OU DIALOGO OU DITADURA

Passarinho: ditadura à vista

Publicado na Folha de S.Paulo, quarta-feira, 10 de julho de 1968

Neste texto foi mantida a grafia original

RIO (Sucursal) - O Brasil encontra-se num impasse que, se não for resolvido através de um remanejamento do Ministerio, para possibilitar o inicio de um verdadeiro dialogo, levará ao estabelecimento de uma ditadura direitista radical - afirmou ontem à tarde o ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, em entrevista coletiva.
O ministro fez uma analise da crise originada pelos ultimos acontecimentos na area estudantil, citou Servan-Schreiber (autor do best-seller O Desafio Americano) e disse que lutará com todas as suas forças pela manutenção da democracia. Afirmou ainda que não participará de qualquer tentativa para implantação de um regime de força, a pretexto de defender a liberdade.

Radicalismo

Atualmente, no Brasil - disse - surge um radicalismo em torno de posições, e não de idéias, e um dos grupos, impossibilitado pelas circunstancias de tomar o poder, procura exacerbar o animo do extremo oposto. E ajuntou: assim, adotando a filosofia do quanto pior melhor, este grupo, que é de esquerda, visa à implantação de uma verdadeira ditadura, de direita, a fim de que, ao fim de algum tempo, possa reunir os descontentes com a situação para subir ao poder.
O grupo esquerdista não tem interesse em facilitar a abertura de um dialogo que poderia conduzir à pacificação e tranquilidade dos pais, pois isso contraria seus propositos, diz o ministro.

Confirmação

O coronel Jarbas Passarinho confirmou que, há alguns dias, colocou seu cargo à disposição do presidente da Republica, em atitude identica à de outros ministros, para facilitar ao chefe da Nação um remanejamento do Ministério, o que, no seu entender, é necessario para a solução da crise nacional.
Alguns maiores acreditam em soluções de força, por permitirem resultados a curto prazo; mas quem acredita que a vida de uma Nação pode ser conduzida na base do terror é burro ou ingenuo, o que significa a mesma coisa, em ultima instancia. Eles esquecem que os mesmos que fuzilaram o povo nas ruas de Petrogrado, em 1905, foram os responsaveis pela mudança de nome desta cidade, que em 1917 passou a chamar-se Leningrado. A policia de Batista, ao torturar e seviciar estudantes nas ruas de Havana em 1954, estava euforica, sem saber que criava as condições para o movimento revolucionario de quatro anos depois.

A contestação estudantil

Após alguns comentarios sobre a crise francesa, citando o livro Le Reveil de la france, de Servan Schreiber, o ministro afirmou que na França a Juventude não se levantou apenas contra a estrutura do ensino e sim contra todo um sistema de vida, como acontece com algumas das lideranças estudantis do Brasil.
As lideranças do movimento estudantil brasileiro - disse - estão aí, e não podem ser ignorados. Porém, quando se assiste na rua a um libelo contra um sistema social que tem como essencia a exploração do homem pelo homem se vê que a discordancia não se prende apenas a algumas reivindicações em torno do problema educacional. É um problema de ideologia, que não pode ser resolvido pelo simples atendimento das reivindicações materiais.
Entretanto, segundo o ministro, a grande maioria da massa estudantil ficaria satisfeita apenas com o atendimento das solicitações de melhoria material.
Realmente existem universidades que não estão preparadas para formar profissionais, e digo isso com a licença de meu dinamico e eficiente colega, o ministro da Educação. Mas, caso este problema fosse resolvido, apenas uma pequena parcela de estudantes continuaria descontente, a que realmente luta contra o sistema capitalista brasileiro, disse.

Impasse

Quanto ao fato de colocar o cargo à disposição do marechal Costa e Silva, o ministro explicou que a situação que o levou a essa atitude persiste, sendo absolutamente indispensavel um remanejamento do Ministerio.
E eu, se fosse o presidente, faria este remanejamento para provar sua abertura à discussão de problemas e para o dialogo objetivo, pois o problema que aflige o Brasil não é somente estudantil, é geral, salientou.
Segundo o ministro, a primeira medida necessaria à pacificação seria o entendimento, permitindo através da reformulação ministerial, e o estabelecimento de um clima de confiança mutua para o inicio do dialogo. Como medida complementar, indica como necessario o isolamento dos grupos radicais, de esquerda ou de direita, que, no seu entender, são o simbolo da incapacidade de raciocionio.
Em caso contrario, teremos verdadeiramente uma ditadura no Brasil, com o controle de todos os orgãos de divulgação e com dois partidos: um no governo, outro na cadeia, afirmou.
E ajuntou: A crise está em marcha - e o minimo que podemos fazer é sugerir ao presidente da Republica uma reformulação do Ministerio, como forma de solucionar a situação, de cima para baixo. E a reformulação tem sentido sobretudo agora, quando o presidente não está sujeito a nenhuma forma visivel de pressão; e eu não acredito nesta historia de forças ocultas. É necessario ter-se em vista que o impasse continua e que, caso não seja superado, será inevitavel uma solução de força.

