A SECA JÁ PREOCUPA BRASÍLIA
Figueiredo manda Andreazza ao Nordeste
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Publicado
na Folha de S.Paulo, domingo 08 de março de 1981
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Diante da calamitosa situação provocada pela seca no
Nordeste, onde mais quatro municípios cearenses sofreram ontem
saques, o presidente Figueiredo determinou ao ministro do Interior,
Mário Andreazza, que não mais o acompanhe na visita
que fará a Colômbia a partir de terça-feira, mas
permaneça no Brasil para cuidar pessoalmente do problema.
Andreazza, que até anteontem assegurava que a seca não
lhe causava preocupação, deverá iniciar amanhã
uma viagem aos Estados nordestinos afetados pela seca, elaborando
novos planos de emergência e mantendo contatos com os governos
estaduais. Em Brasília, Andreazza prometeu ontem que tomará
providências para que nenhum flagelado fique sem assistência.
No Ceará, os municípios de Uruburetama, Farias Brito,
Nova Russas e Parambu foram invadidos e saqueados ontem por centenas
de flagelados. Os flagelados concordaram em receber dos comerciantes
rações de feijão, farinha de mandioca, macarrão
e rapadura. Em Uruburetama, o prefeito Artur Vagner Neri informou
ter esgotado os cofres municipais, depois de convencer dois grupos
de flagelados a pararem com os saques.
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Seca
força Andreazza a permanecer no País |
Diante da gravidade da situação da seca no Nordeste,
o ministro do Interior, Mário Andreazza, não mais viajará
acompanhando o presidente Figueiredo à Colômbia a partir
da próxima terça-feira, mas permanecerá no Brasil.
Figueiredo liberou Andreazza de integrar a comitiva presidencial e
o ministro deverá viajar amanhã para o Nordeste, a fim
de manter contatos com os governos estaduais e elaborar planos de
emergência especialmente no Ceará, face às invasões
e saques que vêm sendo cometidos pelos flagelados.
Amanhã Andreazza reúne-se, no Recife, com o superintendente
da Sudene, Valfrido Salmito, e os responsáveis por outros órgãos
do Ministério do Interior e do governo do Estado. Andreazza
destacou ontem, em Brasília, que ninguém ficará
sem assistência e prometeu a tomada de providências para
atender as populações atingidas.
Conforme o Ministerio do Interior, atualmente estão alistados
no plano de emergência cerca de 700 mil trabalhadores rurais,
e a Sudene assegura que está em dia a folha de pagamento dos
mesmos. Nos próximos dias, espera-se a liberação
dos recursos do governo federal para março, totalizando Cr$
2,1 bilhões.
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Mais
saques |
No Ceará, mais quatro cidades foram invadidas ontem à
tarde pelos flagelados, que saquearam feiras e mercados em busca de
alimentos para matar a fome. Foram atingidas desta vez as cidades
de Uruburetama, Farias Brito, Nova Russas e Parambu. Durante a semana
já foram invadidas as cidades de Itapipoca, Senador Pompeu,
Mombaça (todas por duas vezes seguidas), Quixadá, Piquet,
Carneiro, Russas e Novo Oriente.
Oitocentos flagelados invadiram a cidade de Farias Brito e depois
iniciaram o saque, sendo convencidos pelos comerciantes locais a aceitarem
meio quilo de feijão, meio quilo de farinha de mandioca, um
pacote de macarrão e uma rapadura. Também em Nova Russas
e Parambu ambas invadidas por cerca de 600 flagelados da seca, foram
distribuídos alimentos depois de iniciados os saques ao comércio.
A situação calamitosa provocada pela estiagem que se
prolonga desde 1979 em vários Estados do Nordeste continua
cada vez mais grave nessas e outras cidades do Ceará, o Estado
mais atingido pela seca. Além da falta de água, às
vezes até para beber e de alimentos, os flagelados cearenses
não conseguem transporte para imigrar para outras regiões
do Sul do País, por falta de dinheiro e porque os caminhões
que fazem o desumano transporte conhecido como "pau de arara",
estão sendo utilizados pelos fazendeiros. Eles estão
embarcando seu gado para os Estados vizinhos do Maranhão, Pará,
Goiás e Mato Grosso e entregando o rebanho aos fazendeiros
locais. Geralmente, pagam o serviço de engorda de seu rebanho
aos fazendeiros daqueles Estados com a metade das cabeças de
gado embarcadas.
