O MINISTRO DO EXTERIOR COMUNICA AO GOVERNADOR: ENCONTRA-SE NO PARAGUAI O SR. ADEMAR DE BARROS

Telefonema do embaixador Macedo Soares ao sr. Janio Quadros - Comunicação, tambem, do consul paraguaio em São Paulo
Altas autoridades policiais encaravam com reservas até a meia-noite a noticia da fuga do ex-governador


Publicado na Folha da Manhã, sexta-feira, 09 de março de 1956

Neste texto foi mantida a grafia original

Às 14h 30 de ontem, o embaixador Macedo Soares, ministro do Exterior, telefonou ao governador Janio Quadros para informá-lo de que o sr. Ademar de Barros se encontrava no Paraguai, conforme comunicação recebida das autoridades daquele país.
Por volta das 16h 30, o consul paraguaio em São Paulo comparecia ao Palacio para fazer identica comunicação, baseada em informação da embaixada de seu país no Rio de Janeiro. O ex-governador, acrescenta o representante consular, encontrava-se desde anteontem à noite em Assunção, onde chegara em avião de sua propriedade, em companhia do piloto Armando Azevedo de Andrade e de duas outras pessoas.

Reserva nos meios policiais

A FOLHA DA MANHÃ tentou, pelo telefone e pelo telegrafo internacional, obter em Assunção pormenores sobre a chegada do sr. Ademar de Barros àquela capital - sem resultado nenhum até a hora que encerravamos o expediente normal.
Aliás a noticia da viagem do ex-governador para o Paraguai era encarada com reserva até por volta das 14 horas, pelas mais altas autoridades policiais do Estado.

Teria fugido de Rancharia

As informações iniciais sobre a fuga do sr. Ademar de Barros indicavam que seu avião teria levantado voo em Rancharia. Pelo telefone, entretanto, às primeiras horas da noite de ontem, o delegado de policia local anunciava à FOLHA que nenhum avião havia levantado voo do campo de aviação daquela cidade, situado, por sinal, nas proximidades de sua delegacia.

Como se faz a extradição

A noticia da fuga do sr. Ademar de Barros para o Paraguai suscitou, imediatamente, uma questão, que já vinha sendo posta desde o dia de sua condenação embora de forma puramente hipotetica. Consiste ela em saber se as autoridades brasileiras podem no interesse de prestigiar a decisão da Justiça, adotar medidas para conseguir a prisão do ex-governador no vizinho país e a sua posterior transferencia para esta capital. Em outras palavras, o que se pretende é saber se é ou não possível a extradição do sr. Ademar de Barros. Em principio, pelo menos, a medida é viavel. E no caso, dadas as características que apresenta, as possibilidades de se concretizar são as maiores possiveis. Esclareça-se, desde logo, que existe tratado de extradição, desde 1922, entre o Brasil e o Paraguai, conforme informações ontem obtidas no Rio pela reportagem das FOLHAS. A vista desse fato, outra coisa não resta fazer desde que confirmada a evasão para o país vizinho, que solicitar a remoção para São Paulo do chefe do P.S.P. A iniciativa nesse sentido, evidentemente, caberá à Secretaria da Segurança Publica, que é a quem cabe dar cumprimento ao mandado de prisão expedido pela presidencia do Tribunal de Justiça. O pedido deverá consoante determina o decreto-lei 394, de 28 de abril de 1938, ser transmitido ao Ministerio da Justiça e Negocios Interiores, que após examiná-lo, se o julgar procedente, o encaminhará ao Ministerio das Relações Exteriores. O pedido, naturalmente, será instruído com as informações necessarias sobre o crime praticado pelo ex-governador, e inclusive com dedos relativos à decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo. O Ministerio das Relações Exteriores, por sua vez, tomará as medidas necessarias, a fim de que seja o sr. Ademar de Barros preso no pais em que se encontra e removido para o Brasil.

