KUBITSCHEK JÁ PREPARA SUA DEFESA
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Publicado
na Folha de S.Paulo, quarta-feira, 12 de abril de 1967
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Neste texto foi mantida a grafia original
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O sr. Juscelino Kubitschek, que reafirmou ontem seu proposito de não
promover articulações politicas ou fazer declarações
publicas que possam criar embaraços ao governo, está
preocupado com as conclusões do parecer do ministro da Justiça
sobre o caso Helio Fernandes, e já se prepara para a eventualidade
de ter de se defender perante os tribunais.
O ex-presidente solicitou a opinião de alguns juristas sobre
o parecer - em que o governo firma a posição de considerar
subsistentes os Atos Institucionais e Complementares em relação
aos cidadãos cujos direitos politicos foram suspensos - e estes
foram quase unanimes em declarar que o min. Gama e Silva se equivoca,
pois o AC-1 (Estatuto dos Cassados) não pode mais ser invocado
desde que já está em vigor a nova Carta.
Enquanto isso, informa-se que oficiais da linha dura estão
preocupados com os encontros que Kubitschek manteve com o sr. Carlos
Lacerda, por considerá-los "eminentemente politicos"
e relacionados com a formação da Frente Ampla.
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Kubitschek
prepara-se para enfrentar a justiça |
O sr. Juscelino Kubitschek solicitou a opinião de alguns juristas
sobre sua situação dentro da nova ordem juridica existente
no país, e já se prepara - segundo se informava hoje
- para a eventualidade de ter de enfrentar a justiça. O sr.
Kubitschek, ao que transpirou, está preocupado com as conclusões
do parecer do ministro Gama e Silva no caso do jornalista Helio Fernandes,
no qual o governo fixou o entendimento de que, embora esteja em vigor
a nova Constituição, subsistem os Atos Institucionais
e Complementares no que diga respeito aos cidadãos que tiveram
os direitos politicos suspensos.
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Juristas
contra |
Sabe-se que entre os juristas consultados há uma quase unanimidade
contra as conclusões do parecer Gama e Silva. Asseguram eles
que o ministro está laborando num equivoco quanto ao disposto
no Artigo 173 da Constituição, que declarou aprovados
os atos praticados em função dos Atos Institucionais
e Complementares, mas não diz que aqueles instrumentos revolucionarios
continuam produzindo os seus efeitos.
Segundo esse entendimento - que contraria o do ministro da Justiça
- o Ato Complementar nº 1 (Estatuto dos Cassados) não
pode mais ser invocado para qualquer providencia contra os cassados
ou os cidadãos cujos direitos politicos foram suspensos.
Como não existe uma legislação especifica sobre
os cassados, sua atividade passa a ser regulada pela Constituição
(Capitulo dos Direitos e Garantias Individuais), pela Lei Eleitoral
e pelo Estatuto dos Partidos. Em nenhum desses diplomas legais está,
por exemplo, prevista a pena de confisco de bens, havendo apenas proibições
tais como a de um cidadão cassado ou com direitos politicos
suspensos votar e ser votado, participar de comicios politicos ou
frequentar as sedes partidarias .
A Oposição está disposta a continuar contestando
o parecer do ministro da Justiça, baseada no proprio Artigo
33 do Ato Institucional nº 2, que lhe fixou o fim da vigencia
para o dia 15 de março, data em que passou a vigorar a nova
Constituição.
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Replica |
É possivel que o governo, através de um parlamentar
da ARENA, conteste nos proximos dias os discursos dos senadores Antonio
Balbino e Josafá Marinho, que na semana passada criticaram,
da tribuna, o parecer do ministro Gama e Silva. Sabe-se que na ARENA
há uma resistencia quanto ao assunto.
Revela-se, aliás, que o ministro Gama e Silva, logo após
o discurso do senador Josafá Marinho, procurou o senador Daniel
Krieger para manifestar-lhe a sua estranheza pelo fato de nenhuma
voz da ARENA se ter feito ouvir no Senado, quando o parecer ministerial
era duramente criticado pelo representante oposicionista.
O senador Daniel Krieger respondeu ao sr. Gama e Silva que não
aparteara o sr. Josafá Marinho porque, no caso particular do
jornalista Helio Fernandes, está contra as conclusões
do parecer ministerial.
O ministro Gama e Silva retrucou, então:
"Mas, senador, o parecer juridico do Ministerio da Justiça
não reflete o ponto de vista pessoal do ministro da Justiça,
e sim do governo. E, afinal de contas, o senhor é o lider do
governo no Senado".
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Habeas
corpus |
Na opinião dos juristas da Oposição, qualquer
pessoa que se encontrar ameaçada de punição com
base no parecer do ministro Gama e Silva, se recorrer ao Supremo Tribunal
Federal, terá ganho de causa tranquilamente. Isto porque o
que permanece dos Atos Institucionais é a materia de legislação
ordinaria (Decretos-Lei), e não aquelas de carater discricionario
(Atos Institucionais e Atos Complementares).
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Militares |
Comentava-se ontem no Rio que alguns setores militares da linha dura
estão inquietos com o que chamam de "movimentação
do sr. Juscelino Kubitschek". Acham alguns oficiais que o ex-presidente,
embora venha mantendo o compromisso de não fazer pronunciamentos
publicos, tem, desde que chegou, recebido politicos em sua residencia
e visitado outros. Os encontros do sr. Kubitschek com os srs. Carlos
Lacerda e Renato Archer são encarados, por esses militares,
como "eminentemente politicos" e relacionados com a articulação
da "Frente Ampla".
