MANIFESTAÇÃO E TUMULTO NO RIO

Publicado na Folha de S.Paulo, quinta-feira, 10 de outubro de 1968

Neste texto foi mantida a grafia original

Sete pessoas ficaram feridas a bala e mais de 130 manifestantes foram presos durante três passeatas de estudantes realizadas ontem no Rio. O secretario da Segurança, gen. Luís França, assegurou, depois, que os tiros partiram dos proprios manifestantes.

Em São Paulo, os estudantes do Conjunto Residencial da USP retiraram as barricadas que cercavam o CRUSP há varios dias, mas mantinham-se vigilantes para prevenir uma eventual tentativa de ocupação policial, conforme fôra anunciado por membros da comissão de segurança dos alunos.

O governador Abreu Sodré voltou a advertir que "a Policia agirá com rigor contra os agitadores e extremistas que pretendem tirar a tranquilidade da população de São Paulo, que deseja paz para poder trabalhar".

Enquanto isso, o Sindicato dos Lojistas do Comercio de São Paulo, reunido para discutir os prejuizos causados ao comercio pelas ultimas manifestações de rua, divulgou nota em que afirma compreender "os justos anseios da juventude, mas lamenta a infiltração de radicais que perturbam a vida da coletividade e deturpam o que há de legitimo no movimento estudantil".

Sete feridos a bala em manifestações no Rio

RIO (Sucursal) - Sete estudantes baleados mais de cem prisões, dezenas de pessoas intoxicadas por gás lacrimogeneo, lojas comerciais depredadas - este o saldo da manifestação estudantil da Guanabara, na tarde de ontem, "em solidariedade aos estudantes paulistas massacrados pelo CCC", e da consequente repressão policial.

A manifestação foi iniciada às 12h30, apesar de a Policia Militar e o DOPS terem ocupado desde as primeiras horas da manhã todo o centro da cidade, e duas passeatas partiram de locais diferentes, rumo à avenida Rio Branco, numa tentativa de desorientar o esquema repressivo.

Passeata numero 1

A primeira saiu da praça Pio X, seguiu pela contramão na rua 1º de Março e procurava chegar à avenida Rio Branco pela rua da Alfandega, quando um pelotão, vindo em sentido contrario, bloqueou a passagem de 500 manifestantes - estudantes, jornalistas, bancarios e religiosos - com tiros para o alto e bombas de gás. Os manifestantes responderam ao ataque da PM com pedras e paus e tentaram erguer uma barricada com material de uma obra. Os estudantes viraram tambem uma carrocinha da Cia. telefonica.

Outro pelotão de policiais encurralou os manifestantes na rua estreita e sem transversais.

A liderança ordenou a desmobilização imediata e o reencontro em local anteriormente marcado, a av. Rio Branco, esquina com a Sete de Setembro. A maioria dos manifestantes conseguiu furar o cerco policial, abrindo caminhos com pedras e paus, mas muitos refugiaram-se nas lojas que ainda estavam abertas e nas portarias dos edificios, sendo presos e espancados pelos policiais.

A segunda

A segunda passeata, com quase mil participantes, principalmente secundaristas, saiu da rua Santa Luzia, no Castelo, e tentava atingir a Rio Branco, quando foi bloqueada por pelotões da PM.

Enquanto a PM atirava bombas de gás sobre os manifestantes e estes revidavam com pedradas, agentes do DOPS, de dentro de três carros, disparavam suas armas sobre os estudantes que corriam pela rua Santa Luzia, em busca de abrigo. Sete manifestantes foram atingidos. Foram socorridos, ainda caidos nas calçadas, por populares e transportados em carros particulares para o hospital Sousa Aguiar.

Junção e repressão

Quinze minutos após, as duas passeatas juntaram-se na av. Rio Branco, na altura da rua Sete de Setembro. Enquanto o ex-presidente do DCE, Marcos Medeiros, e o presidente da UME, Carlos Alberto Moniz, faziam um rapido comicio pedindo o apoio da população, os estudantes procuravam erguer barricadas para bloquear os carros da Policia. Novamente a Policia interveio, com bombas e tiros, dispersando os manifestantes.

Lider preso

Fugindo dos tiros, os manifestantes procuravam alcançar as ruas transversais à avenida Rio Branco. Ao entrarem na rua do Rosario, o lider estudantil Marcos Medeiros e seu irmão Guilherme Medeiros foram agarrados pela PM. Ambos foram encostados contra a parede da igreja do Rosario, com as mãos para o alto, enquanto os soldados formavam um círculo para evitar que fossem vistos e houvesse reação.

Marcos e Guilherme, escoltados por dezenas de soldados, foram conduzidos para um onibus. Quando o onibus entrou na avenida Rio Branco, rumo ao Regimento Caetano de Farias, os policiais ordenaram aos dois estudantes que se deitassem, para não serem vistos.

Nova repressão

Depois de terem sido dispersados na av. Rio Branco os manifestantes fizeram nova tentativa de concentração na rua Uruguaiana. Novamente a Policia Militar e o DOPS intervieram, e os manifestantes tentaram revidar com rojões e pedras. Cerca de 40 estudantes procuraram proteger-se no interior de uma loja na rua Uruguaiana. A PM cercou a loja, enquanto agentes do DOPS arrombavam uma das portas e atiravam bombas de gás no interior do estabelecimento. Através de um alto-falante foi dada ordem para que todos saissem, um a um, as mãos para o alto. Diversos "tintureiros" foram dispostos na frente da loja, e à medida que os estudantes saíam tinham de passar por um "corredor polonês", formado por agentes do DOPS, sendo espancados com cassetetes de alumínio.

Balanço de feridos

O hospital Souza Aguiar, na praça da República, atendeu a sete pessoas feridas durante as manifestações, entre elas, o frei José Belmonte, professor do colegio Macedo Soares, de Volta Redonda.

Depois de atendido no Pronto-Socorro, com ferimentos na cabeça e no rosto, o frei foi preso pelo DOPS à saída do hospital, e encaminhando à Central. Logo após a sua prisão, dois oficiais do Serviço Secreto do Exercito estiveram no Pronto-Socorro à sua procura.

Os demais feridos são: Carmem Lucia Alves Afonso, ferida a bala na perna esquerda; Sergio Eichenberg, estudante e residente em Petropolis, ferido a bala no pulso; Feliciana Maria Ferreira Pinho, com ferida penetrante na perna esquerda, produzida por um disparo; Ana Luzia Lins, estudante, fratura no pé; Angela Mendes, ferida a bala na mão esquerda; e Aurea Maria Vaz, tambem com ferida penetrante na perna.

Mais de 130 prisões

No Regimento Caetano de Faria, da PM, de acordo com um oficial, estavam presas 30 pessoas, um terço de moças.

À noite, o DOPS, em cujos xadrezes estavam detidos mais de 100 pessoas, na sua grande maioria estudantes, informou que os estudantes menores seriam entregues ao Juizado, enquanto as moças seriam transferidas para o Deposito de Presos São Judas Tadeu.

Entre os detidos estavam a filha do jornalista Osvaldo Peralva, diretor do "Correio da Manhã", e um filho do jornalista Paulo de Castro.


© Copyright Empresa Folha da Manhã Ltda. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Empresa Folha da Manhã Ltda.