Movimento incomum na Secretaría da Segurança

A informação de que o sr. Ademar de Barros viajou para o Paraguai manteve desde as 17 horas de ontem as mais altas autoridades de Secretaria da Segurança Publica em expectativa. Desde aquela hora reuniram-se no gabinete do sr. Arruda Sampaio, que somente se retirou do Palacio da Policia cerca das 21 horas, delegados-chefes dos departamentos recem-criados na Policia, srs. Guilherme Pires de Albuquerque, Egas Botelho, Geraldo Cardoso de Melo, Amoroso Neto, alem do chefe de gabinete do titular, delegado Rui Tavares Monteiro, e do sr. Martins de Arruda. A noite, por volta das 23 horas, tambem compareceu à Secretaria da Segurança Publica o delegado Coriolano Nogueira Cobra, titular da Especializada de Vigilancia e Capturas, e orientador das diligencias que se vêm processando nesta capital e no interior, no sentido de localizar o sr. Ademar de Barros.

Tentativa frustrada

Soubemos ainda que o delegado Amoroso Neto fez sucessivas tentativas no sentido de comunicar-se telefonicamente com as autoridades policiais paraguaias. Mas, segundo o mesmo informante, essas tentativas resultaram inuteis, sem que se concluisse nenhuma ligação.

Ceticismo

Somente cerca de meia-noite as altas autoridades policiais reunidas na Secretaría da Segurança se retiraram. Nessa ocasião, ouvimos varias delas sobre a propalada fuga do sr. Ademar de Barros para o Paraguai. Verificamos, então, que essa informação era, até aquela hora, encarada com reserva, motivo pelo qual as investigações em territorio paulista não deveriam sofrer soluções de continuidade.

As substituições de desembargadores

Em manifesto que teve ampla divulgação, o sr. Ademar de Barros se rebelou contra a decisão do Tribunal de Justiça no caso dos veiculos da Força Publica, dando a entender que ela não trazia a opinião autentica da corte paulista. E para justificar essa insinuação, o ex-governador alude a um verdadeiro ciclone que teria desabado sobre o Tribunal, provocando radical modificação em sua composição, o que explicaria a decisão condenatoria. Posteriormente, e em complemento às asserções do proprio acusado, propalou-se que os seus defensores, entre as razões que invocariam perante o Supremo Tribunal para demonstrar a nulidade do julgamento, fariam referencia ao fato de três juizes de primeira instancia terem dele participado. Que houve varias alterações na composição do Tribunal, é inegavel, que três juizes de primeira instancia participaram da sessão do dia 5 do corrente mês, é tambem fato incontestavel. O que porem não é exato é que isso constitua alguma irregularidade. Nem tampouco se poderá afirmar que essas substituições tiveram, direta ou indiretamente, alguma relação com o julgamento do caso dos veiculos da Força Publica. Nem a defesa do sr. Ademar de Barros, no momento oportuno, que era o inicio da sessão, levantou qualquer duvida quanto á composição do corpo de julgadores. Ao contrario, consultado pelo des. Amorim Lima, que presidia à reunião, se desejava fazer alguma recusa, o prof. Ataliba Nogueira prontamente respondeu que aceitava todos os juizes presentes.
Por outro lado, tais substituições, para os que têm contacto com a vida forense, são fatos normais, de todos os dias mesmo, e que não causam surpresa a ninguem. E nem poderiam causar, pois estão expressamente previstos na legislação especial, referente ao Tribunal.

Como se deram as substituições

Interessa porem verificar como se deram as substituições, que tantos comentarios têm ocasionado. Da sessão do dia 5 participaram os substitutos de desembargador Erix de Castro, Acacio Rebouças, Sousa Queirós, Rodrigues Alckmin e Ferreira de Oliveira. Tambem participaram os juizes Julio Inacio Bonfim Pontes, Mario Hoppner Dutra e Heraclites Batalha de Camargo. Oito substituições, portanto, se verificaram. Quanto e por que eles ocorreram, são os pontos que interessam.
O sr. Erix de Castro foi convocado para substituir o des. Teodoro Dias, que entrou no gozo de licença-premio no dia 1.o de fevereiro, devendo reassumir as funções no dia 16 do corrente mês. O sr. Acacio Rebouças substituiu o des. Breno Caramuru Teixeira, que entrou em gozo de licença-premio no dia 1.o de fevereiro, para reassumir no dia 10 de março. O sr. Sousa Queirós substituiu o des. Olavo Lima Guimarães, que entrou em licença-premio no dia 15 de fevereiro de 1956, devendo reassumir no dia 24 de abril. O sr. Rodrigues Alckmin substituiu o des. Barros Monteiro, que se acha em gozo de licença desde o dia 1.o de fevereiro, devendo reassumir no dia 24 de março. E o sr. José Carlos Ferreira e Oliveira está substituindo o des. Vasco Conceição, que entrou em gozo de ferias no dia 2 de fevereiro, devendo reassumir no dia 16 de março.
Note-se que eram esses os unicos substitutos de desembargador que poderiam, na ocasião, ser convocados, pois os srs. Hildebrando Dantas de Freitas e Arlindo Pereira Lima, que antes eram substituidos, tinham sido promovidos, poucos dias antes, para o Tribunal de Alçada. Alem disso, o sr. Julio d'Elboux Guimarães, estava em ferias. E os srs. Cavalcanti Silva e Vieira Neto estavam substituindo no Alçada. Foi assim necessario convocar três juizes para preencher os claros deixados no Tribunal, com a ausencia dos des. Marcio Munhoz, que entrou em ferias no dia 1.o de fevereiro, Carvalho Pinto, que entrou em ferias no dia 28 de fevereiro e Augusto de Lima, que se encontra em licença, para tratamento de saude, desde o dia 5 de março do corrente mês. Por isso foram convocados os srs. Mario Hoppner Dutra, Heraclites Batalha de Camargo e Julio Inacio Bonfim Pontes.

