Mais de um milhão de pessoas em silêncio, mãos entrelaçadas, braços
para cima. Ao sinal do maestro Benito Juarez, da Orquestra Sinfônica
de Campinas, a multidão cantou o Hino Nacional. Do céu caía papel
picado, papel amarelo, a cor das diretas, brilhando à luz dos holofotes.
No Vale do Anhangabaú, muita gente chorou.
Houve outros momentos de emoções na maior manifestação popular já
ocorrida no Brasil: houve choro quando chegou ao palanque um gigantesco
boneco do senador Teotônio Vilela, ao som do "Menestrel das Alagoas";
quando a Sinfônica de Campinas tocou a Quinta Sinfonia de Beethoven,
cujo prefixo iniciava os noticiosos da BBC durante a guerra contra
o nazismo; quando a Corporação Musical Artur Giambelli, de Limeira,
tocou o "Cisne Branco", hino da Marinha de Guerra.
Mas a alegria superou o choro. Enquanto a passeata avançava pelo
centro da cidade, pequenos grupos se destacavam e dançavam forró,
faziam humor ("Figueiredo para ex-presidente", dizia um cartaz:
"Pois eu prefiro cheiro de cavalo", lembrava outro), puxavam novas
palavras de ordem: "Não, não, não/ao colégio do João". Em nome da
festa das diretas, os professores se privaram de vaiar o governador
Franco Montoro; PT e PMDB evitaram a costumeira troca de estocadas
e trabalham juntos na organização da passeata; PCB, PC do B e MR-8
aceitaram pacificamente uma escala de oradores que não os incluía.
Quantas pessoas foram à passeata? Montoro falou em quase dois milhões,
Osmar Santos anunciou 1 milhão e 700 mil, a PM calculou 1 milhão
e meio , o secretário do Planejamento da Prefeitura, Jorge Wilheim,
cita 1 milhão, o repórter Clóvis Rossi (ex-correspondente da "Folha"
em Buenos Aires), comparando a manifestação com o último comício
de Raul Alfonsin, não acredita em mais de 800 mil. Não importa:
o que vale é que jamais houve concentração desse nível - e sem nenhum
incidente a prejudicá-la, nenhuma briga, nenhum batedor de carteira,
nenhuma ocorrência policial sequer, a multidão unida na alegria,
na emoção e na luta pelas diretas (e, ainda por cima, qualquer dos
números citados é maior e mais expressivo do que 686, número de
integrantes do Colégio Eleitoral). O leitor pede fazer as contas:
quantos de seus conhecidos foram à passeata?
A multidão em marcha lotou a Sé, a Benjamim Constant, o Viaduto
do Chá, a praça Ramos, a Conselheiro Crispiniano, a São João, o
Anhangabaú; muitos bares do caminho ficaram abertos e não tiveram
problemas - apenas lucros. Além dos adversários naturais - o Colégio,
os candidatos indiretos, o governo - só se hostilizou um alvo: a
Rede Globo de Televisão, que preparou um esquema-monstro de cobertura.
"O povo não é bobo/fora Rede Globo" foi o slogan mais utilizado.
A vítima favorita, porém, foi o Colégio Eleitoral. Lula se transformou
no orador mais aplaudido da noite ao afirmar, em resposta ao general
Rubem Ludwig, que aquela manifestação não era baderna: "Baderna
é o Colégio Eleitoral".
Às 20h30, no horário do final do comício, o presidente Figueiredo
surgia em rede nacional de TV para anunciar sua proposta: diretas
mais tarde, em 1988. O delegado Romeu Tuma, da Polícia Federal,
informava Brasília de que "o verde do Anhangabaú foi coberto pelo
vermelho das bandeiras dos partidos de esquerda". E, enquanto a
multidão se retirava calmamente, os fogos de artifício escreviam
no céu de São Paulo a mensagem do comício: "Diretas, já".
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