O PMDB HOMOLOGA TANCREDO-SARNEI


Publicado na Folha de S.Paulo, segunda-feira, 13 de agosto de 1984



O CANDIDATO À VICE-PRESIDÊNCIA TEVE 113 VOTOS A MENOS; PEEMEDEBISTAS QUEREM INICIAR LOGO A CAMPANHA NAS RUAS

Em clima de euforia, a Convenção Nacional do PMDB homologou ontem as candidaturas indiretas do governador Tancredo Neves e do senador José Sarnei (ex-presidente do PDS) à Presidência e Vice-presidência da República. Tancredo obteve 656 dos 688 votos apurados. Sarnei ficou com 543, 113 a menos do que seu companheiro de chapa. Logo após a proclamação dos resultados, Tancredo —que amanhã deixará o governo de Minas— fez um longo discurso, reafirmando os principais pontos do programa da Aliança Democrática (PMDB-Frente). E se comprometeu a convocar "poder constituinte para, com a urgência necessária, discutir e aprovar nova Carta Constitucional". Sarnei, que vinha sendo combatido por setores do PMDB, foi saudado calorosamente, como outros representantes da Frente, pelo plenário e pelas galerias, formadas em sua maioria por militantes do MR-8, do PC do B e do PC, que gritavam: "Hei, hei, hei, Tancredo e Sarnei". A euforia, no entanto, não chegou a reduzir a preocupação de muitos peemedebistas com a vantagem obtida por Paulo Maluf na Convenção do PDS. Conforme relata o enviado especial Clóvis Rossi, a cúpula do PMDB decidiu levar logo às ruas a candidatura de Tancredo, para impedir defecções pró-Maluf no Colégio. O próprio Tancredo manifestou o desejo de que sua campanha seja iniciada o quanto antes.

PMDB CONFIRMA CHAPA TANCREDO-SARNEI PARA O COLÉGIO


Da Sucursal de Brasília


Indicado candidato do PMDB à Presidência da República, com o apoio de 656 dos 791 votos possíveis, o governador de Minas, Tancredo Neves, assumiu, após a proclamação dos resultados, o compromisso de convocação de "poder Constituinte para, com a urgência necessária, discutir e aprovar nova Carta constitucional". Anunciou o candidato peemedebista que "Constituição, Federação e Reforma Tributária são as tarefas prioritárias" do seu governo.
A Convenção de ontem representou não só a esperada consagração —apoteótica— da candidatura do governador mineiro, mas também a reabilitação do candidato à vice-presidência, senador José Sarnei, que até o início da semana foi duramente criticado por alguns peemedebistas. Embora tenha recebido 543 votos (113 a menos que Tancredo), o ex-presidente do PDS foi de certa forma desagravado pelos calorosos aplausos do plenário e das galerias —formadas, principalmente, por militantes do MR-8, PC e PC do B—, que saudavam aos gritos: "Hei, hei, hei, Tancredo e Sarnei."
Apesar da euforia que marcou os trabalhos da Convenção e das declarações formais procurando minimizar o significado da vitória de Maluf na Convenção do PDS, governadores, dirigentes e figuras de maior influência no PMDB mostravam-se preocupados com os rumos que a sucessão presidencial tomarão daqui por diante, em face da grande capacidade de arregimentação demonstrada pelo ex-governador de São Paulo, ao vencer o ministro Andreazza por ampla margem de votos.
O próprio candidato do PMDB revelava essa preocupação, ao confessar: "É resultado impressionante. Não esperava uma diferença tão grande". Mais que isso, o fantasma de Maluf baixou na reunião que os governadores peemedebistas mantiveram, pela manhã, com o presidente do partido, Ulisses Guimarães, e com os líderes Freitas Nobre e Humberto Lucena, realimentando, entre os presentes, a idéia de que é necessário ir às ruas não só para buscar respaldo à candidatura da Aliança Democrática (PMDB-Frente Liberal), mas como antídoto contra Maluf. Tancredo disse esperar que a sua campanha se inicie "o quanto antes", confiando no engajamento, nela, do PT e do PDT. Em meio à apreensão, o líder Freitas Nobre procurava demonstrar otimismo, ao prever que pelo menos 20 por cento dos convencionais do PDS deverão aderir à "Frente Liberal", colaborando, deste modo, para a eleição de Tancredo. O governador mineiro renunciará ao cargo, amanhã, na Assembléia Legislativa, com a presença de todos os governadores peemedebista e da cúpula nacional do partido. Em seguida, haverá ato público, em frente ao Palácio da Liberdade.
No seu discurso de ontem, Tancredo comprometeu-se, além da convocação de "poder Constituinte", com a realização de eleições diretas, a adoção de providências visando à justiça social; a defesa da cultura nacional a renegociação da dívida externa e a solução do problema agrário, mediante a democratização da propriedade rural", que "facilitará a desconcentração industrial e o fim do êxodo rumo às imensas metrópoles". O candidato entende que "não há país que prospere com segurança, se não contar com uma agricultura poderosa", preconizando a "disseminação da pequena propriedade rural" como instrumento de equilíbrio entre a questão social e as razões econômicas". Interrompido por aplausos muitas vezes, o longo pronunciamento de Tancredo —lido durante 50 minutos— apresenta, contudo, alguns pontos que tendem a se tornar polêmicos, a começar da própria questão da Constituinte. Tancredo mais uma vez fugiu a um endosso expresso à principal bandeira das esquerdas do partido —a convocação de uma Assembléia Constituinte.