A legalidade das substituições

Quanto à legalidade das substituições, nenhuma duvida pode ser levantada. Desde 1940, quando foi promulgado o decreto-lei 11.058, já era prevista a possibilidade de juizes de primeira instancia virem a substituir, no Tribunal, os titulares, desde que não houvesse desembargadores disponiveis. Essa possibilidade era expressamente estabelecida no art. 87. II, letra "d" do decreto-lei 11.058, de 26 de abril daquele ano. Logo, porem, se cogitou de mudar esse sistema, pois dele decorriam serios embaraços para a Justiça de primeira instancia, pois frequentemente eram convocados para o Tribunal, titulares das diferentes varas, ficando estas prejudicadas. Foi por esse motivo que se cogitou da criação de cargos de juizes de 4.a entrancia, substitutos de desembargador. Sobreveio então o decreto 15.551, que criou 6 cargos de substitutos. O decreto-lei em apreço, em seu art. 4.o, não esqueceu porem de estabelecer: "Quando, por falta de substitutos, não seja possivel efetuar a substituição dos desembargadores pela forma prescrita na presente lei, será aplicado o disposto no artigo 20 do decreto-lei 14.234 citado". O invocado artigo 20, por sua vez, dispôs: "No caso de licença de desembargadores, a Camara desfalcada poderá deliberar a substituição na forma da legislação vigente ou a convocação de um juiz de primeira instancia da comarca de São Paulo". Essas disposições continuaram a vigorar mesmo depois da promulgação da lei 2.846, de 9 de dezembro de 1954, que criou mais seis cargos de substitutos. E é com base nelas que se fazem, toda vez que há necessidade, convocações de juizes de primeira instancia. As convocações feitas agora, como se vê dos dados acima expostos nada de extraordinario possuem. São fatos normais e mesmo previstos expressamente em lei.

A defesa agirá após a publicação do acordão

O sr. Pedroso Horta está agora firmemente resolvido a aguardar a publicação do acordão do Tribunal de Justiça, no caso dos veiculos da Força Publica, para então adotar a medida que julgar conveniente ao seu constituinte. Não quer precipitar-se, tomando qualquer providencia que, após venha a se revelar inconveniente, através da leitura da decisão.
Por outro lado, o patrono do sr. Ademar de Barros dirigiu ontem um telegrama ao sr. Rivadavia Maia, o advogado que no Rio tomou a iniciativa de impetrar uma ordem de habeas-corpus a favor do sr. Ademar de Barros, a fim de que desista do seu pedido. O telegrama do sr. Pedroso Horta está assim redigido:
"Qualidade advogado casal Ademar de Barros rogo prezado colega suspender processamento quaisquer medidas judiciais. Não se pode subtrair do acusado direito de defender-se plenamente pelos meios que melhor se lhe afigurem. Há graves inconvenientes na formulação de argumentos, sejam quais forem, antes da publicação acordão do Egregio Tribunal paulista. Aceito desvanecido preciosos suprimentos colega, solicitando remessa copia seu requerimento. Encareço contudo todos os amigos, admiradores honestos e sinceros Ademar de Barros, necessidade absterem-se iniciativas isoladas e autonomas, nocivas preservação seus sagrados e intrangiveis direitos individuais. Atenciosamente, Oscar Pedroso Horta".

