O DIVÓRCIO ESTÁ APROVADO

Publicado na Folha de S. Paulo, quinta-feira, 16 de junho de 1977




O Congresso aprovou, na madrugada de hoje, a emenda do senador Nélson Carneiro instituindo o divórcio no País.
A votação começou nos últimos minutos de ontem, tendo 32 senadores se manifestando a favor da emenda e 19 contra.
Dos senadores de São Paulo, Orestes Quércia e Otto Cirilo Lehmann votaram a favor. Franco Montoro não compareceu.
Seguiu-se a votação dos deputados, que também acusou folgada maioria.
O projeto irá agora a segunda votação no Congresso, na próxima semana.

A longa cessão

Num debate emocional que em certo momento levou o deputado Nina Ribeiro (Arena-RJ) às vias de fato com o senador Benedito Ferreira (Arena-GO), que o qualificara de "moleque", o Legislativo debateu ontem, em sessão conjunta durante a manhã, tarde e noite, a emenda sobre o divórcio.
As discussões, acaloradas às vezes, chegaram ao nível de expressões como "a desquitada é uma mulher cantável" (Epitácio Cafeteira, MDB-MA), "divórcio é fabricação de menores abandonados" (Antonio Bresolin, MDB-RS), "vamos lembrar a hora da Ave Maria" (Walber Guimarães, MDB-PR, ao ocupar a tribuna às 18 horas).
Vários parlamentares, contudo, analisaram o problema em seu cerne, como o próprio Nina Ribeiro e o senador Nelson Carneiro, líder da campanha divorcista, os deputados paulistas Herbert Levy (Arena) e Freitas Nobre (MDB), a deputada fluminense Ligia Lessa Bastos, única representante feminina no Congresso Nacional.
Portela teve de interromper a sessão do Congresso duas vezes, em consequência das manifestações das galerias, onde se encontravam mais de 1.500 pessoas. Na primeira vez, às 21h29, quando o deputado Amaral Neto (MDB-RJ) condenava o bispo dom Pedro Casaldáliga, de Goiás, e foi vaiado. Na segunda, quando o deputado Freitas Nobre (MDB-SP), às 21h40, denunciava prisões de estudantes e artistas em São Paulo e foi aplaudido.
Para contornar as dificuldades, o senador Portela, dirigindo-se à galeria, disse que o Congresso se sentia orgulhoso com a presença de cada um e de todos; contudo, o regimento impedia manifestações.

Um dia inteiro de divórcio no Congresso Da Sucursal de Brasília

O incidente entre o deputado Nina Ribeiro (Arena-RJ) e o senador Benedito Ferreira (Arena-GO), que tentou agredi-lo, marcaram o tom emocional da discussão entre divorcistas e antidivorcistas na sessão do Congresso Nacional, pela manhã. Divorcista, autor de emenda, o deputado Nina Ribeiro denunciou que as alunas menores do Instituto Social São José, de Petrópolis, foram obrigadas a escrever cartas aos parlamentares protestando contra o divórcio. As que não o fizeram foram punidas.
Vários deputados, como Joir Brasileiro (Arena-BA), condenaram a tentativa de interferência da Igreja na votação, inclusive com a ameaça de excomunhão dos divorcistas. O senador Nelson Carneiro (MDB-RJ) informou que hoje no Exterior, a mulher brasileira é representada em muitas embaixadas pela companheira do embaixador e não pela esposa legítima.
Para o divorcista Gióia Junior (Arena-SP) o divórcio não é problema da Igreja e sim do Estado, não podendo em consequência uma religião intervir no comportamento dos que não a seguem. Casado há 25 anos, considera-se isento para análise da Emenda, lembrando que o Brasil é um dos últimos países a considerar o casamento indissolúvel. Recordou, por fim, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos assegura a dissolução do casamento.
Antes de resolver se votaria a favor ou não do divórcio, o deputado Rui Codo (MDB-SP) resolveu fazer um plebiscito entre seus eleitores. Não apresentou os resultados e nem se definiu, lendo apenas carta ao juiz de Direito da cidade paulista de Garça. Pela carta, o deputado defendeu a realização de um plebiscito nacional para saber se a população deseja ou não o divórcio.
O velho e o novo Testamento foram amplamente citados pelo deputado Nina Ribeiro em favor da emenda divorcista. Em tom passional, ele acusou o Instituto Social São José de obrigar suas alunas - de sete, oito e até de cinco anos de idade - a assinarem manifestos antidivorcistas, de acordo com cartas que recebeu das sras. Ana Maria Duvin e Noêmia Werneck. Os filhos da sra. Duvin, como não quiseram assinar, ficaram retidos no colégio. O deputado Célio Marques (Arena-SC), em aparte, disse que isto havia acontecido em todo o País.
Depois de se desculpar por ter informado que os autênticos do MDB votariam contra o divórcio para agradar à Igreja "Foi apenas uma curiosidade que tive, publicada pela imprensa", o deputado Nina Ribeiro condenou a publicação do livro "O Divórcio", de J. Esyival, que considerou uma ofensa. O senador Benedito Ferreira (Arena-GO), antidivorcista seria o grande responsável "por este absurdo". O senador tentou aparteá-lo e, aos gritos, desafiou-a provar que o livro tenha sido publicado com verbas do Senado. Na discussão, ambos quase se agrediram obrigando o senador Amaral Peixoto a suspender a sessão do Congresso.

