JÁ COMEÇOU O CULTO AO "EXORCISTA"
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Publicado
na Folha de S.Paulo, terça-feira, 12 de novembro de
1974
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Mais de 20 mil pessoas formaram ontem, à tarde e à noite,
extensas filas à frente de seis cinemas da Capital e esperaram
pacientemente nas salas apertadas e quentes que chegasse a sua vez
de participar no agoniante culto a mais um mito da industria cinematográfica
norte-americana. Algumas poucas dentre essas pessoas não chegaram
a ver "O Exorcista" na extensão de suas duas horas
e dez minutos de projeção, pois se sentiram mal ou simplesmente
acharam que não tinham condições psicológicas
de ver tudo o que o diretor William Friedkin mostrou em primeiros
planos na história do outrora bem comportado cinema de Hollywood.
No entanto, a grande maioria desse público, que enfrentou duas
horas de espera, em média, com toda a impaciência, para
ter o privilégio de ver o filme tão badalado no seu
dia de estréia no circuito comercial no Brasil, aproveitou
minuto por minuto os 12 cruzeiros do ingresso.
Formado principalmente por estudantes que faltavam às aulas,
predominantemente por mulheres, esse público acompanhou em
silêncio a exibição em todas as sessões.
Os gritos abafados e as risadas nervosas foram exceções
nas salas do cine Majestic (na rua Augusta), Belas Artes (Sala Villa
Lobos), Metrópole (na Galeria Metrópole, avenida São
Luiz), Center (no Shopping Center Iguatemi), Ipiranga (na Avenida
Ipiranga) e Vila Rica (na avenida Santo Amaro).
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Sucesso |
A considerar o público que lotou esses cinemas ontem, "O
Exorcista" seguirá no Brasil sua carreira de sucesso iniciada
nos Estados Unidos, desde a edição do livro do até
então desconhecido autor William Peter Blatty. Aproveitando
esse sucesso, a Companhia Cinematográfica Serrador, que está
exibindo a fita, distribui em seus cinemas os tradicionais cartazes
com os dizeres:
"Em virtude de cláusula contratual, durante a exibição
deste filme estão suspensos os vales e permanentes gentilmente
cedidos pela empresa"
Como a ocasião era propícia, os preços dos ingressos
subiram também para 12 cruzeiros, o grande, e seis cruzeiros
a meia entrada.
No cine Belas Artes, na esquina das Avenidas Consolação
e Paulista, as filas davam a impressão de uma sessão
de meia noite no sábado em filme de grande sucesso. Só
que era um público inteiramente diferente e a placa tradicional
para os fins-de-semana, com os dizeres "Sujeito à espera
por tempo indeterminado", começa a ser rotineira num dia
útil.
Numa segunda-feira como ontem, por exemplo, o gerente nem se dava
ao trabalho de retirá-la e ela ficou constantemente no lugar,
constratando com a bilheteria vazia da sala Portinari, ao lado, que
exibe até quinta-feira "Sidharta", um filme que cumpre
carreira há mais de um mês com relativo sucesso.
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Augusta |
Ao meio dia, ontem, o trânsito da Augusta, no seu trecho entre
a rua Peixoto Gomide e a avenida Paulista ficou inteiramente congestionada,
por causa da procura do público jovem, particularmente dos
cursinhos pré-vestibulares da região, aos ingressos
do cine Majestic.
"A confusão foi tanta, que eu chamei duas vezes a Rádio
Patrulha para por um pouco de ordem, fazer as filas direitinho e organizar
tudo", conta o gerente do cinema, sr. Manoel Fernandes. Ele chegou
ao Majestic por volta do meio dia e já o público na
frente do prédio era muito grande, formando filas ou simplesmente
grupos desordenados.
A bilheteria foi aberta às 12h50 e menos de duas horas depois
a grande fila que formava à frente teve de parar à espera
da sessão das 15h45, pois a sessão das 13h30 já
tinha lotado os 1.100 lugares da sala de projeção. Se
fora a situação era confusa, dentro do cinema o público
manteve-se em ansiosa expectativa, acompanhando os cansativos diálogos
iniciais até chegar ao auge que são os violentos últimos
30 minutos, quando acontece o exorcismo propriamente dito. As únicas
manifestações do público eram gritos contra o
barulho que vinha da sala de espera já lotada.
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Histeria |
No cine
Majestic, a primeira sessão foi tranquila. "Apenas um
rapaz sentiu-se mal, me procurou e disse que não ia ver o filme
todo, por que era muito chocante". Não houve, por exemplo,
o que aconteceu nos Estados Unidos de sair gente com sensação
de endemoniamento ou em estado histérico. Talvez porque o filme
tenha chocado mais frontalmente a moral "quaker" norte-americana
ou mesmo porque grande parte dos palavrões ditos em voz gutural
pela menina endemoniada foram traduzidos rara e eufemisticamente para
o português.
O sr. Manoel Fernandes, gerente do Majestic há um ano e meio
e há quase 40 anos funcionário da Companhia Cinematográfica
Serrador, reconheceu que o sucesso de "O Exorcista" é
raro na história do cinema comercial. "Mas não
é o único. Há na história do cinema alguns
exemplos de filme que lotaram as primeiras sessões". Mas
nas cinco sessões de cada cinema ontem, o filme de William
Friedkin mostrou que veio para ficar bastante tempo nos cinemas brasileiros,
apesar das reações desencontradas do público
ao sair do cinema.
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Reações |
"É
um barato", dizia Jonas Pedro Xavier, de 19 anos, estudante de
um cursinho pré-vestibular ao sair do cine Majestic a um grupo
de amigos que esperavam na fila a vez de entrar para ver a próxima
sessão.
"É simplesmente nojento. E só", comentou dona
Maria do Carmo Chaves, 41 anos, casada, mães de três
filhos, dona de casa, que foi ver o filme acompanhada da mãe.
Ela disse que só se impressionou com a forma com que o maquiador
Dick Smith consegue atingir o espectador com a máscara que
faz no rosto de Linda Blair, a atriz que representa a menina endemoniada.
"Valeu a pena ver. Também pela curtição.
Hoje de noite vou ter muito assunto em casa". Mas o filme não
é grande coisa, disse Carlos Alberto Pontes, 23 anos, solteiro,
estudante universitário. Os comentários eram feitos
dos que assistiam aos que estavam na fila. Mas ninguém arredou
o pé ao ouvir as opiniões adversas.
Júlio Marques, de 55 anos, bancário aposentado, explicou
porque: "Ora, saí de casa, à tarde, para ver o
filme e vou ver. Minha mulher não quis vir, porque acha que
terá medo. Mas eu não vou desistir por causa de uma
opinião contra. Gosto não se discute. E eu gostei demais
do livro. Acho até estranho que a editora não tenha
entrado num acordo com a exibidora para colocar os livros à
venda nos "halls" dos cinemas. O romance merece ser divulgado.
Vamos ver o filme para ver se está à altura.
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