MORRE AOS 61 O SOCIÓLOGO BETINHO
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Publicado
na Folha de S.Paulo, domingo, 10 de agosto de 1997
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O sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, morreu às 21h10
de ontem, em sua casa, no Rio, em consequência de uma hepatite
do tipo C. Tinha 61 anos.
Betinho era portador do vírus HIV, causador da Aids, adquirido
em uma transfusão de sangue há 14 anos. Segundo seu
assessor, Átila Roque, Betinho morreu "sem sofrimento".
O corpo será velado hoje na Assembléia Legislativa do
Rio.
O presidente Fernando Henrique Cardoso disse que Betinho foi "um
exemplo de preocupação com os problemas sociais do país.
FHC afirmou que não deverá ir ao velório.
Betinho lançou, em abril de 93, a Ação da Cidadania
contra a Miséria e pela Vida, uma campanha de arrecadação
de alimentos.
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Betinho,
61, morre em casa e "em paz" |
da Sucursal do Rio
O sociólogo
Herbert de Souza, o Betinho, criador da Ação da Cidadania
Contra a Miséria e Pela Vida, morreu ontem, aos 61 anos,
no Rio.
Betinho sofria de Aids e morreu em consequência de uma hepatite
do tipo C, adquirida, como a Aids, em transfusão de sangue.
Segundo informou Átila Roque, assessor de Betinho, o sociólogo
morreu às 21h10, "em paz, tranquilo, sem dor e sem sofrimento".
Betinho estava em casa e vinha sendo sedado desde a noite de anteontem.
Seu corpo está sendo velado na Assembléia Legislativa
do Rio e deverá ser cremado amanhã no Cemitério
do Caju.
O cantor e compositor Chico Buarque chegou à casa de Betinho
cerca de uma hora depois da morte do sociólogo. Durante a
noite, o velório seria reservado a amigos íntimos
e à família.
Estado irreversível
Na madrugada de sexta para sábado, o estado de Betinho se
agravou, tornando-se irreversível. A única opção
de tratamento, um transplante de fígado, foi desconsiderada
porque Betinho, debilitado, não resistiria à cirurgia.
Betinho escolheu morrer em casa, em Botafogo (zona sul do Rio).
Por opção dele e de sua família, não
houve transferência para um hospital.
Há muitos anos Betinho já havia expressado a vontade
de morrer "como se morria antigamente", em casa, cercado
pela família e pelos amigos, segundo relatou o médico
que o acompanhava, o infectologista Walber Vieira.
O sociólogo lutou contra o vírus da Aids e contra
as complicações decorrentes da doença durante
12 anos. Segundo seu médico, Betinho sabia que era portador
do vírus da Aids desde 1985.
Acredita-se que Betinho tenha contraído o HIV cerca de dois
anos antes, por meio de uma transfusão de sangue realizada
no exterior. Hemofílico como seus irmãos Henfil, cartunista,
e Chico Mário, músico _ambos mortos pela Aids em 1988_,
Betinho tinha que se submeter a transfusões de sangue frequentemente.
A hemofilia é uma condição hereditária
que se caracteriza por hemorragias longas e abundantes.
Nos últimos meses, o quadro clínico de Betinho vinha
se agravando devido à hepatite.
O vírus da hepatite C, adquirido por meio de uma transfusão
de sangue, foi detectado em 94.
Em julho, Betinho passou 27 dias internado na Beneficência
Portuguesa, na Glória (zona sul do Rio).
Nesse período, sofreu de hepatite medicamentosa _causada
pelos medicamentos do coquetel antiaids_, estomatite (infecção
na mucosa da boca) e pneumonia.
Resistência minada
Vieira esclareceu que, ao morrer, Betinho não tinha "infecções
oportunistas" causadas pela baixa da resistência imunológica
determinada pelo vírus HIV.
A sucessão de enfermidades acabou minando a resistência
e a disposição de lutar que sempre foram seus maiores
trunfos.
Os amigos mais próximos perderam as esperanças depois
de ver que o próprio Betinho, esgotado pelo sofrimento imposto
pela doença, havia parado de lutar.
Ao voltar para casa, ele continuou a se alimentar por via enteral
(sonda).
Os médicos montaram uma pequena UTI (unidade de terapia intensiva)
em casa para Betinho, que tinha o acompanhamento também de
uma enfermeira e um fisioterapeuta.
Betinho era casado com Maria Nakano e deixa dois filhos: Henrique,
16, e Daniel, 31, este do primeiro casamento.
Ibase
O apartamento onde morreu é vizinho ao Ibase (Instituto Brasileiro
de Análises Sociais e Econômicas), fundado por ele
em 1981 e que se tornou uma das mais respeitadas ONGs (organizações
não-governamentais) do Brasil.
