O CONGRESSO APROVA A ELEIÇÃO DIRETA EM 82

Publicado na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 14 de novembro de 1980

Por unanimidade de votos, o Congresso Nacional aprovou ontem a emenda constitucional, proposta pelo governo, que estabelece as eleições diretas para os governadores estaduais e extingue a figura do senador "biônico", preservando os atuais mandatos. A emenda obteve 390 votos na Câmara e 54 votos no Senado, no segundo turno. Esta foi a primeira vez, desde o Estados Novo, que uma emenda constitucional é aprovada sem receber nenhum voto contrário.

A subemenda das oposições, que estendia as eleições diretas para a Presidência da República, não chegou a ser votada , pois o plenário, como era esperado, deu preferência à votação da emenda governamental. Embora apoiando a proposta do governo, os líderes oposicionistas fizeram questão de afirmar, em seus pronunciamentos, que continuarão lutando pelas eleições diretas em todos os níveis.

Pesquisa realizada pela "Folha" no Congresso revelou que a maioria dos oposicionistas ainda não se convenceu da realização das eleições diretas em 1982.

EDITORIAL

No rumo da democracia

O Congresso Nacional aprovou ontem, por unanimidade dos presentes nas duas Casas, a emenda que restaura as eleições diretas para o governo dos Estados e extingue os senadores biônicos, resguardados os atuais mandatos. A aprovação do projeto de iniciativa do presidente da República serve de contraponto perfeito ao pronunciamento do sr. João Batista Figueiredo em audiência ao presidente do Chase Manhattan Bank.

De fato, praticamente no mesmo dia em que o Congresso restaurou as eleições diretas depois de 15 anos, numa votação unânime, o presidente da República reafirmava, em audiência aos srs. David Rockefeller e William Butcher - sucessor eleito para a presidência do Chase - que as prováveis dificuldades econômicas e sociais não o afastarão da sua determinação de restabelecer a democracia no País.

Por longo tempo alguns afirmaram que a democracia era incompatível com o rápido crescimento da economia. Passada a euforia do "milagre", e esboçado o perfil da crise econômica, voltaram a bater na tecla da fragilidade da democracia como método de governo. Agora, pretendem afirmá-la incompatível com o combate à inflação e com a adoção de medidas austeras ou de sacrificio. De modo que, mudadas as circunstâncias, os problemas e as soluções, uma só coisa não muda; o temor de alguns poucos à livre expressão democrática da sociedade.

Contra isso vêm-se levantando nossas instituições mais caras e as lideranças políticas mais experientes e representativas, tanto no partido do governo como nas oposições. Com essa pregação, que rompeu a barreira do silêncio e do temor apoiada na política distensionista do então presidente Geisel, o atual Presidente sempre se mostrou profundamente identificado, desde a postulação de sua candidatura.

A firmeza com que hoje reitera sua determinação de prosseguir no projeto de restabelecimento da democracia não é nova. Sequer é novo o tema da compatibilidade entre a democracia e a crise econômica, para cuja superação o Presidente proclamou mais de uma vez ser essencial a participação democrática da maioria.

O que empresta caráter marcante ao atual pronunciamento é, por um lado, o fato de que ele não exclui a hipótese, aliás realística, de que essas dificuldades venham a ter repercussões do ponto de vista social, mas mesmo na hipótese de que a agitação social venha a aumentar, o Presidente não a considera obstáculo intransponível para a realização de suas promessas.

Por outro lado, chama atenção o fato de que o pronunciamento teve como interlocutores figuras de primeiro plano dos meios financeiros internacionais. A fala presidencial parece quebrar uma tradição recente de apresentar o Brasil como uma ilha de tranquilidade e de prosperidade, de modo a atrair as finanças mundiais. Além de não alimentar essa imagem sabidamente falsa, o presidente Figueiredo parece ter usado da maior clareza, ao definir limites para supostas medidas de austeridade preconização pelo Fundo Monetário Internacional. Pelo menos é o que se pode depreender das declarações que lhe são atribuídas pelo subsecretário de imprensa, sr. Otávio Bonfim, segundo as quais não adotará medidas capazes de provocar uma crise social grave no País.

O Presidente sabe hoje, com clareza cada vez maior, que o projeto de democratização conta com o apoio maciço da população e tem respaldo em todos os partidos e nas instituições mais atuantes da sociedade civil. Cada passo nessa direção poderá contar com votações expressivas como a que marcou, no Congresso, o restabelecimento das eleições diretas. Decisão cuja representatividade pode ser avaliada com base na enquete publicada ontem nesta "Folha". A vontade de eleição direta é tão maciça na população de um grande centro como São Paulo (mais de 80% no conjunto da amostra), que a porcentagem de pessoas favoráveis às eleições indiretas chega a ser inferior à dos indiferentes.

Façamos votos para que convergências dessa ordem se repitam com mais frequência: o Presidente, o Congresso e o povo no mesmo rumo, o rumo da democracia.

Voltam as eleições diretas para governador e senador

Da Sucursal de Brasília

Sem nenhum voto contra, o Congresso Nacional aprovou ontem a proposta de emenda constitucional do governo, restabelecendo as eleições diretas para os governadores estaduais e extinguindo os senadores "biônicos", preservados os atuais mandatos. Os governadores indiretos permanecem em seus cargos até 15 de março de 1983 e os senadores "biônicos" até 15 de março de 1986.

A proposta alcançou no primeiro turno 389 votos na Câmara dos Deputados e 54 no Senado. No segundo turno de votação, realizado imediatamente após o primeiro a emenda obteve 390 votos na Câmara e os mesmos 54 votos no Senado. Faltaram 25 deputados e 11 senadores.