Resistencia

A seguir o ministro disse que presenciou, nos momentos mais agudos da crise, a resistencia do marechal Costa e Silva às sugestões para que adotasse um regime de força, chegando até a desgastar-se entre as Forças Armadas, quando, dando prova de grande humildade, recebeu a comissão de estudantes no Palacio do Planalto.
Entende, entretanto, que o presidente da Republica dispõe de instrumentos constitucionais para defender a autoridade do Governo, jogando com as diversas medidas preconizadas pela Carta de 1967, de acordo com a oportunidade.
Ao ser inquirido quanto aos boatos da formação de uma junta militar constituida por alguns setores das Forças Armadas, para conduzir a Nação, o ministro primeiro riu, depois, bastante emocionado, disse:
Tenho um passado de afirmações e não vou destrui-lo, por mais dourada que seja a pílula. Vou lutar com todas as minhas forças para manter o Brasil dentro da democracia. Não participo de qualquer solução que, em nome da democracia, tire a liberdade do homem. Vivi sob uma ditadura, e não aceito qualquer forma de dominação ditatorial, nem do proletariado. Alem disso, não cometeria a indignidade de trair o marechal Costa e Silva, que sempre me dispensou um tratamento honesto.

Albuquerque tambem se dispôs a renunciar

Em conversa informal, ontem, o ministro do Interior, general Afonso de Albuquerque Lima, admitiu que realmente colocou o seu cargo à disposição do presidente da Republica, para deixá-lo à vontade a fim de promover as modificações que julgar necessaria na sua equipe de auxiliares. Seu gosto foi acompanhado pelo coronel Jarbas Passarinho, ministro do Trabalho.
Essa atitude - segundo informes - não foi tomada somente pelos ministros do Trabalho e Interior, mas os ministros Magalhães Pinto, Mario Andreazza, Ivo Arzua, Delfim Neto, Helio Beltrão e Edmundo Macedo Soares tambem colocaram seus cargos à disposição do presidente .
O ministro do Interior afirmou estar consciente de que a administração do governo Costa e Silva vem oferecendo saldos mais que positivos ao país, mas reconhecem a premente necessidade de o governo cuidar da formação de seu dispositivo de ação politica.

As razões do ministro

O general Afonso de Albuquerque Lima negou, no entanto, que tenha solicitado demissão do posto com o objetivo de antecipar o seu retorno à caserna agora. O ministro assinalou que isto daria a falsa impressão de que estariamos sob uma disputa de poder entre os militares.
O ministro do Interior, acrescentou que se depender de sua vontade, continua disposto a somente retornar a tropa em março do ano vem, quando completará dois anos no exercicio de uma função civil, criando condições para a sua promoção ao ultimo posto da carreira no Exercicio qual seja o de general-de-exercito.

A opinião

Não vê o general Afonso de Albuquerque Lima, a menos que haja algum fato novo, nenhum elemento que justifique ser pessimista.
O general ponderou que o movimento revolucionario está acima dos simples formalismos legais, mas somente fugirá à normalidade institucional já montada se a sua caminhada for ameaçada por alguma força opositora de grande vulto.
Para o general o pais marchará dentro de tal quadro de normalidade, reclamando, apenas, uma modificação na orientação economico-financeira, marcadamente influenciada pela teoria monetarista, que não pode manter preso um país em grande explosão demografica.
Como muitos militares, o general Albuquerque Lima vem criticando, na intimidade, a aplicação orçamentaria, mais em decorrencia de cortes exercidos pela politica monetaria dos srs. Delfim Neto e Helio Beltrão.

