CLERO PAULISTA DEBATE PRISÕES


Publicado na Folha de S. Paulo, segunda-feira, 9 de dezembro de 1968

Neste texto foi mantida a grafia original

O clero paulista, sob a coordenação de d. Agnelo Rossi, reune-se hoje na Chacara Paulo VI, no km 17 da BR-2, para debater, segundo alguns sacerdotes, a prisão de padres ocorrida em Minas. Amanhã, dará entrada no STM o habeas corpus em favor dos três clerigos franceses e do diacono presos em Belo Horizonte, acusados de subversão. Enquanto isso, frei de SP e bispo de Volta Redonda condenam as prisões.

Amanhã no STM o habeas em favor dos padres presos

RIO (Sucursal) - Assinado pelos advogados Ariosvaldo Campos Pires e Gemailei Campos, pelo arcebispo d. João de Resende Costa e pelo bispo auxiliar d. Serafim Fernandes de Araujo, darão entrada amanhã, às 13 horas, no Superior Tribunal Militar, os habeas-corpus em favor dos três padres franceses e do diacono presos em Belo Horizonte, acusados de subversão.
O recurso será fundamentado na "incompetencia do Exercito para proceder à apuração das infrações contra a Segurança Nacional e a Ordem Politica e na falta de requisito essencial para a decretação da prisão preventiva".
O pedido, que tem 15 laudas, destaca que o padre Xavier Berthou, principal implicado nos depoimentos, foi introduzido pela tecnica empregada no interrogatorio. O advogado Sobral Pinto foi contratado especialmente para acompanhar o caso junto ao STM.

Podem deixar o país

O superior-geral da Congregação dos Assuncionistas, padre Henri Guilhermin, ordem a que pertencem os três padres detidos, está a caminho do Brasil para acompanhar o caso, devendo debater com o provincial do Brasil, padre Bernard Andrieux, a possibilidade de deixarem o país porque - frisa - "não adianta ficarmos se não pudermos pregar o evangelho".
Os três padres assuncionistas detidos, hoje, possivelmente, serão transferidos do Colegio Militar de Belo Horizonte para o quartel de Juiz de Fora.
Embora continue se recusando a comentar publicamente a crise no clero brasileiro, o nuncio apostolico, d. Sebastião Baggio, disse que os padres têm inteira liberdade de recorrer a Roma para a solução de seus problemas, mas lembrou que não estão sozinhos aqui, pois a CNBB e a Nunciatura continuam atentas".
O nuncio apostolico confirmou as noticias de que o papa Paulo VI está recebendo amplas e pormenorizadas informações sobre a crise.

D. Agnelo reune o clero hoje

Sob a coordenação do cardeal d. Agnelo Rossi, o clero estará reunido hoje na Chacara Paulo VI, situada no quilometro 17 da BR-2, para debater problemas - segundo alguns sacerdotes - ligados à prisão dos padres em Belo Horizonte.

Não teme

"A Igreja não teme a verdade e a justiça", disse ontem o cardeal Agnelo Rossi, referindo-se aos padres presos e acusados de subversão, em Minas Gerais, após ter celebrado missa de 20 aniversario de fundação da Confederação das Familias Cristãs, na sede da entidade.
E acrescentou: "O problema é da competencia do bispo de Belo Horizonte, em quem deposito toda confiança. No ambiente da Conferencia Nacional dos Bispos nosso secretario-geral está acompanhando os acontecimentos para me fornecer todos pormenores. Acho que o assunto não é tão grave e não merece o destaque que está recebendo da imprensa. Quero, entretanto, felicitar a Folha de S. Paulo pelo seu editorial de domingo onde a crise religiosa surgida em Minas é colocada nos devidos termos".