Foi a primeira vez em 25 anos, que uma lei passou pelo Legislativo sem nenhum voto contra. Não foi votação o substitutivo dos partidos oposicionistas, que estendia as eleições diretas para presidente da República, prefeitos e vice-prefeitos das Capitais; extinguia, já em 1982, os mandatos dos senadores "biônicos", nomeados em 1978; reduzia de seis para cinco anos o mandato do presidente da República e acabava com o Colégio Eleitoral do presidente da República, atualmente previsto no artigo 75 da Constituição.

O substitutivo oposicionista, encabeçado pelo presidente nacional do PMDB, deputado Ulisses Guimarães, foi declarado "prejudicado", pois o plenário deu preferência à proposta governamental. Na verdade, os líderes oposicionistas e governistas já haviam entrado em acordo visando não prejudicar a emenda das diretas para governadores. Para marcar posição, apenas, os líderes do PMDB, do PP e do PTB manifestaram-se contra a preferência ao projeto do governo.

Encaminhamento

Três senadores e nove deputados encaminharam a votação do projeto, dos quais apenas o líder Nelson Marchezan e o deputado Edson Lobão, relator da proposta, pertencentes ao PDS. O senador Gilvan Rocha, líder do PP, expressou seu regozijo pela aprovação do projeto. Mas um "regozijo relativo", como afirmou, porque "o Congresso, ao invés de estar cuidando de outros problemas nacionais, ainda tinha que perder tempo em fixar regras para o processamento de eleições, quando elas já estavam consolidadas há muito pela evolução política da humanidade". O deputado Antônio Carlos (PT-MS), embora votando favoravelmente, considerou a emenda "uma farsa", pois, conforme disse, "vários casuísmos já estão sendo preparados para empanar o processo de eleições diretas, como sublegendas, voto distrital e a prorrogação de mandatos dos atuais governadores".

O líder do PMDB na Câmara, deputado Freitas Nobre, ressaltou, em seu pronunciamento, a luta das oposições pelo restabelecimentos das eleições diretas para governador, assegurando que o seu partido continuará batalhando para que os pleitos diretos sejam realizados em todos os níveis, inclusive de presidente da República. Reconheceu a sensibilidade do governo para a exigência popular de pleitos diretos, reclamando, porém, "sensibilidade para o anseio do povo de uma Assembléia Nacional Constituinte, destinada a legitimar integralmente a vontade da Nação".

"Ver para crer"

O deputado João Cunha (PT-SP), na mesma linha de seu companheiro de partido Antônio Carlos, disse que a emenda merecia do PT a postura de "quem quer ver para crer", isto é, sua agremiação quer ser primeiro como se processará o pleito, "pois vivemos no reino do casuísmo".

O deputado Edson Lobão, relator do projeto, negou que o presidente Figueiredo estivesse mais comprometido com o arbítrio do que com a democracia, elogiou o processo de abertura política, lembrando que o presidente Geisel foi o seu percursor, e assinalou que, com as eleições diretas para governador, o presidente Figueiredo saldava "mais um compromisso com o povo".

Depois que o senador Orestes Quércia defendeu o projeto, lembrando a luta de muitos anos da oposição em favor dos pleitos diretos, o líder Paulo Brossard ocupou a tribuna para numa análise dos pleitos indiretos, mostrar que "o que se está praticando nos últimos anos em nosso País é o abastardamento desses pleitos".

Ausentes

Não votaram 11 senadores e 25 deputados, considerando-se as ausências nos dois turnos de votação e ainda, que o senador Luis Viana (PDS-BA) não votou por estar presidindo os trabalhos e que o senador José Grageli (sem partido-MS) não assumiu a vaga de Pedro Pedrossian. No Senado foram os seguintes os ausentes: entre os "biônicos" todos do PDS. Amaral Peixoto (RJ), Gabriel Hermes (PA), Dinarte Mariz (RN), Milton Cabral (PB) e Arnon de Melo (AL) e ainda mais seis eleitos pelo voto direto: Adalberto Sena (PMDB-AC), Jorge Kalume (PDS-AC), Agenor Maria (PMDB-RN), Lomanto Junior (PDS-AC), Hugo Ramos (PDS-RJ) e Evelásio Vieira (PP-SC).

Na Câmara os ausentes foram: do PDS - Amilcar Queiroz (AC), Rafael Faraco (AM), Antônio Amaral (PA), Correa Lima (PI), Cesário Barreto (CE) Joaquim Coutinho (PE), Joaquim Guerra (PE), Djalma Bessa (BA), Alair Ferreira (RJ), Alvaro Vale (RJ), Batista Miranda (MG), Moacir Lopes (MG), Adalberto Camargo (SP), João Arruda (SP), Rui Silva (SP), Vilmar Guimarães (GO), Antônio Mazurek (PR), Pedro Colin (SC), Alexandre Machado (RS); do PP, José Bruno (RJ), Marcelo Medeiros (RJ), Peixoto Filho (RJ); do PMDB, José Freire (GO), Pedro Ivo (SC) e Harry Sauer (RS).

No total, por partidos, estiveram ausentes, 27 parlamentares do PDS, 5 do PMDB e 4 do PP. Entre os 452 parlamentares presentes, pelo menos 55 deles - 19 senadores e 36 deputados - se consideram em condições de serem candidatos para o governo de seus respectivos Estados. Este número, de hoje em diante, deve aumentar mais ainda.


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