Resultado da Convenção do PMDB

Presidente:
Tancredo Neves 656
Brancos e nulos 32


Vice-Presidente
José Sarnei 543
Brancos e nulos 145

Na Convenção eram possíveis 791 votos. No entanto, só foram exercidos 688 direitos de voto. Deixaram de comparecer 103 convencionais.

ASSUSTADOS COM VANTAGEM DE MALUF, PEEMEDEBISTAS QUEREM IR ÀS RUAS

CLÓVIS ROSSI
Enviado especial a Brasília

A grande vantagem que o deputado Paulo Salim Maluf obteve sobre o ministro Mário Andreazza, na Convenção do PDS, assustou a cúpula do PMDB, o que ficou evidente na reunião que os governadores do partido fizeram ontem pela manhã, no gabinete do deputado Ulisses Guimarães, presentes também os dois líderes peemedebistas no Congresso, Freitas Nobre e Humberto Lucena.
Consequência imediata, consolidou-se a idéia de levar às ruas a candidatura Tancredo Neves, como forma de polarizar a opinião pública e, em função disso, impedir defecções pró-Maluf no Colégio Eleitoral. Os governadores trataram, também, da organização dos três comitês básicos para a campanha: o político (que é o que cuidará, exatamente, da mobilização popular), o eleitoral e o de programa.
O primeiro teste concreto de mobilização já se dará amanhã, em Belo Horizonte, quando Tancredo Neves renuncia ao governo mineiro, cerimônia que os tancredistas pretendem transformar em grande festa popular. O caminho para o êxito dessa estratégia já está, de qualquer forma, pavimentado, como ficou evidente ontem no Congresso, durante a convenção peemedebista: os grupos clandestinos de esquerda (PC, PC do B e MR-8) se incumbiram de mobilizar os seus militantes, para dar o colorido popular à festa partidária. E não se incomodaram, em momento algum, de aplaudir, com entusiasmo incontrolável, os frentistas que compareceram ao Congresso, inclusive o senador José Sarnei, inimigo da véspera. Quando Sarnei e Marco Maciel passaram pelo Salão Verde - o grande "hall" do Congresso - houve aplausos delirantes, até mesmo do pessoal que atendia na mesinha instalada pelo MR-8 para vender seu jornal, a "Hora do Povo". Os gritos de "Sarnei, Sarnei" encheram o saguão, o que, de resto, combina com o slogan criado pelas galerias: "Hei, hei, hei, Tancredo e Sarnei." A absorção dos adversários da véspera foi tão completa que não houve, em momento algum, sequer um ensaio de vaia para Sarnei, para alegria da cúpula peemedebista, que até ontem não se sentia lá muito segura em levar o senador para os palanques.
A gritaria da claque não esconde, entretanto, uma rejeição relativamente importante das bases peemedebistas ao nome do companheiro de chapa de Tancredo: não só ele teve 113 votos a menos que Tancredo, como ficou com apenas 543 votos dos 791 possíveis, uma diferença ponderável de 243, ou 30 por cento de defecções. É verdade que muitos convencionais não vieram porque não havia lugares nos vôos e nos hotéis de Brasília, mas essa dificuldade pode ter sido usada apenas como uma boa desculpa para não ter que votar no senador maranhense.

