EPISODIOS DA PROCLAMAÇÃO DA REPUBLICA
NARRADOS POR UM JORNAL DO DIA 16 DE NOVEMBRO DE 1889
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Publicado
na Folha da Manhã, quarta-feira, 15 de Novembro de
1939
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Neste texto foi mantida a grafia original
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Os acontecimentos que, no dia 15 de novembro de 1889, culminaram
com a proclamação da Republica, foram assim narrados
pela "Gazeta de noticias", do Rio, no seu numero de 16
de novembro daquelle anno:
"A data de hontem vae ficar assignalada na historia.
Extraordinario movimento agitou a população fluminense,
desde o romper do dia. O espanto, a surpreza e a ansiedade - eis
o que se notava em todos os olhares; em todas as physionomias. O
povo invadiu as ruas e praças em busca de noticias sabendo
então que o exercito tinha se declarado abertamente em opposição
ao ministerio. No nosso numero de hontem, em noticia de ultima hora,
entrelinhada, haviamos escripto o seguinte:
"No quartel-general estavam reunidos ás 2 horas da madrugada
de hoje, o sr. ajudante-general do exercito e diversos officiaes
generaes. No quartel achavam-se em fórma um batalhão
de infantaria e o regimento, ou parte, da cavallaria. Tratava-se,
pois, de um movimento já combinado a que dera causa a ordem
recebida pelo 7o. Batalhão para seguir para provincia remota
recusando-se esse batalhão a cumprir a ordem. Sabendo, á
ultima hora, do que se tramava, reuniu-se em conferencia o ministro
até á meia noite estando de promptidão 400
praças do corpo de policia. Ás 6 horas da manhã
fecharam-se os quarteis do 7o, do 10o, e do corpo de bombeiros e
desembarcou uma forca de fuzileiros navaes, armados, trazendo revólveres
os officiaes. O campo de Sant'Anna ficou todo occupado pelo exercito
e pelo povo, confraternizados. Uma força do 1o. postou-se
no largo da Lapa. Em frente ao quartel-general estendeu-se um parque
de artilharia postando-se ali batalhões de linha, fuzileiros
navaes, corpos de policia desta corte e da provincia e um piquete
de cavallaria. Na rua Marcilio Dias postou-se uma força do
1o. de cavallaria commandada por um cadete-sargento. Em frente á
Escola Normal estava uma força carabineiros e lanceiros e
dos alunnos artilheiros. Em frente á rua do Senador Eusebio
via-se uma força de fuzileiros navaes, e entre o quartel-general
e a estação da estrada de ferro D. Pedro II o corpo
de impeiaes marinheiros. Pela rua do Ouvidor passavam de instante
a instante grupos de patriotas erguendo vivas á republica
brasileira. Á passagem dos batalhões o povo abria
alas e saudava o exercito. Foram proferidos discursos por distinctos
cidadãos, correspondendo o povo com enthusiasmo aos vivas
erguidos pelos oradores".
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Ministros
presos
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"Em frente á secretaria da Guerra, onde estava reunido
o ministerio, postaram-se, logo pela manhã, uma força
do 1o. regimento, uma do 9o. de cavallaria, uma do 2o. regimento
de artilharia, o batalhão naval e o corpo de imperiaes marinheiros,
estando todas essas forças sob o comando do sr. general Deodoro.
Intimado o ministerio para depôr o governo respondeu o sr.
conselheiro Affonso Celso, presidente do conselho, que não
obedecia a essa intimação. Foram então fechados
os portões do quartel-general, ficando assim impedida a sahida
do 1o. batalhão de infantaria, com o qual suppunha o governo
que devia contar. Os corpos de bombeiros e de policia desta côrte
marcharam em seguida para o campo de Sant'Anna e foram pôr-se
á disposição do sr. general Deodoro. O sr.
general Floriano Peixoto, ajudante general, foi ao encontro do sr.
general Deodoro com quem conferenciou, dirigindo-se ambos momentos
depois ao sr. presidente do conselho, que ainda estava na secretaria
da guerra com o ministerio. Apenas ali chegados o sr. general Deodoro
intimou o governo em nome do exercito a depor o poder e ainda em
nome do exercito, deu voz de prisão aos srs. presidente do
conselho e ministro da Justiça, que opor algum tempo occupara
a pasta de ministro da guerra.
