TANCREDO ESTÁ À MORTE


Respirador e rim artificial ainda o mantêm vivo

Equipe médica acha que só "milagre" poderia salvá-lo

Publicado na Folha de S.Paulo, segunda-feira, 15 de abril de 1985

Não há mais recursos terapêuticos capazes de recuperar a saúde do presidente eleito Tancredo Neves. Depois das duas novas crises de bacteriemia, ontem, a avaliação dos médicos era de que só um "milagre" poderia salvá-lo.
A primeira crise ocorreu às 8h, a segunda às 14h30. Em ambas, Tancredo sofreu acentuadas quedas de pressão e de temperatura e aumento dos batimentos cardíacos. A causa foi uma nova incursão de bactérias no fluxo sanguíneo, em virtude de prováveis focos de infecção. Das outras vezes em que isso ocorreu, recorreu-se a cirurgias. Agora, o organismo de Tancredo não resiste a uma nova intervenção. A situação só pode ser controlada artificialmente, com aparelhos e medicamentos.
De manhã, os médicos valeram-se de descargas elétricas para fazer com que o coração voltasse a um número de batimentos suportável, depois de ter disparado até 140 por minuto. Foram realizados exames de ultra-sonografia para tentar detectar "a coisa", como os médicos chamam o processo infeccioso. Inútil.
O quadro pulmonar apresentou sensível retrocesso. Durante a maior parte do dia, todo o ar que o paciente respirava, com alta concentração de oxigênio, era encaminhado aos pulmões pelo respirador mecânico. Mesmo assim, a função respiratória era de 40%, quando o desejável nessas condições seriam 70%.
A situação renal também piorou muito. Os indicadores registraram os níveis mais negativos desde o início da enfermidade. A uréia chegou a 150 miligramas por cem mililitros de sangue (o normal é de trinta a cinquenta); a creatinina subiu para cinco (o normal fica entre 0,8 e 1,2).
A extrema gravidade da situação do presidente eleito começou a ser percebida do lado de fora do Instituto do Coração depois do almoço. Os médicos, já sem esperanças, permitiram que os parentes, um a um, fossem à UTI para ver Tancredo. A cena deixou muitos deles abatidos. A neta Andrea chorou no terraço do Instituto do Coração. O irmão Jorge de Almeida Neves, que havia prometido uma entrevista, encontrou os jornalistas e descarregou: "Agora, não dá pra falar mais nada".
As poucas autoridades que estiveram no Instituto do Coração também davam indícios de que o quadro era irreversível. O governador Franco Montoro, olhos vermelhos, expressão desolada, admitiu a gravidade do momento, embora ainda falasse em esperança aos jornalistas. Pouco antes, ele tivera uma taquicardia no interior do Incor, ao ouvir o pranto convulsivo da cantora Fafá de Belém. O secretário estadual da Indústria, Comércio, Ciência e Tecnologia, Einar Kok, referiu-se a Tancredo no pretérito: "Ele era uma grande figura nacional".
Durante todo o dia Tancredo foi mantido vivo graças ao rim artificial e ao respirador mecânico. Sem esses aparelhos, não haveria condições de adiar a morte. No início da noite, o estado do presidente eleito estabilizou-se. Não se falou em agravamento maior até o final da noite. Mas isso não significa qualquer tipo de esperança de recuperação.
Os procedimentos para as cerimônias fúnebres já estão decididos. O porta-voz da Presidência, Antônio Britto, deverá fazer o anúncio da morte à Nação cinco minutos depois de ela ser definida pelos médicos. Uma hora mais tarde, o presidente José Sarney fará um discurso em rede nacional de rádio e televisão. O corpo de Tancredo Neves será embalsamado e irá em caminhão do Corpo de Bombeiros para o aeroporto de Congonhas. O cortejo tomará a avenida Rebouças, depois seguirá pela avenida Brasil em direção ao Ibirapuera. No monumento ao soldado constitucionalista haverá uma salva de 21 tiros de canhão, com as autoridades perfiladas junto ao obelisco. Dali, os carros continuarão pela avenida Rubem Berta até o aeroporto.
O corpo deverá ficar em Brasília dois dias, exposto à visitação pública no Congresso Nacional. O enterro será em São João Del Rey, Minas Gerais, cidade natal de Tancredo Neves.

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