PP QUER A CONSTITUINTE; PT QUER CHEGAR AO GOVERNO

Publicado na Folha de S. Paulo, sexta-feira, 11 de janeiro de 1980



Os principais articuladores do Partido Popular (PP), reunidos ontem em Brasilia, decidiram que a agremiação defenderá a convocação de uma Constituinte, eleições diretas em todos os níveis, reforma do atual modelo econômico, revisão da Lei de Segurança Nacional e formulação de uma política fundiária que proteja os pequenos e médios proprietários rurais (aparentemente, respondendo a declarações de setores governistas, segundo os quais o PP seria um partido de direita, enquanto o PD, do governo, seria de centro).
Na reunião também foi aprovada a composição da comissão provisória do partido, escolhida anteontem na casa do deputado Magalhães Pinto.
Em São Paulo, foi lançado ontem o manifesto do partido dos Trabalhadores (PT), o qual, de acordo com o documento, "nasce da necessidade sentida por milhões de brasileiros de intervir na vida social e política do País, para transformá-la".
O manifesto também afirma que o objetivo do PT é "chegar ao governo e à direção do Estado para realizar uma política democrática, tanto do ponto de vista econômico quanto social".

PT lança em S. Paulo seu manifesto nacional

Numa solenidade que contou com seus principais articuladores, o PT - Partido dos Trabalhadores - lançou, ontem, na sede do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo, o seu manifesto nacional, onde afirma que a agremiação "nasce da necessidade sentida por milhões de brasileiros de intervir na vida social e política do País para transformá-la".
O manifesto do PT, que foi lido pelo presidente da Comissão Provisória Pró-PT. Jacó Bittar (presidente do Sindicato dos petroleiros de Paulínia), explica o porquê da necessidade de um partido que represente de fato a classe trabalhadora, prontificando-se a ser um partido de massas e lutar pela democracia e pelo desenvolvimento nacional.
Seu objetivo, de acordo com o manifesto, é "chegar ao governo e à direção do Estado para realizar uma política democrática, tanto do ponto de vista econômico, quanto social. O centro de sua política será a ampliação da liberdade para que o povo possa construir uma sociedade igualitária, onde não haja explorados nem exploradores".
Depois da leitura do manifesto, no auditório Vladimir Herzog, onde estavam presentes cerca de 300 pessoas, os articuladores do PT deram uma entrevista coletiva, na qual afirmaram a disposição de concorrer às eleições de 1982 e anunciaram, para o próximo dia 27, uma reunião dos 101 signatários do manifesto (de acordo com a exigência da lei de reforma partidária), formalizando, nesse dia, a Comissão Provisória Nacional para registro no Tribunal Superior Eleitoral.

Primeiro comício

Além disso, foi anunciado também o seu primeiro grande comício, em Osasco, onde será apresentado o projeto do programa do PT, para discussão com as bases. Constará ainda da programação shows musicais, barracas com "comes e bebes", desafios, etc.
Respondendo a perguntas dos jornalistas os articuladores do PT afirmaram que o lançamento do manifesto significava "a demonstração de compromisso daqueles que se articulam para concretizar esta proposta, que é irreversível".
José Ibrahim ex-banido e ex-líder metalúrgico de Osasco, disse que desde o inicio todos têm plena consciência de que serão muitas as dificuldades para a formação do partido "pois é uma idéia nova no Brasil, um partido realmente que está se formando de baixo para cima, paralelamente ao movimento popular que abriu uma brecha para que isso acontecesse, mas vamos levar essa proposta à frente, no grito e na raça e conseguiremos concretizá-la".
Sobre a presença de apenas dois parlamentares no PT - Edson Kair, de Mato Grosso do Sul, e Antônio Carlos, do Rio de Janeiro, ambos deputados federais - Wagner Benevides, presidente dos petroleiros de Belo Horizonte, afirmou que "não é dever dos trabalhadores tentar cooptar deputados para o partido. Esse processo é aberto e os parlamentares que se interessam pela causa, livremente, abertamente, podem conversar conosco".

Trabalho paralelo

Questionado a respeito das dificuldades de se trabalhar em áreas paralelas, sindical e política ao mesmo tempo, sem prejuízo de uma delas, Henos Amorina, presidente dos Metalúrgicos de Osasco, afirmou que isso é plenamente possível. "Não vai haver choque entre as campanhas salariais e o movimento pró-PT, porque o grupo de trabalhadores e de dirigentes sindicais que estão organizando o partido é grande e quando determinado dirigente estiver envolvido em sua campanha salarial, os outros continuam trabalhando pelo PT", explicou.
Quanto a organização da Central Única dos Trabalhadores, Wagner Benevides explicou que, "no entender dos articuladores do PT, é necessário primeiro conscientizar os trabalhadores politicamente, depois partir para a proposta da CUT".

"Nasce da decisão dos explorados"

Esta é a íntegra do manifesto do Partido dos Trabalhadores:
"O Partido dos Trabalhadores nasce da necessidade sentida por milhões de brasileiros de intervir na vida social e política do País, para transformá-la. A mais importante lição que o povo brasileiro aprendeu em suas lutas é a de que a democracia é uma conquista que, finalmente, ou se constrói pelas suas mãos ou não virá.
A grande maioria de nossa população das cidades e dos campos tem sido sempre relegada à condição de brasileiros de segunda classe. Agora, as vozes do povo começam a se fazer ouvir. As grandes maiorias que constroem a riqueza da Nação querem falar por si próprias. Não esperam mais que a conquista dos seus interesses econômicos, sociais e políticos venha das elites dominantes. Organizam-se, elas mesmas, para que a sua ação social e política seja a ferramenta de construção de uma sociedade que responda aos interesses do povo.

