"VOCÊ TEM UM DEVER A CUMPRIR"
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Publicado
na Folha da Manhã, sexta-feira, 09 de julho de 1954
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Neste texto foi mantida a grafia original
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Na data de hoje, há 22 anos, São Paulo se unia para
um dos mais belos movimentos de nossa historia. Homens e mulheres,
velhos e crianças, cada qual com seu quinhão de esforço,
empenharam-se numa luta heroica pela restauração da
democracia em nossa patria. Embora derrotados militarmente, os paulistas
conseguiram ver o seu ideal concretizado: a ditadura foi banida, e
o povo se reintegrou na posse de seus mais legitimos direitos. Hoje,
São Paulo se engalana para comemorar a data tão cara
a todos os corações, e para cultuar os que tombaram
nos campos de batalha. Pela memoria dos que viveram a epopéia,
passarão os imagens da gloriosa arrancada civica. Na época
uma ilustração fixou um dos marcos do movimento inesquecível:
nos dias agitados da Revolução, o cartaz, colocado em
cada esquina, aparecia como uma ordem irrecusavel: "Você
tem um dever a cumprir. Consulte a sua conciencia".
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São
Paulo comemora hoje uma das maiores datas nacionais |
Expressivas solenidades assinalarão a passagem do aniversario
da Revolução Constitucionalista de 1932
É
grato aos paulistas verificar que, pouco mais de dois decenios decorridos
da Revolução Constitucionalista, desapareceram as
prevenções e os ressentimentos, inevitaveis em instantes
como aquele. As comemorações do 9 de julho, que hoje
se realizarão em São Paulo, trazem a solidariedade
de todo o Brasil.
Aliás, nem deveria ser de outra forma. A Revolução
Constitucionalista foi, nitidamente, um movimento nacional. O objetivo
dos revolucionarios - entre os quais havia brasileiros de todos
os Estados - era restaurar, no país, o regime da lei, através
da convocação de uma Assembléia Constituinte
que devolvesse ao Brasil as bases constitucionais derrubadas em
1930, portanto, um movimento que se erguia em São Paulo -
com ramificações, embora fracassadas, em outros Estados
- objetivando o bem do Brasil.
Poucas vezes haverá, na historia, tão empolgante união
de um povo. A revolução de 9 de Julho uniu todas as
energias dos paulistas, para consecução do alto objetivo
patriotico visado. Não apenas os jovens seguiram para as
frentes de combate, mas também homens de responsabilidade,
cheios de serviços à nação, pegaram
em armas para defesa do ideal comum. Ao lado deles, a apoiá-los
e a incentivá-los, o trabalho incansavel da mulher paulista,
consubstanciado na confecção de roupas e de agasalhos
para os soldados, na angariação de recursos para as
despesas militares, na organização de cozinhas de
emergencia destinadas aos soldados em transito, e sobretudo na fé
com que sustentavam a causa constitucionalista. Tambem se mobilizaram
a ciencia e a tecnica, em São Paulo, para apoiar as forças
constitucionalistas: no I.P.T., na Escola Politecnica, promoveu-se
a adaptação do parque industrial paulista à
industria de guerra. E fizeram-se em São Paulo, durante o
sitio de três meses que teve de suportar, desde granadas de
mão até os mais modernos aparelhos de guerra. Enquanto
isso, a Campanha do Ouro, com o apoio entusiasmado da população
paulista, arrecadava jóia e alianças para transformá-las
nos recursos belicos de que as forças constitucionalistas
necessitavam.
A derrota militar não importou, na derrota do ideal constitucionalista.
A semente lançada pelas forças brasileiras, que se
ergueram em São Paulo em favor da reconstitucionalização
do país, logo deu frutos. E em 1934 já o Brasil retornava,
através da Constituição, ao regime da lei e
da ordem pelo qual tanto sangue e tantas lagrimas se derramaram
em São Paulo.
O dia 9 de Julho de 1932 não marca, portanto, uma data paulista.
assinala, ao contrario, uma grande data nacional, em que se vai
encontrar um exemplo de dedicação ao regime democratico
e de amor ao Brasil.
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"A
Revolução de 1932 foi uma lição de civismo
ao Mundo" |
Guilherme de Almeida fala a proposito das comemorações
de 9 de Julho
O poeta
Guilherme de Almeida, atual presidente da Comissão do IV
Centenario, participou da campanha de 32, na qual entrou e saiu
como soldado raso. Foi preso a 10 de outubro e enviado ao Rio, para
a Casa de Detenção. Daí saiu para Recife de
onde, por via maritima, seguiu para a Europa, exilado, como dezenas
de outros paulistas que haviam defendido a causa constitucional.
Na revolução, antes e acima de tudo, ele vê
uma campanha de brio. Instintiva e intuitivamente, o paulista sentia
que não poderia viver fora de ordem. E, partindo daí,
o autor de "A Bandeira Paulista", relata o movimento de
32, sob seus aspectos mais nobres.
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Conteúdo
de Beleza |
- "A beleza da guerra de 32 - inicia - foi seu sentido civil.
Tudo quanto foi organizado politica: errado. Tudo quanto foi organização
civil: certo, certissimo.