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De
novo com Lacerda |
O sr. Juscelino Kubitschek, que se avistara com o sr. Carlos Lacerda
domingo à tarde, logo após sua chegada do exterior,
voltou a manter anteontem novo encontro com o ex-governador, desta
vez no apartamento do sr. Renato Archer. A reunião durou duas
horas e, à saida, o sr. Carlos Lacerda declarou somente que
"tudo vai muito bem", entrou num carro e partiu.
O ex-presidente, que chegou ao apartamento sobraçando uma revista
que continha um artigo do sr. Carlos Lacerda sobre o antiamericanismo
no Brasil (Kubitschek disse que iria ler o artigo), manifestou surpresa
com as conclusões tiradas pelos redatores politicos a respeito
de sua volta e com as manchetes dos jornais. Como alguns jornais deram
seu regresso como o resultado de negociações encaminhadas
pelo mal. Amauri Kruel, o ex-presidente classificou o ex-comandante
do II Exercito como a pessoa "menos indicada para tratar do assunto".
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Goulart
na expectativa |
Entrementes, um amigo pessoal do sr. João Goulart seguia para
Montevidéu a fim de aconselhar o ex-presidente a manter-se
na expectativa, "pois o regresso do sr. Juscelino Kubitschek
pode provocar importantes acontecimentos politicos". Informou-se
que o emissario fará identica recomendação a
ex-petebistas e ex-colaboradores de Goulart, que estão no Uruguai
e no Chile.
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Senadores
do MDB saudam o regresso |
Seis senadores oposicionistas - Rui Carneiro (PB), João Abrão
(GO), Argemiro de Figueiredo (PB), Josafá Marinho (BA), Mario
Martins (GB) e Nogueira da Gama (MG) - e um da ARENA, o sr. Gilberto
Marinho (GB), comentaram, durante a sessão de ontem do Senado,
o regresso ao país do ex-presidente Kubitschek.
Os pronunciamentos foram todos de exaltação à
figura de JK, classificado pelo representante governista como "um
dos maiores presidentes em todos os tempos, com uma imperecivel obra
de administração fundamente gravada no coração
de seu povo".
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Aleluia |
Para o sr. Rui Carneiro, a noticia da volta do sr. Juscelino Kubitschek
foi "como uma aleluia lançada a todos os recantos da Nação".
Acrescentou que "a surpresa agradabilissima da boa nova provocou
imenso contentamento em toda a gente porque, indiscutivelmente, o
sr. Juscelino Kubitschek de Oliveira é o politico brasileiro
de maior popularidade", e confessou que "o povo da Paraiba
não me perdoaria se não fizesse sentir ao Brasil seu
jubilo pelo retorno de JK".
O sr. João Abrão, que ocupa a vaga do ex-presidente
cassado no Senado, disse que o sucede e não o substitui na
cadeira de senador, porque "Juscelino é insubstituivel".
Lembrou que Goiás deve seu progresso dos ultimos anos à
implantação de Brasilia e, por isso, os goianos elegeram
senador "um homem que, pelos serviços prestados à
patria, tornou-se imortal e se encontra no coração de
todos os brasileiros.
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Estado
de direito |
O sr. Gilberto Marinho prosseguiu no mesmo tom:
"Venho juntar minha voz às palavras de exaltação
à figura de Juscelino Kubitschek, que é realmente um
grande brasileiro e foi um dos maiores presidentes em todos os tempos,
com uma imperecivel obra de administração fundamente
gravada no coração de seu povo. E volta agora ao país,
na hora em que acredita havermos retornado efetivamente ao estado
de direito, que é aquele que respeita zelosamente as normas
que regulam os direitos individuais e sociais. Em que a igualdade
perante a lei seja uma realidade tanto para os partidarios como para
os adversarios do governo e se assegure a livre expressão dos
ideais, o direito de criticar e discordar abertamente do governo e
o respeito absoluto à dignidade integral do ser humano no foro
de sua consciencia e no ambito de seu lar".
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Homenagem |
Por sua vez, o carioca Mario Martins considerou a volta de JK "uma
homenagem ao atual governo, na esperança de que ele respeite
a lei, porque a verdade é que a propria Constituição,
que foi votada e está em vigor, restaura o direito dos presidentes
da Republica e de seus ministros de serem julgados exclusivamente
pelo Senado".
O sr. Argemiro de Figueiredo, finalmente, reportou-se à tentativa
inicial do sr. Juscelino Kubitschek de retornar ao Brasil e afirmou:
"Agora ele volta livremente, porque a atuação deste
governo que se inaugurou criou um ambiente propicio à manutenção
de uma ordem legal estavel. E, se assim continuar, terá sempre
os nossos aplausos".
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Sodré
opina |
Interrogado ontem sobre como via o retorno do ex-presidente Juscelino
Kubitschek ao Brasil, o governador Abreu Sodré limitou-se a
declarar: "Não há impedimento nenhum, pois outros
que sofreram iguais punições aqui residem, o que demonstra
o carater de marcada compreensão do processo revolucionario.
Todos têm o direito de viver onde bem entendem".
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