Reune-se amanhã o Conselho de Segurança

BRASÍLIA (Sucursal) - O presidente Costa e Silva presidirá amanhã no Palacio das Laranjeiras, no Rio, à reunião extraordinaria do Conselho de Segurança Nacional.
Destinada, oficialmente, ao exame do quadro politico brasileiro, essa reunião deverá definir, tambem, o futuro comportamento do governo diante do que os seus orgãos de segurança identificaram como "um plano de subversão destinado a promover a derrubada do regimento e a instauração de uma sociedade comunista".
Assim situado o problema, os circulos políticos de Brasília, numa posição que sentem robustecida pelas recentes declarações do ministro da Justiça, insistem em veicular os rumores de que o governo está na iminencia de adotar medidas de exceção, capazes de assegurar a sobrevivencia das proprias instituições.
Na certeza de que o governo caminha para a adoção de medidas fortes, a primeira aventada pelos circulos políticos é o estado de sitio, preconizado no artigo 152 da Constituição Federal. Sem quebra da ordem constitucional, a medida - na opinião de seus defensores - viria dar ao governo amplas condições para enfrentar o presente quadro de manifestações estudantis e de atentados terroristas, interligados entre si, já que estariam todos relacionados com o "plano de subversão", cuja descoberta foi recentemente anunciada.
Há, entretanto, no meio político, uma corrente que defende a tese de que o governo não precisa socorrer-se do remedio extremo, já que poderia contornar a situação com a simples aplicação da Lei de Segurança Nacional, sem que isso significasse qualquer arrepio à legalidade democratica.

As implicações do sitio

O artigo 152 da Constituição Federal atribui ao presidente da Republica competencia para decretar o estado de sitio nos casos de guerra ou de "grave perturbação da ordem ou ameaça de sua irrupção"
O estado de sitio autoriza a adoção das seguintes medidas coercitivas: a) obrigação de residencia em localidade determinada ; b) detenção em edificios não destinados aos réus de crimes comuns; c) busca e apreensão em domicilio; d) suspensão da liberdade de reunião e de associação; e) censura de correspondencia, da imprensa, das telecomunicações e diversões publicas; f) uso ou ocupação temporaria de bens das autarquias, empresas publicas, sociedades de economia mista ou concessionarias de serviços publicos, assim como a suspensão do exercicio do cargo, função ou emprego nas mesmas entidades.
Na eventualidade de decretar o estado de sitio, o chefe do governo terá que especificar as regiões abrangidas e nomear a pessoas incumbidas de sua execução, bem como fixar as normas a serem executadas. A duração da medidas não poderá ser superior a sessenta dias, podendo ser prorrogada por igual prazo, e em qualquer caso deverá submetida ao referendo do Congresso dentro de cinco dias a sua decretação. Findo o estado de sitio, o presidente da Republica deverá enviar nova mensagem ao Congresso, justificando as medidas adotadas.
Durante a vigencia do estado de sitio, tambem, é facultado ao Congresso Nacional, mediante lei, determinar a suspensão das garantias constitucionais e, inclusive, suspender provisoriamente as imunidades dos deputados federais e senadores.

Outras medidas

O paragrafo 3º do art. 152 diz que "a fim de preservar a integridade e a independencia do pais, o livre funcionamento dos Poderes e a pratica das instituições, quando gravemente ameaçados por fatores de subversão ou corrupção, o presidente da Republica, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, poderá tomar outras medidas estabelecidas em lei."

A lei de segurança

Saudada pelas correntes oposicionistas, na epoca de sua promulgação, como "um ato supressor das liberdades", a Lei de Segurança Nacional é outro instrumento que habita o governo a combater, com todo o rigor, os atentados terroristas e até mesmo as manifestações estudantis.
Definindo o conceito estrategico de segurança nacional e, pela primeira vez, o que seja "guerra psicologica adversa" e "guerra revolucionaria", aquele diploma legal estabeleceu uma serie de penalidades aplicaveis aos seus infratores.
Os atos de sabotagem verificados contra o Quartel do II Exercito e contra algumas ferrovias em São Paulo, são passíveis de pena de reclusão de quatro a doze anos. Mais branda é a pena aplicavel aos que participarem de comicio, passeata ou reunião publica não autorizada: de seis meses a dois anos de prisão. E alguem que ofenda a honra e a dignidade do presidente da Republica e dos presidentes da Camara, do Senado ou do Supremo Tribunal Federal, pode ser condenado a pena de detenção de um a três anos.

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