O sociólogo Fernando Henrique Cardoso prosseguiu ontem sua
campanha com um passeio eleitoral pelo centro da cidade, declarando,
ao final, que o ponto mais positivo de sua candidatura foi a descoberta
de uma força política no País. Ele admitiu falhas
na campanha, mas procurou justificá-las dizendo que "é
errando que se aprende", e afirmou que sua candidatura se tornou
popular, apesar das dúvidas que havia inicialmente. Independentemente
dos resultados da eleição, disse que pretende liderar
a "força nova" a que se referiu, aglutinando-a numa
luta para "mudar o Brasil", mesmo que seja no MDB.
O candidato
Cláudio Lembo, depois de tratar, pela manhã, da representação
que encaminharia à tarde ao TRE contra os senadores Orestes
Quércia e Itamar Franco, visitou alguns amigos que ajudaram
na campanha e em seguida percorreu o centro da cidade, onde foi
reconhecido por populares, distribuiu autógrafos e beijos
para as moças. Relembrou os tempos de faculdade de Direito
do Largo São Francisco, visitou o antigo bedel e concluiu,
na longa conversa, que os estudantes do seu tempo "eram mais
românticos".
Sem
esconder a confiança do êxito de sua candidatura à
reeleição, o senador Franco Montoro afirmava ontem,
em seus últimos contatos com o eleitorado e com jornalistas,
que "o resultado da eleição de amanhã
(hoje) será o julgamento de oito anos de trabalho no Senado".
Nas sucessivas entrevistas que concedeu, procurou, ainda, analisar
o futuro político do País, que diz ser agora sua preocupação.
Pela manhã, Montoro percorreu a região do ABC.
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A Nossa vez
Num
regime democrático estável, as datas eleitorais podem
até passar por corriqueiras, embutidas na normalidade da
vida civil que legitima e absorve conflitos. No caso brasileiro,
porém, ocorre o inverso: as eleições são
momentos de considerável intensificação das
relações políticas, que se desenvolve em meio
a um clima tenso e eventualmente até traumático. Isso
ocorre, em parte, porque ainda carregamos a herança histórica
que nos é transmitida pela má idéia de que
a política se faz apenas durante a campanha eleitoral; antes
e depois dela a atividade pública tende a tornar-se oficio
de um reduzido número de pessoas, partícipes de um
círculo fechado que só se abre para permitir a passiva
participação popular quando de inauguração
e festas oficiais. Em parte, por outro lado, porque em nosso País
as eleições se transformaram na única e exclusiva
oportunidade de participação dos setores sociais na
estrutura institucional. Estrangulados os seus meios de organização,
obstruídas as suas vias de propagação de informações
e idéias, a sociedade encontra nos períodos eleitorais
um breve abrir e fechar de portas, uma fresta por onde o povo pode
espiar e interferir a nível institucional.
O primeiro
sinal da importância do pleito legislativo nacional que hoje
se fere decorre, portanto, exatamente daí: por meio do processo
eleitoral, que culmina com o ato de votar, a população
participa, educa-se, aumenta sua carga de informações
e experimenta, ainda que por instantes, a responsabilidade de chamar
às suas mãos o seu próprio destino.
Seria
redundante mencionar o conjunto maciço de medidas adotadas
pelo oficialismo com o objetivo de evitar uma condenação
irretorquível de sua política autoritária.
Elas vão desde a lei Falcão e o senador "biônico"
até as intimidações policias, as pressões
econômicas, os critérios incorretos de representação
por Estado e assim por diante. Esses vícios que incidem sobre
o pleito, deformando-lhe os resultados e o próprio conteúdo,
foram exaustivamente abordados e criticados pela imprensa e são
bastante conhecidos da opinião pública, que sobre
eles já formou julgamento. Mas com todas essas distorções,
o oficialismo não conseguiu acabar com o sufrágio
propriamente dito. Este, permanece. Limitada e dirigida por inúmeros
constrangimentos, alguns até de natureza inconsciente, a
vontade do eleitor preserva ainda uma estreita faixa de autonomia,
e por essa faixa transitam, com inegável vigor, as tendências
democráticas que hoje disputam o voto popular.
Antes
de tudo, é importante votar. Comparecer às urnas significa
que não abdicamos do direito de conduzir a nós mesmos,
por meio de um Estado que mantemos com o nosso trabalho e que queremos
constituído de acordo com a nossa vontade. Quanto menor for
o número de abstenções, tanto mais patente
estará a disposição da sociedade de participar,
de interferir no processo político que só a ela diz
respeito, mas que não obstante é conduzido à
sua revelia.
É
evidente que este pleito, em si, mudará pouca coisa. O oficialismo
já fez aprovar, por meio da maioria de que dispões
na atual legislatura do Congresso Nacional, dispositivos que asseguram
interferência mínima dos resultados das urnas sobre
os mecanismos decisórios ou mesmo homologatórios.
Para isso foram inventados os "biônicos", por exemplo.
Mas é também evidente que se o eleitor ficar em casa,
vendo tv, nada mudará. Por menores que sejam os resultados
efetivos das eleições em favor da população,
haverá conquistas em termos de consciência política,
de isolamento das propostas autoritárias, de exercício
de participação, ainda que restrita. Além disso,
o eleitorado tem, hoje, condições de eleger bancadas
altamente representativas e qualificadas. Basta saber escolher.
Mas
quem espera que sejam resolvidos, hoje, os problemas do País,
obviamente se engana. Uma sociedade justa, humana e democrática
só será construída com muito trabalho e perseverança.
Atualmente, quem quer mudar, não pode - e quem pode, não
quer.
Quanto
ao conteúdo do voto, a opção do eleitor só
pode ser uma oposição claramente democrática.
A abertura política que, a despeito de todos os obstáculos,
ocorre no Brasil desde 1974, permitiu a emergência de uma
verdade que não é revelada por ninguém, se
não pelos fatos. Só com liberdade para discutir, organizar-se
e participar, a população poderá abrir caminho
para a solução dos problemas da moradia, da alimentação,
do transporte popular, da assistência médica, da educação,
da cultura, do meio ambiente. Votar em candidatos que não
estejam empenhado, de maneira constante, honesta e eficaz, na construção
de um regime de participação democrática, é
jogar o sufrágio pela janela do autoritarismo.
Esperamos
que os resultados destas eleições gerais conduzam
aos parlamentos personalidades afinadas com o conjunto de reivindicações
democráticas hoje postas em pauta, e capazes de estender
essas reivindicações, de modo maduro e sério,
ao nível institucional, amarrando a estrutura de poder com
a mobilização de largos setores da sociedade civil.
Neste
sentido, impõem-se o voto consciente em candidatos que não
apenas se identifiquem com a opção democrática,
mas que tenham como roteiro concreto a luta por melhores condições
de vida para a maioria da população, tendo em vista
a organização de um regime democrático que
assegure a estrita observância dos direitos do homem e do
cidadão e que atenda aos interesses da maioria da população,
por meio da participação política livre de
todos os setores da sociedade e de todas as tendências de
opinião; que observe a liberdade de informação,
compreendida como direito de todos terem acesso ao conhecimento
dos fatos e das idéias; que fortaleça os organismos
da sociedade civil; que proporcione a distribuição
mais equitativa da renda nacional, a partir da reorientação
dos mecanismos de tributação; que promova a submissão
de toda economia ao interesse social, por meio da fiscalização
do Estado democrático e que, por fim, tenha como meta a preservação
da identidade cultural brasileira.
O povo
brasileiro hoje vota. Acreditemos na nossa capacidade de discernimento,
no poder renovado das idéias e no futuro democrático
do Brasil.
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