CONGRESSO DA UNE: TODOS PRESOS
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Publicado
na Folha de S.Paulo, domingo, 13 de outubro de 1968
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Neste texto foi mantida a grafia original
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Cerca de mil estudantes que participavam do XXX Congresso da UNE,
iniciado clandestinadamente num sitio, em Ibiuna, no Sul do Estado,
foram presos ontem de manhã por soldados da Força
Publica e policiais do DOPS. Estes chegaram sem serem pressentidos
e não encontraram resistencia. Toda a liderança do
movimento universitario foi presa: José Dirceu, presidente
da UEE, Luís Travassos, presidente da UNE, Vladimir Palmeira,
presidente da União Metropolitana de Estudantes, e Antonio
Guilherme Ribeiro Ribas, presidente da União Paulista de
Estudantes Secundarios, entre outros. Eles foram levados diretamente
ao DOPS. Os demais estão recolhidos ao presidio Tiradentes.
Desde segunda-feira os habitantes de Ibiuna notaram a presença
de jovens desconhecidos, que iam à cidade comprar pão,
carne, escovas e pasta de dentes, despertando suspeitas ao adquirir
mais de NCr$ 200 de pão de uma só vez. Essas informações
foram transmitidas ao DOPS e à Força Publica, que
desde quinta-feira já conheciam segundo afirmaram o
local exato do Congresso. A denuncia de um caboclo, que fora barrado
ao tentar chegar até o sitio Muduru, onde estavam os estudantes,
fortaleceu a convicção da Policia de que o congresso
seria realizado ali. Depois de avançar alguns quilometros
de carro e outro trecho a pé, por causa da lama da estrada,
215 policiais chegaram ao local às 7h15 de ontem, organizaram
o cerco aos estudantes e dispararam algumas rajadas de metralhadora
para o ar, para intimidá-los. Sem resistir, os congressistas
foram colocados em fila e levados aos onibus requisitados para transportá-los
para a capital. O governador Abreu Sodré, ao ser homenageado
por trabalhadores do DAE, no Horto Florestal, referiu-se ao episodio
e reafirmou sua disposição de "manter a paz e
a tranquilidade para a população que deseja trabalhar".
E acrescentou, referindo-se à prisão dos participantes
do congresso da UNE: "Agi com energia para reprimir a agitação
e a subversão quando determinei, após horas de angustia
e apreensão, a prisão de estudantes subversivos que
participavam do congresso da UNE.
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Policia
surpreende congresso da UNE, prende lideres e centenas de estudantes |
Manoel Moraes Netto
Eram 7h30 da manhã de ontem. Garoa fina e frio intenso.
Duzentos e quinze policiais Força Publica e DOPS
vasculham as matas da serra de São Sebastião à
procura dos estudantes participantes do XXX Congresso Nacional da
UNE. Uma denuncia os leva até o municipio de Ibiuna. Numa
elevação de terreno, os comandados do cel. Divo Barsotti,
do 7.o BP de Sorocaba, divisam o acampamento dos estudantes.
A ordem de certo parte rapida. Os soldados procuram posição.
Outra ordem é dada e rajadas de metralhadoras são
disparadas para o ar. Há principio de correria entre os estudantes
e a fuzilaria aumenta, sempre para o ar. Depois, o silencio. Os
estudantes rendem-se, mas alguns conseguem fugir em direção
à mata virgem. A tropa os cerca, e os policiais do DOPS passam
a procurar os lideres. Só reconhecem um: José Dirceu,
presidente da UEE. Segundo a policia, cerca de mil prisões
são feitas, mas o numero preciso só poderia ser determinado
mais tarde. Estava assim encerrado, no inicio, o anunciado 30º
congresso da UNE.
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Como
começou |
Quando as lideranças estudantis paulistas anunciavam, segunda-feira
passada, a passeata da terça, os delegados ao XXX Congresso
Nacional da UNE já se deslocavam para o lugar indicado: sitio
Muduru, nas encostas da serra de São Sebastião, no
municipio de Ibiuna.