O Editorial

O editorial da Folha de S. Paulo, publicado ontem e citado por d. Agnelo Rossi faz as seguintes considerações:
"Depois da detenção de varios padres em Belo Horizonte, acusados de atividades subversivas, já se fala em investigar as atividades de outros sacerdotes e organizações catolicas, de São Paulo, igualmente colocados debaixo daquela mesma suspeição; anuncia-se a iminencia de prisões na Guanabara. E isso sem esquecer que já houve quem pedisse a prisão do bispo de Cratéus, lá no Nordeste, a pretexto de estar ele comprometido em movimentos guerrilheiros. É o caso de perguntar: a quem interessa aprofundar as divergencias entre a Igreja e o governo? Se há entre ambos alguns mal-entendidos, não seria mais inteligente e patriotico tentar removê-los?
Em outro trecho, o editorial traz a seguinte observação:
"Sabem todos que em determinadas corporações, ou instituições, o sentimento de solidariedade é muito forte, fazendo com que os agravos eventualmente cometidos contra um de seus componentes tendam a ser encarados como ofensa à corporação ou instituição toda". Poucas coisas tão ruins poderão acontecer ao País como uma ruptura entre o governo e a Igreja. Quaisquer que sejam os erros que elementos vinculados a um ou a outra cometam, as areas mais responsaveis de ambas as partes têm o dever de tudo fazer para impedir que as divergencias se tornem insanaveis. Infelizmente, não é o que se está vendo; tudo serve de pretexto para, sob a alegação de reprimir atividades subversivas, tentar evitar que a Igreja participe mais ativamente dos grandes problemas sociais de nossa terra. O conservadorismo mais retrogado aproveita-se dos desacertos ou exageros de um ou outro sacerdote, para com isso procurar negar a validade das teses que a Igreja vem sustentando a partir das ultimas enciclicas papais e da recente Conferencia dos Bispos Latino-Americanos."
O editorial da Folha conclui que "é com tais elementos que se cria uma questão religiosa; e é para que não haja essa questão, com todas as suas delicadas implicações, que se deseja que o bom-senso se instale na cabeça de todos quantos têm responsabilidade pelos destinos da nação."

Em São Miguel

Enquanto isso, em São Miguel Paulista, foram distribuidos panfletos convocando o povo para uma tomada de posição.

D. Helder regressa e silencia

RIO (Sucursal) - Evitando falar sobre a atual crise entre a Igreja e o governo no Brasil, com a prisão de varios padres assuncionistas em Minas Gerais, alegando que "" caso está sendo tratado diretamente pelo arcebispo do Rio de Janeiro", regressou de Dacar o arcebispo de Olinda e Recife, d. Helder Camara e ontem mesmo viajou para a capital pernambucana.
— "Varias vezes havia passado por aeroportos africanos. Pela primeira vez, desembarquei na Africa, dialoguei com africanos. É emocionante encontrar irmãos do Terceiro Mundo às voltas com os mesmos problemas de promoção humana e conscientização das massas", foram as unicas declarações de d. Helder, numa breve apreciação sobre sua viagem a Dacar, onde pronunciou conferencia e participou de um congresso de juristas cristãos.

O bispo de Volta Redonda diz que a Igreja não vai recuar

RIO (Sucursal) - "A Igreja não vai recuar em sua luta e prosseguirá ao lado dos oprimidos e dos menos favorecidos" - disse d. Valdir Calheiros, bispo de Volta Redonda, Barra Mansa e Barra do Piraí, depois de fazer, na igreja de São Geraldo, durante a missa que celebrou para milhares de fiéis, a advertencia de que "ninguem se espante se o bispo de Volta Redonda vier a ser preso, por pregar contra a injustiça e a opressão".
Após celebrar a missa d. Calheiros disse: "É muito serio e grave o problema e a crise que envolve a Igreja com as autoridades". A represalia aos padres é uma injustiça, porque os sacerdotes defendem uma causas justa. A Igreja não deseja favores nem quer complacencia. Os padres só pleiteiam justiça". Depois confessou-se "admirado por ter o general Siseno Sarmento, comandante do I Exército, procurado o cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, d. Jaime de Barros Camara, e não d. Agnelo Rossi, cardeal-arcebispo de São Paulo e presidente da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil, nem o arcebispo de Belo Horizonte, para exibir-lhes as provas, arroladas contra os três sacerdotes franceses, presos em Minas Gerais e acusados de subversão".
— Acredito que devam existir outras provas, diferentes das que foram exibidas à imprensa, em fase do espanto do cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, porque as mostradas aos jornalistas não comprovam nada contra os sacerdotes presos", disse o bispo de Volta Redonda.
E continuou: "A posição assumida hoje pela Igreja, mexe com as consciencias daqueles que estão no poder. Acho que as duas notas da Comissão Central da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil, que de todos são conhecidos, situou bem a posição e o pensamento da Igreja. A Igreja, fiquem todos certos, não recuará. Ela está ao lado dos oprimidos, dos injustiçados e dos menos favorecidos. A repressão contra os padres não é apenas em Belo Horizonte, mas em todo o país. A campanha contra eles é no sentido de calar a Igreja, de silenciar os padres".

