PROIBIDAS AS PASSEATAS

Publicado na Folha de S.Paulo, terça-feira, 10 de maio de 1977

O Ministério da Justiça proibiu ontem em todo o País qualquer manifestação coletiva que envolva passeatas ou concentrações de protesto em logradouros públicos, "ou outros tipos de demonstrações quer perturbem a ordem", segundo telegrama expedido pelo ministro Armando Falcão aos governadores de todos os Estados e Territórios, após audiência que manteve à tarde com o presidente Geisel.
Em São Paulo, o governador Paulo Egidio recebeu o telegrama às 17 horas, quando encerrava o expediente, e não quis prestar declarações.
Em assembléia marcada para amanhã na PUC, os dirigentes estudantis de São Paulo debaterão a proposta de realização de um ato público nacional, previsto para o dia 19, pela libertação de presos políticos, anistia geral e pelas franquias democráticas. O movimento conta com o apoio de professores da PUC (cerca de 200), que ontem redigiram uma carta-aberta.
No Rio, o governador Faria Lima anunciou que a determinação ministerial será cumprida pela Secretária da Segurança dizendo que enviará esforços para que somente sejam tomadas medidas preventivas, procurando-se evitar quaisquer medidas repressivas.
Nota semelhante foi distribuída pela Secretaria da Segurança de Minas Gerais.

O telegrama

Eis o telegrama do ministro Falcão aos governadores:

"Tenho o honra de comunicar a v.exa. que o governo federal está vivamente empenhado em ver mantida, de modo integral, a ordem pública em todo o território brasileiro, não se podendo permitir a pretexto algum, que seja perturbada a vida normal das populações. A continuidade do intenso e coordenado esforço da Nação, inspirado nos princípios permanentes da Revolução de março, exige paz e estabilidade, que não se admitirá romper pela ação extremista de quem procure prejudicar a atividade dos cidadãos voltados para o trabalho pacífico e construtivo.
"Rogo, portanto a v.exa., conforme instruções do sr. presidente da República, que na área de sua competência e jurisdição adote todas as providências necessárias no sentido de impedir manifestações coletivas que comprometam a normalidade imprescindível à preservação do processo de desenvolvimento do Brasil. Passeatas, concentrações de protesto em logradouros públicos, assim como outras demonstrações contestatórias, são distúrbios de fundo e fim subversivos, não podendo, em consequência, ser tolerados.
"Mostra-se aconselhável sejam tomadas de preferência medidas preventivas, oportunas e eficazes, para resguardo da tranquilidade geral, que a Nação exige acima de tudo. Muito agradecendo a atenção que v.exa. dispensar a este assunto, aproveito o ensejo para enviar-lhe cordiais cumprimentos."

Governador não comentou a proibição vinda de Brasília

O governador Paulo Egidio recebeu ontem, por volta das 17 horas, o telegrama do ministro Armando Falcão, dando conta da Portaria baixada pelo Ministério da Justiça, proibindo as manifestações estudantis em todo o País.
O governador encerrou seu expediente logo depois sem fazer nenhum comentário sobre a proibição ministerial, recolheu-se à sua residência particular no Morumbí.
Assessores de seu gabinete negavam-se, ontem, a adiantar as reações que teriam sido esboçadas pelo governador paulista ao receber o telegrama. Eles aconselhavam os jornalistas a procurarem hoje o governador, "quando ele, já tendo lido e meditado sobre o assunto, poderá até fazer considerações".
O governador de São Paulo, reiteradas vezes tem afirmado aos estudantes que garantirá a integridade física dos participantes do movimento. Na quinta-feira passada, quando os estudantes realizaram a concentração no Largo São Francisco. Paulo Egídio, ao explicar em entrevista coletiva porque não permitiria passeatas, lembrou que os estudantes "tradicionalmente têm se utilizado da tribuna livre da Faculdade de Direito e nós não nos opomos a que se manifestem ali".