Estudantes de quase todos os Estados convergiram a Ibiuna. A pequena
cidade de 6 mil habitantes começou a ser visitada por elementos
estranhos. De hora em hora, um onibus saia de São Paulo com
destino a Piedade. Nele, grupos de 10 e 20 embarcavam. Desciam em
Ibiuna e dali eram transportados em jipes até o local do
Congresso.
A população da cidade foi ficando inquieta. A Policia
local também. Os primeiros contatos com as autoridades da
capital foram feitos pelo delegado Otavio Trabalhe de Camargo. O
DOPS enviou elementos para investigações. As caravanas
continuaram a chegar.
Quinta-feira, o DOPS e o pessoal de Comunicações da
Força Publica já sabiam da localização
exata do Congresso. Planos foram traçados e o esquema de
repressão acionado. O 7º BP de Sorocaba, avisado, colocou
seus homens de prontidão. Aguardava-se apenas a ordem para
a operação de ataque.
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O
caboclo avisou |
Um caboclo das vizinhanças de Ibiuna apressou a operação.
Sexta-feira ele foi cobrar uma divida no sitio Muduru local
da concentração estudantil. Antes de chegar ao sitio
foi interceptado pelos vigias. Com medo, foi a Ibiuna e contou ao
prefeito, sr. Semi Isa que "mais de 500 homens armados estavam
na serra de São Sebastião". O prefeito convocou
o delegado Otavio de Camargo e pediu providencias.
O delegado, já ciente da presença dos estudantes na
região, entrou em contato com a Secretaria da Segurança
e DOPS. Resolveu-se invadir o sitio Muduru no mesmo dia à
noite ou sabado pela manhã.
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Pão,
carne e desconfiança |
De 2ª a 5ª, os estudantes, em pequenos grupos, iam a Ibiuna
comprar mantimentos, sob o olhar desconfiado dos moradores. De uma
só vez chegaram a comprar NCr$ 200,00 de pão. O açougue
tambem foi visitado por diversas vezes.
Na farmacia de Ibiuna, os estudantes compravam escovas e pasta de
dentes. Todos esses fatos eram comunicados à Policia ou serviam
para os comentarios de esquina. Dois homens do DOPS, durante três
dias, observaram o vaivem.
Chegaram até a consertar um carro numa oficina mecanica.
A chapa desse carro foi anotada e comunicada ao delegado. Era uma
Kombi de São Paulo, 24-44-80.
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O
delegado nega |
Às 22 horas de ontem, Ibiuna preparava-se para dormir. Um
unico bar estava aberto, e era dificil localizar o delegado da cidade.
Ele estava no Forum, de onde tentava falar com a Secretaria de Segurança
Publica. A primeira informação foi de que nada havia,
"apenas uma suspeita de movimento estudantil".
À meia-noite, o carro da reportagem ainda estava parado em
frente ao predio do Forum. Um tenente foi dizer aos reporteres que
"às vezes não podemos informar nada, mas talvez
os senhores possam acompanhar as diligencias". Somente às
três horas da manhã ficou confirmado que se preparava
uma incursão ao local onde os "elementos estranhos estavam".
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O
guia sabe tudo |
No centro telefonico, as chamadas se sucediam. As linhas eram cruzadas,
para desespero da Policia, que tentava falar do Forum com São
Paulo. O prefeito Selmi Isa apareceu para dar mais informações:
os carros da Prefeitura estavam todos requisitados pelo pessoal
do DOPS.
Alertou que seria bom "não perder de vista a Policia,
pois às vezes eles não gostam de ser seguidos por
jornalistas". Alceu de Morais, um rapaz da cidade, ofereceu-se
para guiar a reportagem "por todos os lugares, pois conheço
isso muito bem".