Declarou o sr. general Deodoro que exigia o exercito que escolhessem
elles, os dois ministros presos, paiz na Europa, e para lá
se retirassem porquanto era essa a satisfação reclamada
daquelles que só haviam usado do poder para perseguir deportar
e desprestigiar o exercito. Intervieram os srs. generaes Floriano
Peixoto e Miranda Reis, pedindo que fosse relevada a ordem de prisão
aos dois ministros ao que depois de alguma relutancia acedeu o sr.
general. Durante essa conferencia, os corpos, que estavam no quartel,
marcharam para a rua, dando vivas ao general Deodoro, e uniram-se
ás forças postadas em frente á secretaria da
guerra. Conservou-se o ministerio até ás 3 horas da
tarde na secretaria. Todas as forças estavam municiadas com
cartuxame embalado.
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O
Barão de Ladario
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"Ás 8 horas da manhã apresentou-se em frente
ao quartel-general o capitão de cavallaria Goldophini, acompanhado
de sete praças. Vinha esse oficial em exploração.
Nesse momento alguns batalhões formaram em frente ao quartel-general,
sahindo então o sr. barão de Ladario, afim de dar
ordens aos fuzileiros navaes. Nessa occasião foi elle intimado
por um official, por ordem o sr. general Deodoro, para entregar-se.
Sem proferir uma palavra, o sr. barão de Ladario sacou do
bolso um revolver e apontou-o ao peito do official, fazendo fogo.
O tiro porém, falhou.
Approximando-se delle o sr. general Deodoro para reiterar a ordem
de prisão foi recebido com um tiro pelo sr. barão
de Ladario, desviando-se porém a bala do alvo. Acto continuo
foram disparados alguns tiros por praças do exercito ficando
o sr. barão de Ladario ferido. Immediatamente foi elle transportado
em maca para o palacete Itamaraty, na rua Larga de São Joaquim,
seguindo dahi, ainda em maca, para a casa de sua residencia no Cosme
Velho. Foram chamados os srs. drs. Pereira Guimarães e barão
de Pedro Affonso. São estas as informações
officiaes prestadas acerca do estado do sr. barão de Lacario
pelos dois ilustres facultativos:
"Chamado para tratar do sr. Barão de Ladario, ahi encontrei
os meus dignos collegas drs. Cancio Palhares e Ferreira de Abreu,
os quaes com a maior delicadeza, me encarregaram de examinar e tratar
do ferido. Este apresentava quatro ferimentos, dos quaes tres sem
gravidade, um na fronte e dous outros na coxa esquerda. Quanto ao
ferimento grave, consistia em uma solução de continuidade
dos tecidos da região sacro-illiaca esquerda com perfuração
do osso iliaco correspondente um pouco para fóra da tuberosidade
desse mesmo osso. Não sendo encontrado o projectil, nem havendo
conveniencia em proceder ás explorações, das
quaes não poderia resultar senão desvantagem, tratei
de, com meus dignos collegas, proceder ao curativo... Dr. José
Periera Guimarães.
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No
Largo do Paço
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No Largo do Paço, quando ali estava em forma o corpo de policia
da provincia do Rio de Janeiro, foi deposto o tenente Honorio Lima,
assumindo o commando daquelle corpo o bravo e distinto official
do exercito coronel Fonseca e Silva.
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O
Imperador
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A 1 hora da tarde chegou o imperador ao paço, sem guardas,
só, confiado no povo e no exercito, consio de que seria respeitado.