Infeliz

Ao ser reiniciada a sessão, o senador Benedito Ferreira disse que havia sido infeliz em chamar o deputado Nina Ribeiro de "moleque" , porque "sendo ele um parlamentar, não poderia sê-lo". Mas não era possível deixar de reconhecer que para agradar à Imprensa, o deputado Nina Ribeiro "injuriava um senador da República ao anunciar que o livro havia sido impresso com dinheiro do Senado".
— Lamentou a seguir que houvesse deturpação dos textos sagrados e se "apresentasse o divórcio como uma panacéia miraculosa capaz de curar todas as enfermidades ou problemas que infelicitam a nossa vida".
Líder da campanha divorcista, o senador Nélson Carneiro (Arena-RJ) preferiu não conceder apartes, frisando que a Igreja Católica disciplinava os casamentos católicos na forma da legislação canônica. Ele apenas se preocupava com o casamento civil.
"As mesmas objurgatórias lançadas hoje contra o divórcio são as mesmas que foram lançadas contra os que defenderam a instituição do casamento civil". O próprio Papa Pio IX chegou a dizer que o casamento civil era um mero concubinato.
"Foram realizadas muitas estatísticas sobre o divórcio. A que levou à conclusão de que o povo brasileiro é a favor do divórcio foi uma estatística insuspeita, a da Arquidiocese de Porto Alegre, presidida por aquele cardeal que prefere que o Brasil perca a guerra do Paraguai, a que institua o divórcio. Nessa estatística só entre os analfabetos predominaram os contrários ao divórcio".
Em aparte, o deputado Freitas Nobre (MDB-SP) lembrou a situação de atraso social em que se encontra o País quanto a este aspecto e que as pesquisas em São Paulo, dão 70% favoráveis ao divórcio. Por fim, o senador Carneiro enfatizou que muitos não casaram na Igreja Católica e que, mesmo assim, estão impedidos de conseguir o divórcio.

Nas galerias, lotação total

Da Sucursal

Uma sessão melancólica marcou na tarde de ontem o debate sobre as emendas divorcistas no Congresso Nacional. Poucos fizeram como o senador Acioli Filho (Arena-PR) que apresentou vários argumentos favoráveis ao divórcio. A maioria preferiu fazer declarações enfáticas, passionais, a favor ou contra.
Às 18 horas, o deputado Walber Guimarães (MDB-PR), anti-divorcista, começou seu discurso lembrando que estavamos na hora da Ave-Maria. O deputado Rui Codo (MDB-SP) foi dos muitos que justificaram seu voto com o apelo recebido da esposa. Ele também criticou o fato das galerias estarem repletas, quando o Congresso já discutiu assunto mais importante sem que ninguém se interessasse.