Nascendo da lutas sociais

"Após prolongada e dura resistência democrática, a grande novidade conhecida pela sociedade brasileira é a mobilização dos trabalhadores para lutar por melhores condições de vida para a população das cidades e dos campos. O avanço das lutas populares permitiu que operários industriais, assalariados do comércio e dos serviços, funcionários públicos, moradores da periferia, trabalhadores autônomos, camponeses e trabalhadores rurais pudessem se organizar para defender os seus direitos, para exigir melhores salários e melhores condições de trabalho, para reclamar o atendimento dos serviços básicos nos bairros e para comprovar a união de que são capazes.
"Essas lutas levaram ao enfrentamento com os mecanismos de repressão impostos aos trabalhadores, em particular o arrocho salarial e a proibição do direito de greve. Mas, tendo de enfrentar um regime organizado para afastar o povo dos centros de decisão política, começou a tornar-se cada vez mais claro, para os movimentos populares, que as suas lutas imediatas e específicas não bastam para garantir a conquista dos direitos e dos interesses do povo.
"Por isso, surgiu a proposta do Partido dos Trabalhadores. O PT nasce da decisão dos explorados de lutar contra um sistema econômico e político que não pode resolver os seus problemas, pois só existe para beneficiar uma minoria de privilegiados.

Por um partido de massas

"O Partido dos Trabalhadores nasce da vontade de independência política dos trabalhadores, já cansados de servir de massa de manobra para os políticos e os partidos comprometidos com a manutenção da atual ordem econômica, social e política. Nasce também da vontade de emancipação das massas populares, cansadas das ilusões dos grupos que pretendem substituir a força de suas lutas por palavras de ordem desligadas de seus interesses. Os trabalhadores já sabem que a liberdade nunca foi nem será dada de presente, mas será obra do seu próprio esforço coletivo. Por isso protestam, quando, uma vez mais na história brasileira, vêem os partidos sendo formados de cima para baixo, do Estado para a sociedade e dos ricos para os pobres.
"Os trabalhadores querem se organizar como força política autônoma. O PT pretende ser uma real expressão política de todos os explorados pelo sistema capitalista. Somos um Partido dos Trabalhadores, não mais um partido para os trabalhadores. Queremos a política como uma atividade própria das massas que desejam participar, legal e legitimamente, de todas as esferas de poder na sociedade. O PT quer atuar não apenas nos momentos das eleições mas, principalmente, no dia-a-dia de todos os trabalhadores, pois só assim será possível construir uma nova forma de democracia, cujas raízes estejam nas organizações de base da sociedade e cujas decisões sejam tomadas pelas maiorias.
"Queremos, por isso mesmo, um partido amplo e aberto a todos aqueles comprometidos com a causa dos trabalhadores e com o seu programa. Em consequência, queremos construir uma estrutura interna democrática, apoiada em decisões coletivas e colegiadas, e cuja direção e programa sejam decididos por suas bases.

Pela democracia e pelo desenvolvimento nacional

"Em oposição ao regime atual e ao seu modelo de desenvolvimento, que só beneficia os privilegiados do sistema capitalista, o PT lutará pela extinção de todos os mecanismos ditatoriais que reprimem e ameaçam a sociedade. O PT lutará por todas as liberdades civis, pelas franquias que garantam efetivamente os direitos dos cidadãos e pela democratização real da sociedade.
"Não existe liberdade, nem verdadeiro desenvolvimento onde o direito de greve é fraudado na hora da sua regulamentação; onde os sindicatos urbanos e rurais permanecem atrelados ao Ministério do Trabalho; onde as correntes de opinião e a criação cultural são submetidas a um clima de suspeição e de controle policial; onde a polícia subverte a própria lei e onde os burocratas e os tecnocratas do Estado não são responsáveis perante a vontade popular.
"O PT almeja uma democracia mais profunda. Para nós, a democratização da economia, da sociedade e do Estado devem caminhar juntas. Por isso, o PT lutará por uma democracia baseada na liberdade política, que exige um regime pluripartidário livre, mas exige também igualdade econômica e social. Lutará por partidos independentes do Estado, mas também por sindicatos e associações populares independentes, tanto do Estado quanto dos próprios partidos políticos. Lutará por um Judiciário independente e por um Parlamento livre, mas também por uma participação popular permanente, em todas as esferas de decisão social, econômica e política. O PT lutará pelo controle democrático das burocracias do Estado e das decisões das grandes empresas, sem o que a participação popular será mera ilusão.
"O Partido dos Trabalhadores pretende que o povo decida o que fazer da riqueza produzida e dos recursos naturais do País. As riquezas nacionais, que até hoje só têm servido aos interesses do grande capital nacional e internacional, deverão ser postas a serviço do bem-estar da coletividade. Para isso, é preciso que as decisões sobre a economia se submetam aos interesses populares. Mas esses interesses não prevalecerão enquanto o Parlamento não expressar uma efetiva representação popular e adquirir poder de decisão sobre a economia. Nem enquanto as empresas estatais, os serviços públicos e os grandes conselhos econômicos estiveram isentos do controle popular.
"Os trabalhadores querem a independência nacional. Entendem que a Nação é o povo e, por isso, sabem que o País só será efetivamente independente quando o Estado for dirigido pelo povo. É preciso que o Estado se torne a expressão da sociedade, o que só será possível quando se criarem as condições de livre intervenção dos trabalhadores nas decisões dos seus rumos. Por isso, o PT pretende chegar ao governo e à direção do Estado para realizar uma política democrática, tanto do ponto de vista econômico quanto do social. O centro da sua política será a ampliação da liberdade para que o povo possa construir uma sociedade igualitária, onde não haja explorados nem exploradores."

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