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Espera
no escuro |
Guiados por Alceu, ficamos esperando duas horas numa encruzilhada
onde obrigatoriamente a tropa teria que passar. Muitas vezes foi
levantada a hipotese de que tudo não passara de um engano.
Podia até ser um piquenique.
Às cinco da manhã, o frio era maior ainda. Surgiu
na curva da estrada uma perua Chevrolet, seis pessoas dentro. A
expectativa aumentou. Em seguida veio um onibus, onde se vêem
os capacetes dos soldados. Acabara a duvida, a operação
ia começar.
Seguindo estes, mais dois carros-choque, uma ambulancia, três
jipes, quatro kombis e duas rurais. Depois de cinco minutos, mais
dois onibus particulares passam repletos de soldados.
O pessoal da Força Publica vinha de Sorocaba - 7º Batalhão
Policial, os civis eram do DOPS, chefiados pelos delegados Paulo
Boncristiano e Nascimento. A tropa estava fortemente armada. Alem
de metralhadoras leves e munição em quantidade, eles
traziam caixas com bombas.
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A
primeira batida |
Seguindo a caravana policial, o carro da reportagem foi interceptado
mil metros adiante e depois nos permitiram passar.
A caravana seguiu em alta velocidade pela estrada de terra. Oito
quilometros adiante, a primeira parada. Era o sitio Piaí,
local onde os estudantes fizeram suas primeiras reuniões.
Uma casa grande, ainda em construção, foi cercada
por parte da tropa. A outra seguiu para o bairro dos Alves, local
da grande concentração.
As portas da casa foram arrombadas, gavetas reviradas. Havia marcas
de pneus de carros no patio. Foram apreendidos um vidro de acido
e o livro "Doente, ajuda o teu medico". Um investigador
se encarregou de guardar o material.
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O
Cantico |
Da casa revistada avistava-se num morro, a 300 metros, uma igrejinha.
Ouvia-se cantico mas não dava para entender o que era. As
vozes cantaram mais alto, em coro, uma musica suave, bonita. O pessoal
do DOPS avisou ao delegado que havia três homens de camisa
verde nas matas, perto da igreja.
Ainda se cantava no templo. Os policiais do DOPS resolveram investigar.
Foram distribuidos pelas baixadas e morros, armas na mão.
Houve certo "suspense", rapidamente desfeito.
Voltem, estão cantando é na igreja mesmo. Não
há estudante lá, disse um investigador.
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Caminho
dificil |
Embarcada a tropa, a caravana seguiu. No quilometro onze, a lama
não deixou os carros prosseguirem. Começou a caminhada
a pé. Por radio, o pessoal da comunicação localizou
o cel. Divo Barsotti. Foram todos ao seu encontro.
Um quilometro adiante foi encontrada a kombi 24-44-80, com um pneu
furado. Mais adiante, uma camioneta Ford, de Curitiba, chapa 3-33-52.
Três estudantes foram presos e rapidamente levados para um
carro. Uma capa de carteira os identificou como pertencentes à
União Paranaense dos Estudantes. O delegado Boncristiano
encontrou no carro um grande cartaz com a fotografia de "Che"
Guevara. "Criar dois, três, varios Vietnãs",
dizia a legenda.
O major Abel, subcomandante da operação, informou
ao cel. Barsotti que a tropa teria que ir devagar por causa do terreno
lamacento e escorregado. Depois dos dois pelotões reunidos,
a marcha foi reiniciada pela estrada e pelas picadas.
Caindo num buraco estava o jipe 26-34-87, de São Paulo. Pacotes
de cigarros, caixas com lampiões e biscoitos foram encontrados.
O DOPS investigou as matas proximas. Não havia ninguem.
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A
hora |
Às
7h15, a tropa cercou uma casa. Nela, apenas uma mulher e uma criança.
Mais à frente havia informação de que os estudantes
estavam a um quilometro, atrás de um morro.