HETEROGENEIDADE

Levar a campanha às ruas representa um risco inegável para a campanha tancredista, na medida em que ela tenderá a sofrer as influências das bases, naturalmente mais radicalizadas pelo sufoco em que todos vivem neste país. E a aliança que se fechou em torno do governador de Minas é abrangente demais para comportar radicalização ou, sequer, inclinações à esquerda. A evidência da geléia geral em que se transformou a coligação Frente-PMDB estava presente ontem no Congresso: o líder peemedebista, Freitas Nobre, prestou homenagem, em seu discurso, aos "nossos heróis, presos, cassados, banidos e assassinados", para ser sucedido na tribuna por Sinval Guazzeli, governador do Rio Grande do Sul pela Arena, nomeado exatamente pelo general Ernesto Geisel, um dos principais responsáveis pelas agruras dos "nossos heróis". Freitas Nobre e Sinval Guazzeli receberam palmas de igual intensidade. Para completar a salada, dona Sara Kubitschek, viúva do falecido presidente, mereceu uma ovação do plenário, aos gritos de "Tancredo presidente/Juscelino está presente". E mais palmas houve para outras figuras de apenas recente passagem para a oposição (Olavo Setúbal, Eduardo Portela, Hélio Beltrão, etc), a ponto de se inaugurar o cântico "Viva a oposição/Beltrão, Beltrão, Beltrão". É fácil constatar que a oposição e a esquerda clandestina podem ser acusadas de tudo, menos de revanchismo. Até aí, tudo bem. O problema é saber se a população em geral será capaz de absorver com a mesma facilidade essas confraternização entre antigos desafetos. O que ajuda é o fato de que o adversário a vencer chama-se Paulo Salim Maluf, erigido em inimigo público número um e destinatário de muitos dos slogans gritados ontem na Convenção do PMDB. A festa terminou com um solene "Salim, Salim, Salim, tua alegria está no fim". (A propósito de Maluf: sua assessoria conta arrebanhar pelo menos 10 por cento da opinião pública, como forma de encorajar os eleitores do Colégio a depositarem seu voto no ex-governador paulista). Em meio a esse clima, a idéia das diretas-já - responsável pela mais impressionante mobilização de massas que a história registra - tinha que acabar definitivamente sepultada pela convenção peemedebista, em que pesem as homenagens póstumas prestadas em diferentes discursos, principalmente no de Ulisses Guimarães. "Falar em eleições diretas aqui é correr o risco de apanhar", lamentava-se o deputado mineiro Manoel Costa, do grupo Só Diretas. E o senador acreano Mário Maia, do mesmo grupo, circulava pelo Congresso com um solitário distintivo pelas diretas, reconhecendo: "Estou sofrendo intensas pressões, de todos os lados, para ir ao Colégio. Até o Tancredo já se reuniu comigo." E havia até petistas empenhados em vender a idéia do comparecimento ao Colégio, para o que, acham, o caminho ficou facilitado pela larga vitória de Maluf. Essa heresia, do ponto de vista dos petistas, não é isolada: o MR-8 estava vendendo um "poster" de Che Guevara contendo uma de suas frases célebres. Mas incompleta. O trecho integral diz: "Há que endurecer, sem perder a ternura jamais". Pois o "poster" do Oito limitava-se ao "sem perder a ternura jamais", evidência de que o endurecimento fora deixado de lado, no altar da candidatura Tancredo Neves. É a batalha pelo Poder, agora limitada aos grupos que apóiam Maluf (fascistizantes, segundo os adversários) e um leque amplo de opiniões que vai da direita à extrema-esquerda. Por enquanto, a esquerda está fazendo a festa para Tancredo. Resta saber se não será exclusivamente a direita que governará com ele.


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