JG SURPREENDE O PAÍS: REFINARIAS ENCAMPADAS

Publicado na Folha de S.Paulo, sabado, 14 de março de 1964

Neste texto foi mantida a grafia original

Falando ontem à multidão constituida de dezenas de milhares de pessoas, o presidente João Goulart surpreendeu o país ao anunciar que havia assinado o decreto de encampação de Capuava e de todas as refinarias particulares de petroleo. Informou tambem que assinara o decreto da SUPRA.
Ao iniciar seu discurso de 65 minutos, no comicio da Guanabara, o orador advertiu que seria franco, sincero e até rude, para ser bem entendido por todos os brasileiros.
O presidente salientou que o decreto da SUPRA representa apenas um passo inicial para a reforma agraria, que somente será possivel com a reforma da Constituição, "acima da qual está o povo".

Brizola

O deputado Leonel Brizola, em seu discurso, preconizou a formação de "um Congresso popular, integrado por camponeses, sargentos e oficiais nacionalistas", como "a unica saida pacifica para o impasse em que se encontra o nosso país". Após dizer que sua palavra talvez estivesse sendo impugnada, afirmou o sr. Leonel Brizola que "não aceitamos golpes contra os nossos direitos e liberdades" e que "temos que nos organizar para enfrentar a violencia e nos preparar para responder violencia com violencia."
O ex-governador gaucho foi constantemente interrompido, em suas criticas ao Congresso, pela assistencia, aos gritos de "fecha, fecha, fecha".

Refinarias

No surpreendente anuncio da encampação das refinarias particulares de petroleo, o sr. João Goulart disse que elas, a partir daquele instante, passavam a pertencer ao povo. Ao assinar o decreto - acrescentou - procurara ser fiel ao espirito de lei inspirado nos ideais patrioticos e imortais do presidente Vargas.
Capuava, uma das refinarias encampadas, estava na noite de ontem guardada por soldados da Força Publica, armados de metralhadoras. A diretoria da empresa passou a noite no interior da industria.
O decreto de encampação foi divulgado no Rio pouco depois do comicio.

Lacerda

No comicio de 90 minutos que se seguiu à inauguração do novo supermercado de Cascadura, o governador Carlos Lacerda disse que "a principal reforma de que o país necessita é a reforma das consciencias, para que fique livre dos traidores que estão enquistados nas cupulas sindicais e nos orgãos governamentais". Referindo-se ao comicio da Central, disse o governador da Guanabara que "quem deseja falar ou dialogar com o povo não precisa de tanques para garanti-lo". E acrescentou: "O povo não pode ficar entre o dilema reforma ou revolução. Na verdade, não podemos aceitar a reforma dos incompetentes e dos gatunos, nem a revolução dos traidores".

SUPRA

O decreto da SUPRA, que o presidente João Goulart assinou ontem, declara de interesse social, para fins de desapropriação, as areas rurais que ladeiam os eixos rodoviarios federais, os leitos das ferrovias nacionais e as terras beneficiadas ou recuperadas por investimentos exclusivos da União, em obras de irrigação, drenagem e açudagem, atualmente inexploradas ou exploradas contrariamente à função social da propriedade.
Pelo decreto, a SUPRA fica autorizada a baixar os atos necessarios à complementação das disposições nele contidas. As desapropriações serão efetivadas, de preferencia, nas areas mais populosas.

Voto ao analfabeto

O presidente anunciou tambem que acaba de enviar ao Congresso mensagens dispondo sobre a reforma eleitoral e sobre a reforma universitaria. A reforma eleitoral preconizada pelo Executivo incluirá o voto do analfabeto e a elegibilidade das praças de pré. O presidente não se estendeu sobre a reforma universitaria, limitando-se a dizer que será a "reclamada pelos estudantes brasileiros". Informou ainda que nas proximas horas assinará decreto que regulamenta os aluguéis de apartamentos para impedir "os preços extorsivos e abominaveis".

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