Sermão

Antes de conceder entrevista, d. Valdir Calheiros fez um longo sermão para os fiéis na igreja de São Geraldo, em Volta Redonda, quando falou sobre a declaração dos direitos do homem e analisou o problema da escravidão no porque Jesus Cristo lutou e pregou o direito do trabalho a País, afirmando que "a Igreja luta contra a escravidão, todos, o respeito mutuo entre os homens e a garantia do trabalho e de todos se reunirem e se organizarem".
Disse d. Valdir Calheiros, em tom de denuncia, que, em Volta Redonda, os trabalhadores são obrigados, em um regime condenavel, a prestar serviços recebendo apenas a metade do salario minimo e alguns até um terço do minimo vigente na região, sem que as autoridades tomem qualquer providencia para coibir o abuso, que se constitui num autentico crime contra o País e as leis vigentes no Brasil".
No final, leu um documento que está sendo distribuido em todas as Igrejas de sua diocese, condenando a escravidão e defendendo o direito dos homens.

Frei condena prisões em Minas

"Em Minas, padres que procuravam exercer seu sacerdocio e pregar o Evangelho foram presos; contra eles forjaram-se documentos e confissões falsas, sem a presença de testemunhas; isso significa que a Igreja no Brasil está se tornando uma força perigosa, indesejável", afirmou em seu sermão de ontem, no convento dos dominicanos, frei Sergio, superior da ordem em São Paulo, ante grande numero de fiéis.
E prosseguiu o sacerdote: "É necessario que tenhamos calma e sobretudo que não nos deixemos amedrontar; é necessario que sejamos firmes no Evangelho porque ele é uma pregação da verdade".
Referindo-se ainda os ultimos acontecimentos de Belo Horizonte, quando dois padres e um diacono foram presos acusados de subversivos e ligados à guerrilha, afirmou frei Sergio:
"Novas ameaças de pressão são feitas e prometidas: devemos evitar a dramaticidade; não devemos, porém, achar que a Igreja está passando por uma crise grave - estes são episodios normais desde que se decida a seguir o Evangelho."
"Percebe-se, entretanto - continuou - que a Igreja está sendo utilizada como instrumento para distrair a atenção do povo".

A paz prometida

Quanto às acusações partidas de setores militares, segundo as quais os padres estariam atualmente "distanciando-se do Evangelho por pregar a luta e não a paz e a concordia", observou frei Sergio:
"A paz e a concordia não podem ser possiveis com a aceitação pacata e pusilanime das injustiças; elas somente poderão ser conseguidas com muita luta contra o que divide os homens —o odio, a injustiça, a mentira".
"Queremos uma paz que supõe uma denuncia e uma luta sem treguas; luta esta contra as forças da injustiça, desigualdade, odio e violencia. É necessario que lutemos, que entreguemos nossas vidas com coragem", finalizou.

Paroco da PUC comemorou ontem 20 anos de sacerdocio com missa

Hinos religiosos cantados em ritmo das baladas dos Beatles e de Roberto Carlos deram o toque especial à missa de 20.o aniversario de sacerdocio do monsenhor Benedito, paroco da Igreja da Universidade Catolica.
O sacerdote foi o oficiante da missa, tendo ao seu lado um irmão e uma irmã. A missa foi solene, com a primeira comunhão de quatro jovens e o batismo de dois meninos. Terminada a cerimonia, monsenhor Benedito dirigiu-se para a porta da igreja, onde recebeu os cumprimentos de seus paroquianos.

No lugar do bispo

Monsenhor Benedito, um sacerdote simpatico, de cabelos prematuramente grisalhos, nasceu em 1920, em Mococa, onde fêz seus estudos primarios no Colegio Barão de Monte Santo. Transferindo-se para Piracicaba, iniciou o curso secundario no Seminario Franciscano, concluindo-o no Seminario Menor de Pirapora.
Os ultimos estudos religiosos de monsenhor Benedito foram realizados no Seminario Central do Ipiranga. Doutorando-se em teologia pela Universidade Catolica, foi aprovado com distinção e louvor ao defender a tese "Nossa Senhora, medianeira de todas as graças".


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