Frivolidade

Até o senador Petrônio Portela (Arena-PI), presidente do Senado, ingressou de certa forma na frivolidade da sessão. Durante várias vezes, Petrônio Portela condenou as manifestações das galerias e chegou a ameaçar mandar esvaziá-las, pois era necessário cumprir o regimento. As galerias se esvaziaram sem necessidade do senador Petrônio dar ordem aos guardas, bastou que anunciasse o adiamento da votação para 21 horas e no máximo umas dez pessoas resolveram permanecer. As outras saíram.
Os próprios parlamentares não se interessavam muito pelos discursos. Vários preferiam ficar nos corredores, discutindo com as representantes divorcistas as possibilidades das emendas e mais precisamente a beleza de Brasília. No plenário, em média, existia no máximo uns 50 parlamentares. Alguns ficavam atrás das tribunas para mexer com os oradores, especialmente os antidivorcistas, em geral, vaiados.

Inteligência

Lembrando que os argumentos em favor do divórcio não convenceram a sua "inteligência, amor e patriotismo", o senador Dinarte Mariz (Arena-RN) pediu que os parlamentares refletissem antes de votar e levassem em consideração "a tradição" e que se aprovada a emenda, "os cartórios ficariam cheios de causas, de questões entre casais ignorantes, que não sabem nem ao menos aquilatar a responsabilidade na hora de requerer o divórcio".
Muito conhecido na Câmara, por falar quase todo dia no pinga-fogo, o deputado Antônio Bresolin (MDB-RS) frisou que já ocupara duas vezes a tribuna para falar "contra o divórcio, contra o mercado de carne humana, como o chamou o grande Ruy, contra esta fabricação de menores abandonados, como o confirmam as estatísticas oficiais do mundo inteiro". Pronunciando-se favorável ao divórcio, mas ressaltando que está casado há 30 anos, com grande felicidade, o deputado Florin Coutinho (MDB-RJ) disse que o divórcio propiciará o recolhimento ao lar de "milhões de crianças que dele se afastaram, ficando entregues à própria sorte, que quando não leva à mendicância, à prostituição e aos vícios, acaba trancafiando-as nas infectas cadeias.
João Cunha (MDB-SP) considerou o debate sobre o divórcio, nas atuais circunstâncias, uma consequência da anestesia política e econômica do País, uma anestesia geral para o povo, cujos problemas e interesses mais importantes são deixados de lado. É favorável ao divórcio, mas lamenta que o assunto esteja sendo apreciado pelo Congresso no momento, enquanto "mandato é cassado, se loteia a plataforma continental às multinacionais e enquanto a corrupção continua impune".
Também divorcista, Herbert Levy (Arena-SP), disse que "o dogma da Igreja, da indissolubilidade do casamento já está desobedecido pela própria lei, no Brasil. De fato, sendo possível a separação legal pelo desquite, a lei não dá remedio às situações por ela propria criadas."

Feliz e infeliz

Ligia Bessa Bastos (Arena-RJ), presidente da Comissão Mista que examinou as emendas divorcistas, e única representante feminina no Congresso, acha que o divórcio não causará nenhum mal à instituição familiar, conforme afirmam os que lhe são contrários. Em sua opinião, nenhuma lei irá transformar em infeliz um casamento feliz, enquanto que o divórcio dará aos que "não tiveram a ventura de acertar, a oportunidade de recomeçar, o que não se deve negar jamais ao ser humano".
"A manutenção do desquite — continuou Ligia Bastos — pode ser do interesse dos falsos moralistas ou para os que, em pleno século XX, raciocinam como se vivessemos na Idade Média. O desquite só deixa duas opções aos que foram infelizes no casamento: a frustração da solidão ou a pecha do concubinato".
"Os inconvenientes que se apontam em relação ao divórcio — afirmou a representante arenista — atribuindo-se-lhe consequências que vão desde o rebaixamento da moralidade à instabilidade do casamento, à frouxidão dos laços familiares, à má formação dos filhos, ao surto de delinquência juvenil, na realidade são corolários da vida moderna e encontra sua causa na competição, na necessidade de afirmação do homem, na sociedade de consumo. O divórcio, ao invés de causar estes males é, como eles, resultante desses desequilíbrios de uma sociedade em mudança".


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