O caso de urna marajoara

O caso de urna marajoara está progredindo. Ontem, o des. Samuel Mourão, que é o relator do feito, inquiriu mais uma testemunha, o sr. Sergio Buarque de Holanda, diretor do Museu Paulista. Confirmou ele, em suas declarações, a descrição dos fatos, feita na denuncia. Entretanto, nada sabia sobre o que se verificara no Pará. Por intermedio do sr. Frederico Baratá, tivera conhecimento que a urna havia sido remetida de Belem para São Paulo, mas que não havia chegado ao museu. E através de uma carta recebida do sr. Felisberto Camargo, viera a saber que a urna tinha sido entregue a um emissario do sr. Ademar de Barros. O sr. Sergio Buarque de Holanda revelou tambem que por diversas vezes, procurou entender-se com o sr. Ademar de Barros, a fim de obter que lhe fosse entregue a urna. Varias dificuldades tinham porem surgido. A ultima tentativa feita foi à epoca da ultima campanha presidencial. O sr. Sergio Buarque de Holanda explicou, porem, que jamais ouvira do sr. Ademar de Barros a afirmação de que a urna estivesse em seu poder. Revelou, entretanto que o museu nunca solicitou que o sr. Ademar de Barros transportasse a reliquia para esta capital. Esclareceu, por ultimo, que o seu proposito, quando cuidara do assunto, era exclusivamente obter a urna, pois jamais tivera preocupações politicas.

Sigilo absoluto em torno das providencias para o cumprimento do mandado de prisão

No plano policial, para onde converge presentemente a atenção não só da população de São Paulo, como das demais Estados, como referencia ao cumprimento do mandado de prisão expedido contra o sr. Ademar de Barros, ainda nada transpirou que pudesse atender ao desejo dos leitores em saber o que foi feito até agora. O delegado Coriolano Nogueira Cobra, titular da Especializada de Vigilancia e Capturas, responsavel e orientador nas diligencias que podem estar em execução, permanece, seguindo a sua classica e velha orientação - conforme insiste em proclamar a todos os jornalistas - quase sempre calado, ar grave e, às vezes, para não desgostar os reporteres, estampa um sorriso breve, seguido de duas ou três palavras que nada têm a ver com o momentoso caso.

"A população está avida de outras coisas"

Conforme se percebe pelo noticiario dos jornais, as informações na Policia são excessivamente escassas. Os poucos investigadores incumbidos de cumprir o mandato tambem cairam, por ordem expressa do sr. Coriolano Cobra, em mutismo total. Mesmo diligencias que poderiam ser acompanhadas pela reportagem e, posteriormente, divulgadas, são subtraidas ao conhecimento dos jornalistas. Ignora-se completamente - e isto se deve exclusivamente ao obstinado e irremovivel proposito daquela autoridade em nada informar, "a não ser quando surgir qualquer fato positivo" - o que se fez até agora ou o que se pode fazer.
Ponderamos ao sr. Cobra que a população a seguir esse comportamento, é conservada alheia aos fatos e que, como é evidente está ela avida de informações que os jornais não podem transmitir. Um sorriso leve e nova resposta fugindo ao assunto: - "A população está avida de outras coisas".

Um jornalista do Rio frustrado e um delegado com ar de satisfação

Essa conduta do sr. Cobra, levada a rigor tão extremada, é alvo de toda a reprovação. Chega a criar situações dificeis para os proprios jornalistas. Sabemos que nem todos as providencias policiais devam ser dadas à reportagem. Mas escondê-las em sua totalidade, mesmo as que em nada influem no bom andamento dos trabalhos, é dificultar ou até anular a unica fonte de informação do publico, que é o jornal.
Para coroar, temos um episodio, narrado pelo proprio sr. Cobra. Um jornalista do Rio, incumbido de fazer a cobertura do caso, veio a São Paulo. Preocupou-se naturalmente, como unico passo a dar, em procurar o sr. Cobra. Houve o contacto, que se prolongou por algum tempo. E o sr. Cobra, com certo ar de satisfação, referindo-se ao resultado do encontro, disse aos reporteres: - "O jornalista saiu de minha sala com uma unica e preciosa informação: há um mandado de prisão contra o sr. Ademar de Barros."

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