ERRADO NO NORDESTE: AÇUDE GIGANTESCO SEM VALAS DE IRRIGAÇÃO


Servem apenas para represar as aguas e dar de beber ao gado - Provado o exito da pequena açudagem - Um açude de 3 milhões de metros cubicos pode aturar 3 anos de seca, irrigando 100 hectares de terras cultivadas

Publicado na Folha da Noite, segunda-feira, 16 de março de 1953

Neste texto foi mantida a grafia original

Missão Velha, Ceará (de Domingos de Lucca Junior e Antonio Pirozzelli) - Mesmo com as chuvas, ainda não acabou a miseria do Nordeste. Nos ultimos dias percorrermos vasta extensão do territorio sul cearense, cobrindo zonas que foram agricolas, por excelencia, e que, atualmente, não passam de verdadeiros desertos. É como se o panorama agricola nordestino fosse um só, e nós estivessemos andando em circulos. Nem o povo nem a paisagem muda. O mesmo sofrimento, a mesma resignação, os mesmos problemas, as mesmas soluções.
O Ceará sempre foi famoso por seus açudes. Na escola primaria, quando do nosso tempo de grupo escolar, tinhamos que saber, na ponta da lingua, os nomes dos principais açudes cearenses. As professoras austeras e carinhosas explicavam que os açudes eram a salvação do Nordeste e que a eles se devia a fixação do homem destas paragens ao solo.
Hoje, depois de termos viajado, por terra, mais de mil e quinhentos quilometros, chegamos à seguinte conclusão: ou as professoras eram muito inocentes, ou os homens que escreviam livros sobre o Nordeste nada conheciam sobre a região.

Açudagem

Desde que aportamos em Recife, estamos ouvindo, de homens nascidos e criados aqui, que a solução do problema das secas é a pequena açudagem, bem orientada e estudada e, francamente, o que menos temos visto são açudes, os que vimos, de tão pequenos estão secos.
No Ceará, como na Paraiba, no Rio Grande do Norte ou em Pernambuco, o que falta é agua mesmo. Agua presa, para irrigar os campos e servir às populações. Não queremos dizer, é certo, que não há nenhum açude por estas bandas que o Ministerio da Viação e Obras Publicas esqueceu. Há alguns, mas tudo muito errado, muito pouco,.
Na Paraiba, visitamos o gigantesco Curema e o Mãe D'Agua. Visitamos, ainda, pequenos açudes, para apenas dois ou três milhões de metros cubicos, com capacidade para irrigar uma area de 10 hectares durante três anos de seca consecutiva.
Mas pouco há disso. Quanto aos erros a que nos referimos no inicio desta nota, são inacreditaveis. Açudes há, por aqui, construidos pelos engenheiros do nosso governo, que, mesmo podendo aprisionar milhares de metros cubicos de agua, não têm sangradores e canais de escoamento. Melhor dizendo: apenas aprisionam as aguas, mas não as distribuem. Quer dizer que é o mesmo que não existir nada ali. Servem, é claro, para dar de beber ao gado e ao povo. Os nomes? Isso é muito dificil, pois são muitos. Lá no Ministerio de Viação e Obras Publicas, porem, não será dificil ver até as plantas, e quem não acreditar que pergunte ao Heronides Ramos, pagador das obras de emergencia da Paraiba, um sertanejo duro e decidido.

Os pequenos

O pequeno açude, segundo os engenheiros abalizados, não é a solução ideal. No entanto, os homens que possuem esses açudes, fazendeiros em cujas propriedades estivemos, provam, com a realidade, o erro dessa afirmativa. Uma das fazendas que visitamos possui um açude de 3 milhões de metros cubicos, irriga 100 hectares de terras ferteis e aguenta secas até de três anos. Seu custo atualmente, com tudo caro, não vai alem de 3 milhões de cruzeiros. No entanto, conforme nos foi dado saber, o segredo está em se fazer o pequeno açude nessa base, ou seja, com tripla capacidade de irrigação, para poder bem servir os agricultores.
O grande açude apresenta varios inconvenientes. Não serve bem e perde mais liquido que os pequenos, em virtude da grande extensão que suas aguas - quando existem valas irrigadoras - percorrem, para buscar as propriedades. Os pequenos açudes, disseminados em todo este territorio, construidos - como já se faz em pequena escala - pelo governo, em colaboração com os proprietarios de fazendas, constituiriam uma economia de 50%, para os cofres publicos, ficando, dessarte, baratos, para o governo estadual, para o federal e para o proprio interessado que, alem de servir suas terras, serviria às populações das cidades pequenas, em caso de necessidade.
O Estado de Pernambuco, por exemplo, mantem um Serviço de Açudagem, Penços de Irrigação, criado em 1939, que, até dezembro de 1952, realizou 224 obras, no valor de Cr$ 12.202.052,90. Só em 1952, foram construidos 10 açudes e um poço tubular, dos quais 2 em cooperação com particulares.
A esse serviço cumpre unica e exclusivamente incrementar a construção dos pequenos açudes, em propriedades particulares, mediante um emprestimo hipotecario a juros de 5% ao ano. Essa é uma forma não só de beneficiar os agricultores, como de acostumá-los a construir seus açudes.
Nessas condições o serviço já estudou 934 planos de construção cuja realização representaria o represamento de 135.617.343 metros cubicos de agua.
Atualmente, conforme informou o diretor do serviço, engenheiro Porto Carreiro, estão sendo construidos, em Pernambuco, no sistema de cooperação 25 açudes.
Os resultados da pequena açudagem são otimos, e essa é a unica maneira de solucionar o problema, uma vez que os estados assolados são pobres e o governo federal tambem não pode dar conta do recado. Os agricultores ricos estão se movimentando. Muitos nada fazem, pois tambem não vivem no sertão e são fazendeiros de asfalto chegando mesmo a dificultar as obras governamentais. Para estes temos um capitulo especial da historia da seca nordestina. Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Paraiba, existem por serem Estados pobres, pois no dizer popular, pobre vive de teimoso...

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