O cel. Divo traçou planos, distribuiu seus homens em circulo.
Cinco minutos depois foi descoberto um vigia. Estava numa cabana
improvisada de plastico, numa baixada. Só percebeu a tropa
tarde demais. Depois de subir uma elevação, os policiais
do DOPS e o pessoal da Força Publica prepararam-se para o
ataque. Da elevação notava-se o movimento dos estudantes,
a maioria sentada ou deitada. A ordem foi dada e varias rajadas
de metralhadoras foram dadas para o ar.
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As
prisões |
Nova
carga de metralhadora para o ar. Pequeno grupo corre para as matas.
Uma moça de blusa vermelha corre em direção
à serra de São Sebastião. Os estudantes estão
cercados. Os policiais descem e eles ficam em coluna por um.
O pessoal do DOPS começa a revista. As barracas estão
reviradas. Uma casa é revistada minuciosamente. Não
há reação. Todos estão parados, sem
falar. O coronel Barsotti quer pressa para voltar. Diz que o seu
problema é a locomoção dos estudantes. Manda
um oficial requisitar onibus em São Paulo.
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Dirceu
reconhecido |
Os estudantes
estão reunidos para a revista, José Dirceu entre eles.
Um investigador chega-se ao delegado Boncristiano e diz:
"Aquela cara não é conhecida?"
O delegado olha e exclama:
"É o José Dirceu!"
O líder estudantil é retirado do meio da massa e levado
antes que os outros, para onde estão os carros. Dirceu vai
tranquilo, ri. Dentro do carro do delegado, conversa com ele. Boncristiano
explica que ele é o unico a seguir direto para o DOPS, "para
ficar à disposição da Justiça".
José Dirceu está com prisão preventiva decretada.
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O
caminho de volta |
O comandante
da tropa ordena que os estudantes sigam em coluna de quatro. Os
soldados vão pelas laterais. É a volta de mais dez
quilometros de lama e terreno escorregadio.
O pessoal do DOPS procura Luís Travassos, presidente da UNE.
Os soldados ajudam a levar numa maca improvisada uma mocinha paraplegica,
que veio da Bahia. Três estudantes do Ceará criticam
a escolha do local do Congresso.
Os soldados e estudantes sentem dificuldade para conduzir a paraplegica.
O cel. Borsotti arranja um lugar para ela numa carroça. Uma
moça sofre um trauma nervoso e é socorrida pelo pessoal
da Força Publica. É mandada à frente num jipe.
O cel. Borsotti conversa com os reporteres enquanto caminha apoiado
na bengala da paraplegica. Diz que "tinha certeza de não
encontrar ninguém. Os lideres fracassaram ou quiseram ser
presos".
Por duas horas e meia a caravana anda na lama até os transportes.
O cel. Divo manda acomodar as moças nos onibus. Pede mais
transporte e ordena que os estudantes sejam levados para o Presidio
Tiradentes.
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Armas
e livros |
Na revista
feita pelos policiais, poucas armas são encontradas: uma
"luger", revolver, duas pistolas 7,65, munição
e uma carabina. Os livros que falam de guerrilha são em maior
quantidade. O capitão Armon, do Exercito - unico membro desta
arma presente - assistente do comandante-geral da Força Publica,
está revoltado.
Vistoriando as malas de estudantes, o capitão encontra o
livro "Guerra-Guerrilha-Chê". A capa do livro é
o projeto Rondon III. O capitão afirma:
"Faço questão de levar isso para entregar ao
comandante da II Região Militar, para que ele tenha conhecimento
sobre esses moços".
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Estrategia |
Para
o cerco aos estudantes foi empregada a seguinte estrategia: 120
homens da FP cercaram a BR-2. Outras tropas fecharam as passagens
de Cotia e Caucaia. Mais 135 milicianos da FP entraram na região,
apoiados por 80 homens do DOPS. Como não houve resistência,
os soldados da BR-2 não foram utilizados.
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