77 MILHÕES PASSAM FOME


Sarney recebe do sociólogo Hélio Jaguaribe um plano para combater a miséria no país

Publicado na Folha de S.Paulo, quarta-feira, 9 de abril de 1986

O sociólogo Hélio Jaguaribe, 62, entregou ontem ao presidente José Sarney um plano de metas até o ano 2.000, com o qual o governo pretende combater a fome e a miséria absoluta que afetam 60% dos brasileiros - 76,9 milhões de pessoas, segundo dados de 1984 do IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O estudo foi encomendado em agosto do ano passado e servirá de base para a implantação de programas sociais, como a distribuição de alimentos à população de baixa renda. O presidente comentou durante o encontro que está "irreversivelmente dedicado ao esforço de modificar a sociedade, para torná-la mais equitativa e mais humana", disse Jaguaribe à Folha.
O ministro do Planejamento, João Sayad, afirmou que o plano "não prevê somente programas assistencialistas. Existem programas de educação, de combate a doenças endêmicas, de alimentação popular associada a política agricola, enfim, programas sociais abrangentes". Segundo o ministro, só se fará distribuição de renda no país através de "salário mínimo, reforma agrária, produção de alimentos e democracia.".
O "Brasil 2000" recomenda que se aplique, no mínimo, 12,5% do Produto Interno Bruto (PIB) no setor social. Atualmente, 10,5% são canalizados para essa área.
O custo de vida dos paulistanos registrou queda real de 1,28% em março, em relação à última semana de fevereiro, período imediatamente anterior à introdução do Plano de Estabilização Econômica, segundo a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas). Essa foi a primeira deflação no custo de vida. A participação dos alimentos - com maior peso na composição do índice - foi decisiva para essa baixa.

Miséria atinge 60% da população do país, aponta estudo

O sociólogo Hélio Jaguaribe, 62, entregou ontem ao presidente José Sarney um plano de metas até o ano 2.000 com o qual pretende levar os brasileiros a níveis de vida compatíveis aos dos habitantes dos países do sul da Europa. São trezentas páginas datilografadas, onde o combate à fome e à miséria absoluta que afetam 60% dos brasileiros - segundo o relatório - é prioritária.
O estudo foi encomendado em agosto do ano passado e servirá de base para a implantação de programas sociais do governo, como a distribuição de alimentos à população de baixa renda. O presidente José Sarney comentou, durante o encontro, que está "irreversivelmente dedicado ao esforço de modificar a sociedade para torná-la mais equitativa e mais humana", disse Jaguaribe à Folha.
Ouvido ontem à noite pela Folha, por telefone, o professor Jaguaribe informou que os dados utilizados no trabalho de sua equipe são da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). "Nossa pesquisa, como não poderia deixar de ser, utilizou o material estatístico disponível", comentou o sociólogo.
Segundo ele, para demonstrar que um terço das famílias vive em condições de miséria absoluta e um quarto em situação de estrita pobreza, foram utilizados dados do Censo de 1980, além de número da Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar (PNAD), que atualiza, anualmente, os números do Censo, que é realizado a cada dez anos. Também foram utilizados dados do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Pelo Censo de 1980, a população brasileira era de 119.002.706 pessoas residentes, conforme levantamentos efetuados pelo IBGE. Pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilios, referente a 1984, a população brasileira já atingia 128.265.206. Logo, 60% desse total correspondem a 76.959.123 pessoas.

Equipe

Jaguaribe fez uma exposição do "Brasil 2000", como batizou o projeto, entregue ao presidente da República no Palácio do Planalto. Do encontro, participaram os professores Marcelo de Paiva Abreu, Vanderlei dos Santos e Winston Fritz, que colaboraram no trabalho, desenvolvido no IUPERJ (Instituto Universitário de Pesquisa e Estudos do Rio de Janeiro). Os ministros do Planejamento, João Sayd, e do Gabinete Civil da Presidência da República, Marco Maciel, também assistiram às explicações de Jaguaribe.
O ministro do Planejamento disse que o plano "não prevê somente programas assistencialistas. Existem programas de educação, de combate a doenças endêmicas, de alimentação popular associada à política agrícola, enfim, programas sociais abrangentes". Segundo Sayad, só se fará distribuição de renda no país através de "salário mínimo, reforma agrária, produção de alimentos e democracia".
Depois da conversa com o presidente, e instalado no Hotel Nacional de Brasília, o professor Jaguaribe disse que "o presidente Sarney está interessado em pôr em marcha um programa social que, por um lado, tenha efeitos imediatos de eliminação das formas intoleráveis de carência brasileira; de outro, que aumente significativamente o padrão de vida das massas". A distribuição de leite às populações carentes, associada a uma política agrícola que incremente a produção de alimentos, é um dos itens do programa pretendido pelo presidente da República.
De acordo com o sociólogo, "a tônica do presidente foi no sentido de dizer que a recuperação social do Brasil, com a superação da miséria e da pobreza, não pode ser entendida como tarefa exclusiva do governo. Tem que ser entendida como uma tarefa coletiva da sociedade. A preocupação dele - continuou Jaguaribe - foi de que se pudesse mobilizar condições para que todos os segmentos sociais participem dinamicamente desse esforço de recuperação".
Pelos dados da equipe do professor Hélio Jaguaribe, um terço das famílias brasileiras vive em condições de miséria absoluta e um quarto em situação de estrita pobreza, ou seja, 60% da população estão numa faixa entre a estrita pobreza e a extrema miséria. Estes níveis de vida só são comparáveis aos dos povos da Ásia e África".
Com este estudo, Hélio Jaguaribe acredita que o presidente Sarney poderá colocar em prática o pacto social, do qual fala desde o inicio de sua administração. "O pacto social, tal como estou prevendo, consiste numa proposta do governo, dirigida aos partidos e principais segmentos da sociedade, para se chegar a um acordo a respeito de alguns grandes objetivos: deve-se acabar com a miséria, com a pobreza, através da distribuição de renda no topo. Ou seja, criando um modelo completamente diferente do que herdamos do nosso passado remoto (trabalho escravo) e do nosso passado ditatorial recente".
O estudo "Brasil 2000" recomenda que se aplique, no mínimo, 12,5% do Produto Interno Bruto (PIB) no setor social. Atualmente, 10,5% são direcionados para este segmento. Na opinião de Jaguaribe, "estes dois por cento a mais são extremamente críticos. Agregados ao que já está sendo aplicado, compõem a massa necessária para superar a miséria. Acredito que em dois ou três anos seja possível acabar com estes níveis alarmantes hoje verificados". O sociólogo completou: "Terá necessariamente de ser assistencialistas: terá de dar de comer a quem tem fome e beber a quem tem sede".

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