Além das cidades já invadidas e saqueadas, muitos outros
municípios estão sendo ameaçados por multidões
de flagelados que chegam de pequenos povoados vizinhos e da área
rural, e ficam rondando os depósitos de alimentos locais. Em
Cratéus, por exemplo, existem cerca de três mil flagelados
perambulando pela cidade. Ela fica próxima a Nova Russas (invadida
ontem) e de Tamboril, onde outros trezentos flagelados rondam casas
comerciais. A prefeita Leonete Camerino disse pelo telefone que distribuiu
alimentos para aproximadamente 500 pessoas, como arroz, feijão,
macarrão, óleo e uma diária de Cr$ 100 a Cr$
120, de acordo com o tamanho da família. A prefeitura gastou
Cr$ 20 mil nessa distribuição de dinheiro e mantimentos
que também foram cedidos pelo comércio local.
A prefeita Leonete Camerino reconheceu que essa comida deverá
alimentar os flagelados por um dia, pois existem ainda cerca de quatro
mil desempregados no município, além dos 1.800 homens
alistados pela frente de emergência. Amanhã, ela espera
alistar 600 homens e apesar da cidade sediar o 4° Batalhão
de Infantaria do Exército, teme que a situação
se torne ainda mais crítica, pois novas levas de flagelados
estão chegando a Cratéus, vindos de pequenas cidades
como Santa Quitéria e Novo Oriente, onde cerca de 500 homens
saquearam completamente tudo, na quinta-feira.
Todo o comércio de Cratéus, que fechou suas portas ontem,
temendo a invasão dos flagelados, permanecerá fechado
hoje. A grande apreensão será o movimento de amanhã.
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Lugar
dos urubus |
Uruburetama, que em tupi guarani significa "lugar dos urubus",
fica a 108 quilômetros de Fortaleza. Tem cerca de 32 mil habitantes
e faz divisa com Itapipoca, que já foi invadida duas vezes
esta semana.
Ela foi invadida por dois grupos de flagelados. Segundo o prefeito
Artur Vagner Neri, o primeiro grupo formado por cerca de 400 homens,
chegou à cidade às 9 horas.
"Eles começaram a rondar os mercados e se reunir na praça
principal. Foram se juntando e gritando que estavam com fome. Como
não havia policiamento na cidade - o delegado foi demitido
antes do Carnaval e ainda não existe substituto -, os flagelados
não puderam ser detidos. Depois de algum tempo, conseguir falar
com eles, por ajuda de um alto-falante e consegui parar um saque".
O prefeito disse que deu aos flagelados apenas a diária entre
Cr$ 100 e 150, pois não tinha condições de distribuir
mantimentos. À tarde, segundo Artur Vagner Neri, a cidade foi
visitada por outro grupo de flagelados, desta vez menor. Novamente
eles receberam apenas a diária o que exauriu as finanças
municipais.
Artur Vagner Neri contou que está muito preocupado com a situação
em seu município, onde já existem cerca de mil desempregados
e 800 homens já alistados na frente de emergência.
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Prejuízos |
Em Fortaleza, o gerente da Cobal, Carlos César, confirmou terem
sido vultosos os prejuízos no armazém saqueado anteontem,
no município de Senador Pompeu. Os flagelados levaram 2.500
sacas de 60 quilos de arroz, no valor de Cr$ 1.400 cada, além
de centenas de sacas de açúcar, feijão, milho
e farinha; 2.400 latas de óleo, 250 caixas de leite em pó
e outros mantimentos.
O prefeito José Rolim Gomes revelou ter distribuído
Cr$ 100 a cada flagelado, no dia anterior , "mas senti que não
seria o suficiente". E negou a acusação de que
teria distribuído o dinheiro da Prefeitura apenas para seus
eleitores.
