AOS BERROS, COLLOR PEDE QUE O BRASIL USE VERDE-AMARELO


Publicado na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 14 de agosto de 1992


O presidente Collor pediu a "todo o Brasil" que vá às ruas, no domingo, vestido com as cores da bandeira, para mostrar que os defensores do impeachment são minoria. Aos gritos, o presidente afirmou que este grupo "atrapalha", enquanto "a maioria trabalha". Collor classificou o "esquadrão da morte", criado pelo Planalto para defender o governo, de "bancada da resistência democrática àqueles que querem conspirar contra as instituições". O discurso ocorreu durante a liberação de incentivos para taxistas. A cada frase, o presidente era interrompido por gritos como "dá-lhe Collor" e "fora Lula". Alguns motoristas disseram que a Caixa Econômica federal pagou suas despesas.

COLLOR QUER LUTA CONTRA IMPEACHMENT

Aos urros, presidente pede que as pessoas se mobilizem em protesto "às manobras de uma minoria"


Da Sucursal de Brasilia


aO presidente Fernando Collor de Mello transformou ontem uma solenidade oficial em comício. Foi durante o anúncio de novas medidas de incentivo da CEF (Caixa Econômica Federal) aos motoristas de táxis. Exaltado, Collor deu um murro no púlpito e reviveu o tom da campanha de 89. Num improviso inesperado, pediu a "todo o Brasil" que vá às ruas, no próximo domingo, vestido com as cores da bandeira, para mostrar que os defensores do impeachment estão em minoria. Uma minoria que, segundo Collor, "atrapalha", enquanto a "maioria trabalha". Collor aproveitou o discurso para agradecer "à valorosa bancada" governista no Congresso Nacional. Classificou o "esquadrão da morte", grupo que defende incondicionalmente o governo, de "bancada da resistência democrática àqueles que querem conspirar contra as nossas instituições e a estabilidade dos país". Estavam presentes os senadores Odacir Soares (PFL-RO) e Ney Maranhão (PRN-PE) e o vice-líder do governo na Câmara. José Lourenço (PDS-BA). O chamamento do presidente ocorre dois dias após a passeata de cerca de 10 mil estudantes em São Paulo, em defesa do impeachment. Esta foi, até o momento a mais expressiva manifestação de rua contra Collor. No seu pronunciamento, o presidente promete o contra-ataque: "No próximo domingo, nós estaremos mostrando onde está a verdadeira maioria. Está na minha gente, no meu povo, nos pés descalsos, nos descamisados." Collor disse ter a "honra de ser o presidente dos grotões, das favelas e dos mais humildes". Ele reafirmou que "custe o que custar, doa a quem doer, eu serei o primeiro a estar na defesa e no embate da nossa Constituição". Disse que a "minoria" quer realizar o terceiro turno das eleições. "Vamos realizá-lo e vamos ganhar de novo", disse. Entre um murro no púlpito e um brado com o braço levantado e o dedo em riste, Collor disse que as "manobras" interessam aos recalcados, complexados e invejosos que, segundo ele, formam o sindicato do golpe, "filiado à central única dos conspiradores". A cada frase pronunciada pelo presidente os taxistas interrompiam o discurso aos gritos de "dá-lhe Collor" e "fora Lula". Segundo a Secretaria de Imprensa do Planalto, o cerimonial da presidência estimou o número de presentes em 1,5 mil. A solenidade foi realizada no salão oeste do Planalto, que ficou lotado. Ontem, Collor também gravou pronunciamento sobre a devolução da última parcela dos cruzados novos bloqueados em março de 1990. O discurso vai ao ar, em cadeia nacional de rádio e TV, às 19h50 de amanhã.

DISCURSO INOPORTUNO

Durou pouco o silêncio auto-imposto da Presidência da República e a apenas aparente calmaria que cercava a CPI do Collogate, finda a fase dos depoimentos. Uma guerra feroz por votos anti-impeachment no Congresso continua na verdade em curso, na qual o Planalto recorre às mais condenáveis formas de aliciamento - da manipulação de verbas à concessão de canais de rádio e televisão. Não bastasse isso, o presidente deu ontem, mais uma vez, mostras de que não descartou - infelizmente - a via do confronto verbal e destempero. Se surpreendeu por romper o mutismo que vinha mantendo, ao que tudo indica motivado menos pela obrigação de não intervir do que pela impossibilidade de apresentar esclarecimentos críveis às dezenas de perguntas sem resposta, o primeiro mandatário não chegou a inovar do ponto de vista retórico. Retomou em encontro com taxistas o já surrado bordão do "sindicato do golpe", enfadonhante consagrado nos inumeráveis "bilhetinhos", e que agora filiou a uma risível "central única dos conspiradores". Não é por acaso que essa renovada e nada sutil tentativa de partidarizar a crise, atribuindo-a aos que derrotou com sua eleição, ocorre um único dia depois de agremiações de disposição de superar divergências, exatamente para enfrentar o Planalto em mobilização pró-impeachment. No momento em que manifestações de rua, ainda tímidas, começam a espoucar; em que surgem fissuras no bloco governista; em que nada ou muito pouco garante a permanência dos ministros de maior prestígio - no momento, enfim, em que o cerco se fecha sobre o "bunker", o presidente reedita a tática de se defender pelo ataque. No entusiasmo de sua própria temeridade, lançou o pedido de que o país se cubra de verde e amarelo, domingo, em improvável protesto contra a suposta conspiração. Sem governo, ora entregue a operação de compra e venda e a excessos da oratória, o Brasil permanece refém dos grupos minoritários que ainda admitem negociar seu apoio, em troca de fatias de um poder carcomido.


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