"Deu-se, em São Paulo, o fenomeno da fusão perfeita
de todos os fatores de uma nacionalidade. Não houve, então,
distinção de cor politica, nem de credos religiosos,
nem de condições, nem de idade, nem de nacionalidade,
nem mesmo de sexo, porque a mulher foi tão forte quanto o homem.
Nisso é que residiu a beleza da nossa epopéia."
Guilherme de Almeida fita profundamente o ar. Parece tirar do abstrato
vivas recordações do tonitroar dos canhões, do
pipocar da metralha, da inflamação da turba popular,
protestando veementemente contra o crime da ditadura que tentava amordaçar
todo o país. Nomes passam esparsos por sua memoria. Vão
tomando vulto, crescendo e ele lembra Ibraim Nobre, com seus discursos.
Depois sorri, suga o cigarro, risca arabescos na tarde de frio, exclamando:
"Foi a beleza da revolução que envolveu o povo.
A luta foi bela, brava, estoica e a vencemos, do ponto de vista ideologico,
em todos os pontos. Todos cooperaram. As colonias estrangeiras forneceram
de tudo. Ambulancias, fardas, alimentação. Lembro-me,
tambem, de um episodio tocante, para ilustrar quão belo e nobre
foi nosso movimento. A colonia de russos brancos de Vila Alpina, com
cerca de 700 membros, era pauperrima. Nada pode oferecer à
nossa guerra. No entanto, o sangue da liberdade e do direito latejava
em suas veias como nas nossas. A despeito da sua pobreza, os russo
brancos jejuaram, em seu templo, todo um dia, e os alimentos economizados
foram doados à causa da Constituição.
"São Paulo - frisa Guilherme de Almeida - era uma peça
só. Fundiu-se no fragor da ante-luta, ansioso por ordem e por
progresso, para que o distico de nossa bandeira fosse honrado. Era
mister que voltasse a ordem. Todos sentiam essa necessidade.
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Ouro
e café |
Tão logo foi ateado fogo ao rastilho que levaria São
Paulo à campanha revolucionaria de 32, o povo saiu à
rua. Comicios, discursos, exigencia da volta ao regime legal. Organização,
armas, homens, revolução.
E esse corpo unico, com um unico coração, deu tudo que
pode pela guerra paulista. A campanha do ouro, conforme ressaltou
o entrevistado, foi uma prova e outros fatos tocantes falam da fé
dos paulistas e de todos quanto aqui residiam na idéia revolucionaria.
De certa feita, na longa fila da entrega dos pertences de ouro para
a causa justa, destacou-se uma preta velha. Ombros arcados, mãos
engelhadas, chale na cabeça, sobraçava um pequeno embrulho.
Dela se aproximou um funcionario, solicito e acolhedor, a fim de auxiliá-la,
pois não estava mais em condições de permanecer
interminaveis minutos numa fila, dizendo-lhe que poderia entregar
sua oferenda pessoalmente.
A velhinha esticou-se em passos lerdos, depositou o embrulho no balcão
e ao abri-lo, ofereceu, aos heróis de 32, um quilo de café
em grão. A surpresa foi geral e ela, velha paulista de coração
livre, explicou, com simplicidade: "É pros soldado. Pidi
ismola um dia intêro, pra podê comprá. Dô
di coração..."
Ela era o povo. Era o simbolo de uma gente. A figura estoica, gritando
por legalidade, por direito, por oxigenio para respirar.
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Lição
de civismo |
Guilherme de Almeida não cansa. Rebusca os cantinhos mais longinquos
da memoria, que estão no proprio coração e diz
quase num brado: "A revolução de 32 foi uma lição
de civismo ao mundo. Era a continuação historica de
uma linha reta de nossas tradições. Vamos lembrar: primeiro
foram os cruzados, lutando pelo Santo Sepulcro, por puro idealismo.
Depois a busca dos mares, a procura de novas terras, pelos nossos
antepassados portugueses, num impeto de novos horizontes e novos ideais.
Mais tarde, após o desembarque de São Vicente e a subida
da Serra do Mar, as nossas Bandeiras. Tudo isso contem beleza e idealismo
pois os bandeirantes morreram pobres. Portugal não manteve
as colonias, os cruzados nada ganharam de material. Essa continuidade
culminou, pois, na realização de outro ideal paulista:
a volta à legalidade.
"Nós vencemos a revolução de 32. Vencemos
porque conseguimos a restauração do regime consitucionalista.
Nossa derrota, nas armas, ecoou como um aviso aos nossos compatriotas.
Era chegada a hora das definições e o governo não
pode manter-se neutro. Ganhamos, pois, a revolução.
Não queriamos sangue dos nossos irmãos. Queriamos, isso
sim, a perpetuação da ordem, do direito e do progresso.
Lutamos pelo Brasil, portanto.
"Nada mais me cabe dizer. O poeta ajeita-se na poltrona, fita-nos
sorridente, acrescentando: Há outros que fizeram muito mais
do que eu. Fui soldado e voltei soldado. Lutei como qualquer outro.
Heróis são os que tombaram. A revolução
foi isso, diga ao nosso povo: um movimento com um conteudo de beleza
inexistente em outro qualquer, tal a sua pureza e a sua finalidade.
Nove de julho é uma data paulista, porem uma data que serve
de exemplo a todos os povos do mundo."
Texto
de Domingos de Lucca Jr.
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