Atualmente, o Ibase sofre grave crise financeira.
Desde o final do ano passado, 12 funcionários pediram demissão
ou licença. A direção reduziu o expediente
ao horário da tarde e alugou salas do prédio.
A crise é atribuída ao corte dos recursos fornecidos
pelas agências internacionais de cooperação
e pela desvalorização do dólar diante do real.
Uma nova parceria com a Light deverá permitir doações
por meio de contas de luz para que o Ibase possa organizar a campanha
pela agenda social do Rio, que prevê atenção
às áreas de habitação, educação,
alimentação, urbanização e esporte.
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Engajamento
prolongou vida |
Da Sucursal do Rio
Infectologistas ouvidos pela Folha acreditam que o engajamento em
lutas políticas e sociais foi fundamental para que Betinho
prolongasse seu tempo de vida.
De acordo com esses especialistas, os pacientes que se mantêm
ativos e não se deixam abater pelo estigma da Aids, como Betinho,
conseguem resultados muito melhores no combate à doença.
Segundo Walber Vieira, que tratava do sociólogo, o contato
com o vírus se deu em 1983 ou antes.
Betinho, que era hemofílico, soube que estava com o vírus
em 1985.
Naquele ano e no anterior, porém, ele não recebeu nenhuma
transfusão de sangue.
O próprio Betinho acreditava, inclusive, ter sido infectado
numa transfusão ocorrida fora do Brasil, já que morava
no exterior no período provável da contaminação.
"O que temos visto é uma relação quase imediata
entre o desejo de viver do paciente e sua sobrevida", diz Carlos
Alberto Morais, médico do hospital Gaffrée Guinle, na
Tijuca (zona norte do Rio), um dos mais importantes do país
no tratamento de aidéticos.
"Sem dúvida nenhuma, todos os meus pacientes que tentam
viver normalmente retardam em muito a fase terminal", diz Saul
Bteshe, que tratou do cantor Renato Russo, também morto por
Aids.
Para Morais, Betinho pertencia ao grupo dos sobreviventes de longa
duração _aqueles que resistem durante dez anos ou mais
após o desenvolvimento da Aids.
Junto com os não-progressores (aqueles que não desenvolvem
a doença), eles representam cerca de 15% dos infectados.
"Os pacientes desses grupos têm em comum uma enorme vontade
de viver. Isso desencadeia processos químicos que ajudam no
combate à doença", diz Morais.
Bteshe concorda com essa avaliação. "Tenho dois
pacientes que estão com a doença há 11 e 9 anos
e que levam uma vida totalmente normal. Isso é pela cabeça
deles, porque o tratamento é o mesmo dos outros. O sucesso
do Betinho foi exatamente por isso."
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Aids
matou dois irmãos |
da Sucursal do Rio
Muito antes de sua agonia, o sociólogo Herbert de Souza enfrentou
a dor da perda de seus irmãos Henrique de Souza Filho, o cartunista
Henfil, e Francisco Mário Figueiredo de Souza, o músico
Chico Mário _também vítimas da Aids.
Com a morte de Henfil, em 4 de janeiro de 1988, ganhou destaque o
drama dos três irmãos hemofílicos que contraíram
o vírus da Aids em transfusões de sangue. Em 2 de março
de 88, morreria Chico Mário, aos 39 anos.
Dos oito filhos do fazendeiro Martiniano César e Maria Figueiredo
de Souza, Henfil era o mais conhecido _até que morreu e Herbert
de Souza, o Betinho, se projetou nacionalmente ao liderar campanhas
por um maior controle do sangue distribuído no país
e contra a fome e a miséria.
A primeira vez que o grande público teve uma referência
de Betinho foi por causa do irmão cartunista, no final dos
anos 70, quando Elis Regina gravou a música "O bêbado
e a equilibrista", de João Bosco e Aldir Blanc, em que
cantava que o país sonhava com "a volta (do exílio)
do irmão do Henfil".
Henfil foi uma personalidade de destaque na oposição
ao regime militar, principalmente no início dos anos 70, quando
passou a desenhar para "O Pasquim" e o "Jornal do Brasil".
Com o humor e a crítica sutil de seu traço, que criou
personagens como a Graúna e o Zeferino, mostrou as misérias
do país.
No final dos anos 70, também a partir de Henfil, ficaria conhecida
a mãe, a "Dona Maria", destinatária das cartas
que o cartunista publicava na revista "Isto É" falando
de problemas do Brasil.
Por ironia do destino, o arranjador, compositor e violonista Chico
Mário ganhou destaque nacional à época de sua
agonia e morte. Até então, ele conhecido apenas em um
círculo mais restrito.
Voltado principalmente para a música instrumental, o compositor
havia optado por um processo independente de criação,
para fugir das exigências e limitações artísticas
das grandes gravadoras.
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