A Secretaria de Segurança Pública, que vem recebendo
boletins em caráter permanente através do telefone e
do rádio da Polícia Militar e outras repartições
estaduais, mandou reforçar o policiamento em cidades mais ameaçadas
como Quixadá, Quixeramobim, Senador Pompeu, Piquet Carneiro,
Russas, Santa Quitéria e muitas outras. Todas as feiras deste
fim de semana serão realizadas sob garantia policial porém
algumas cidades desistiram de fazer feira semanal como Itapipoca,
Itapajé e Irauçuba.
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Safras
reduzidas |
As safras agrícolas de Pernambuco poderão deixar de
produzir, no mínimo, Cr$ 18 bilhões, se persistir ao
longo deste ano a seca que afeta o Estado, segundo informou o secretário
da Agricultura, Aloísio Sotero. Com a seca do ano passado,
as safras agrícolas pernambucanas deixaram de produzir Cr$
12 bilhões.
No Sertão, onde se produzem 50% da safra de milho, estimada
em 250 mil toneladas, só houve condição de se
plantar 15% daquela cultura agrícola. Sotero revelou que mesmo
chovendo agora, não haveria mais condições de
se plantar o milho e o feijão no Sertão.
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Sobradinho |
O reservatório de Sobradinho, localizado no Sertão de
São Francisco, entre a Bahia e Pernambuco, está com
seis bilhões e 500 milhões de metros cúbicos
a menos que sua cota normal de funcionamento devido à seca.
As águas acumuladas em Sobradinho garantem o funcionamento
das turbinas da hidrelétrica de Paulo Afonso, as quais geram
energia para a região nordestina. Como não choveu durante
todo o período invernoso em quantidade suficiente sobre o rio
São Francisco, a Companhia Hidrelétrica do São
Francisco (CHESF) economiza água, deixando sair das comportas
de Sobradinho somente a quantidade suficiente para garantir a geração
de energia. Se não vier um bom inverno no fim deste ano, haverá
um colapso no fornecimento de energia em todo o Nordeste, em consequênia
da seca.
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"Veranico" |
Segundo técnicos do Ministério da Agricultura, em Brasília,
a seca que atinge a região nordestina não é igual
à estiagem verificada no Centro-Oeste, definida como "veranico",
o fenômeno de uma ausência de chuvas por períodos
entre 10 a 20 dias, mas altamente prejudiciais porque, na região
dos Cerrados, atinge as lavouras justamente na época vegetativa
em que mais necessitam de água.
Mesmo assim, os técnicos esperam que, mesmo com perdas nas
colheitas do Centro-0este, o global da safra 1980/81 superará
o recorde apresentado pelas 51 milhões de toneladas de grãos
da safra passada. Dados colhidos junto às secretarias estaduais
de Agricultura, no entanto, deixam dúvidas quanto a normalidade
do abastecimento. Enquanto em Minas Gerais o secretário Gerardo
Renault dizia que "a expectativa que se está criando é
pior do que a própria seca", o seu colega da secretaria
de Agricultura de Goiás, Luís Fiuza garantia que de
30 a 40% da colheita de grãos do Estado estão praticamente
perdidos. Nas regiões de Gurupi e Porangatu, por exemplo, Fiuza
considera que as perdas estão próximas dos 100%.
O secretário da Agricultura de Minas explicou que a seca praticamente
só prejudicou o Triângulo Mineiro e o Norte do Estado.
Dessa forma, Gerardo Renault estima que, mesmo em falta de chuvas,
como Minas aumentou a área de plantio, colherá mais
do que no ano passado.
Já no Mato Grosso, segundo o secretário Rômulo
Vandoni, a seca está sendo sentida apenas na região
da Barra do Garça e Rondonópolis. No resto do Estado,
conforme o secretário da Agricultura mato-grossense, "a
seca não se fez sentir", levando-o a prever que seu Estado
colherá, este ano, mais do que na safra 1979/80.
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