Em S. Paulo

Para fixar as futuras atividades do movimento em favor da libertação dos operários e estudantes presos recentemente no ABC, está marcada para amanhã à noite, na PUC de São Paulo, mais uma sessão da assembléia metropolitana de estudantes, que deverá congregar alunos de universidade estaduais e particulares e de escolas isoladas.
Entre as várias propostas à assembléia estão: um Ato Público de caráter nacional, previsto para o próximo dia 19, em favor da libertação dos presos políticos e anistia aos bandidos e exilados, carta ao Comitê Internacional pela Anistia e abaixo-assinado ao governador do Estado, pedindo-lhe pela libertação dos operários e estudantes presos antes e depois do 1° de Maio.
Na próxima 5ª feira, no largo de São Francisco, deverá ser apresentado um "show", com o objetivo de angariar fundos para o Comitê pela Anistia, nos dias 14 e 15, será desenvolvido um seminário na PUC, para debater, possivelmente, a situação do ensino público gratuito.
Ontem, nos três períodos, alunos da PUC participaram de assembléias para apreciar propostas a favor e contra a retomada das atividades didáticas (as aulas estão paralisadas há mais de uma semana em protesto pela prisão de dois alunos da PUC). Entre os temas discutidos está o referente ao abono de faltas.

Professores da PUC

Durante as assembléias de ontem, foi lida a carta aberta da Associação dos Professores da PUC, aprovada por mais de 200 membros e cujo teor é o seguinte:
"Tendo em vista:
"1. Que as mais recentes manifestações de violência, expressas através de prisões de estudantes e operários, vieram acentuar uma situação de insegurança;
"2. Que esta situação de insegurança se dá pela falta de garantias e de respeito às liberdades democráticas;
"3. Que a ausência de liberdade democráticas é um fator que impede o desenvolvimento político, economico e social do pais;
"4. Que sem estas garantias, torna-se impossível o livre exercício dos direitos fundamentais de qualquer cidadão ou classe social;
"5. Que a autonomia universitária condição essencial para que a instituição, professores, alunos e funcionários, exerçam, livre e responsavelmente, suas atividades e sua presença diante das questões nacionais, vem sendo suprimida pela intolerância arbitrariamente legalizada de poderes externos nas atividades pedagógicas e cientificas;
"6. Que exercer a liberdade de expressão e manifestação não é um crime, mas sim um direito fundamental de qualquer cidadão ou classe social;
"Vamos trazer à comunidade universitária da PUC-SP, ao magistério em geral e a todo o povo brasileiro nossas preocupações, e ao mesmo tempo, propor que nos unamos pela defesa de uma situação que garanta o livre exercício de educador. Acreditamos que esta situação se expressaria através do respeito real à autonomia universitária.
"Por outro lado, sabemos que, como uma parcela da sociedade, a Universidade só terá a sua autonomia preservada se a sociedade como um todo tiver suas liberdades respeitadas. É nesse sentido que acreditamos que a luta dos professores universitários pela autonomia universitária - sem a qual seu papel de educador inexiste - junta-se neste momento à luta de outros setores da população pelo respeito as liberdades democráticas. E, neste momento, esta luta se expressa pela eliminação dos atos de exercício (AI-5 e o decreto lei 477), qual anulam o direito de organização e manifestação livres em sindicatos, partidos e entidades representativas; pela defesa das garantias e direitos jurídicos dos cidadãos e instituições (habeas-corpus, anistia aos presos políticos, total liberdade dos meios de comunicação) e pela formação de uma Constituinte, livremente eleita, capaz de representar os reais interesses do povo brasileiro, marcando o restabelecimento do Estado de Direito".

Incomunicabilidade

Terminou ontem o prazo de dez dias de incomunicabilidade a que estavam sujeitos operários e estudantes presos no último dia 29, no ABC, acusados pelo Deops de pertencer a uma suposta organização chamada Liga Operárias. A partir de hoje, de acordo com a Lei de Segurança Nacional, os advogados e familiares poderão ter contato com os presos: Celso Giovanetti Brambilla, José Maria de Almeida, Márcia Basseto Paes, Ademir Mariri, Fernando Antonio de Oliveira Lopes e Anita Maria Fabri.
Os advogados haviam recebido autorização do juiz auditor da III Auditoria Militar para entrevistar-se com seus clientes, mas foram impedidos por ordem do delegado Sérgio Paranhos Fleury. A autorização fora concedida com base no fato do Deops, ao entrar a comunicação das prisões à auditoria, não haver especificado que usaria os 10 dias incomunicabilidade prevista na Lei de Segurança Nacional. Após os advogados Márcia de Souza e Eduardo Greenhalgh entrarem com petição junto a Auditoria, comunicando que fora desrespeitada a ordem do juiz auditor, o Deops enviou imediatamente um comunicado de que usaria o prazo de incomunicabilidade. Com base na nova medida do Deops, a Auditoria Militar suspendeu a autorização dada aos advogados.



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