Lia-se na sua physionomia a maior afficção. Ligeiro
tremor vergava-lhe o corpo já alquebrado pela idade e pela
molestia. Pouco depois foram reunir-se a elle a princeza, o conde
d'Eu, o principe D. Pedro, senadores, camaristas e empretados do
paço. Muitas senhoras cercaram a familia imperial. Constatava
a serenidade do conde d'Eu com a angustia que transparecia da physionomia
da princeza D. Izabel. Conferenciaram com o imperador alguns homens
de Estado, entre os quaes o sr. senador Paulino, que se conservou
sempre ao lado da familia imperial. Ás 3 horas e 20 minutos
foi o visconde de ouro Preto chamado pelo imperador, por intermedio
do sr. general Miranda Reis. Indo ao paço, o sr. Visconde
de Ouro Preto pediu a sua de demissão de presidente de ministro,
que não foi aceita pelo imperador. Insistiu o sr. visconde
no pedido, declarando que não podia continuar por não
contar com elementos de força, e indiciou por solicitação
de sua Majestade, para organizar novo gabinete o sr. senador Silveira
Martins. Tendo ordem para chamal-o, disse o sr. visconde de Ouro
Preto que estava elle em viagem, retirando-se em seguida para a
residencia do sr. barão de Juvary.
Em conferencia com o imperador, esteve no paço o sr. Lourenço
de Albuquerque ás 5 horas da tarde. O imperador manifestou
desejo de conferenciar com o sr. marechal Deodoro. Como este, porém,
não apparecesse, dirigiram-se á sua casa, no campo
de Sant'Anna, os srs. senadores Dantas e Corrêa. Voltando
ao paço os senadores Corrêa e Dantas, foi por este
referido á Sua Majestade que, não tendo podido falar
com o sr. general Deodoro, haviam no entanto sabido de pessoa fidedigna,
que estava definitivamente organizado o governo provisorio e feitas
as nomeações das principaes autoridades; que a deliberação
tomada tinha por origem a falta de confiança do exercito
nos partidos monarchicos, pelo que faziam causa comum com os republicanos.
S. exa. declarou tambem que soubera haverem varias provincias adherido
ao movimento e que era assegurada a garantia de pessoa e vida de
Sua Majestade o imperador e de sua familia.
Apresentou-se no paço um tenente do exercito, commandando
40 praças, e disse a um dos camaristas, que por ordem do
dictador, general Deodoro, ia apresentar-se ao imperador com a força
para guardar o paço.
Até à hora em que escrevemos está a familia
imperial rodeada de pessoas de sua amizade e guardada por tropa
e povo.
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O
general Deodoro
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O ilustre marechal tem estado enfermo. Ao que parece, todo este
movimento tinha sido combinado para mais tarde, para o dia em que
qualquer facto, por insignificante que fosse, offerecesse ensejo
para o pronunciamento dos militares; de sorte que o general Deodoro
mal poderia suppôr que o dia 15 de novembro seria o assignalado
para a irrupção victoriosa de sua figura no scenario
politico do pais. O general, ás 11 horas da noite de ante-hontem,
achava-se de cama, soffrendo dores atrozes; sendo preciso que lhe
applicassem fortes sinapismos para acalmar-se o seu estado morbido.
Á meia noite bateram á porta de sua casa e um militar
deixou-lhe recado - que a 2a. brigada do exercito tinha resolvido
rebellar-se a que tudo esperava-se de S.exa. O marechal disse que
iria acudir ao chamado logo que apparecesse o dia; e fez apromptar
e arriar o seu cavallo, e pela manhã foi até S. Christovam,
mas de carro. Quando seguiu para o quartel de artilharia soube que
já o 2o. regimento desta arma e o 1o. de cavallaria tinham
vindo para a cidade, e, regressando o marechal, encontrou de facto
aquellas tropas no campo da Acclamação, em frente
á sua casa; e dellas acompanhado dirigiu-se para o quartel-general,
em cujo campo fronteiro acampou.
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Notas
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"O governo provisorio expediu ordem pelo telegrapho para que
fosse preso em Santa Catharina o sr. senador Gaspar Silveira Martins
que vinha de viagem para esta cidade".
"O governo provisorio funcciona por enquanto no edificio do
Instituto dos Meninos Cegos, no campo da Acclamação.
Até hora adiantada da noite trabalhavam no serviço
do expediente os srs. ministros dr. Benjamin Constant, Ruy Barbosa
e Quintino Bocayuva".
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