército agradece o apoio recebido da população e da imprensa, durante a fase preparatória bem como a compreensão e colaboração prestadas por ocasião da operação realizada."

Egidio informado

O governador Paulo Egídio reuniu-se ontem, no Palácio dos Bandeirantes, com o secretário da Segurança, coronel Antônio Erasmo Dias, logo após a operação.
"Não se apurou, entretanto, se Paulo Egídio havia sido informado com antecedência dos fatos e convocara para uma reunião o secretário da Segurança, ou se fora informado dos acontecimentos pelo coronel Erasmo Dias.
Após a reunião, Egídio negou-se a comentar os acontecimentos.


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