BOMBA EXPLODE EM CENTRO DE PESQUISA
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Publicado
na Folha de S.Paulo - domingo, 5 de setembro de 1976
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Uma bomba, de fabricação caseira, explodiu na madrugada
de ontem (2h30), no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
(Cebrap), no bairro da Consolação, abrindo um buraco
de um palmo de diâmetro no assoalho, incendiando uma cortina,
partindo vidraças e queimando alguns livros.
O incêndio não chegou a se propagar devido à rápida
ação de vizinhos. Uma das residências das imediações,
um pouco mais afastada, era a do prefeito Olavo Setúbal, que
não ouviu a explosão.
Meia hora depois do atentado, uma pessoa telefonou para este jornal,
avisando: - Nós somos da Aliança Anticomunista Brasileira
e acabamos de explodir uma bomba na rua Bahia. Se quiser saber de
mais detalhes, mande alguém para lá.
Os peritos da polícia revelaram que a bomba tinha a forma de
uma pera, tal como uma granada primitiva, lançada manualmente.
O governador Paulo Egidio, informado pela manhã, disse: "Trata-se
de uma ação de grupos radicais, que nos repugna."
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Danos
leves numa explosão de bomba contra o Cebrap - O atentado aconteceu
às 2h30 na rua Bahia |
Uma pequena bomba de fraca potência explodiu ontem na sede de
uma instituição de pesquisas sociais, o Cebrap, na rua
Bahia 499, no bairro da Consolação em S. Paulo. Segundo
o vigia do prédio, Adelmo Pedro da Silva, a explosão
aconteceu às 2h30 da madrugada de ontem, e provocou ligeiros
danos na biblioteca de entidade, uma sala logo à entrada do
pequeno prédio.
A bomba abriu um buraco de cerca de um palmo de diâmetro no
assoalho. Incendiou uma cortina, partiu vidraças e queimou
alguns livros e papéis. O vigia ao ver a fumaça saindo
pela janela da biblioteca, apanhou um balde cheio de água e
rapidamente apagou as chamas, com a ajuda de vizinhos.
Os moradores dos edifícios contíguos à sede do
Cebrap, Bahia e Sergipe, acordaram assustados com a explosão
e correram para a rua. Mas outros vizinhos, um pouco mais afastados,
como o prefeito Olavo Setúbal, nada ouvira. O prefeito declarou
às 11 horas a reporteres que ignorava a explosão e disse:
"Puxa, a bomba explodiu perto de onde eu moro, a uma quadra de
minha casa na rua Bahia e eu não ouvi e não tomei conhecimento
de nada."
A Polícia foi avisada de um começo de incêndio
na rua Bahia quase imediatamente depois da explosão, provavelmente
por algum morador dos edifícios vizinhos.
Mas poucos minutos antes das 3 horas, ou seja, cerca de meia-hora
depois do atentado, um homem telefonou para a Agência Folha,
que opera na sede dos vários jornais da Empresa Folha da Manhã
S.A., entre os quais a Folha de S. Paulo, para afirmar:
"Nós somos da Aliança Anticomunista e explodimos
agora uma bomba na rua Bahia. Se quiser saber mais, mande alguém
prá lá."
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Os
Danos |
Cebrap é a sigla do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento.
A sede na rua Bahia é um modesto sobrado com recuo de alguns
metros da calçada. As duas grandes janelas fronteiras estão
protegidas por grades estreitas, na horizontal. No Cebrap trabalham
quarenta pessoas, entre pesquisadores e pessoal administrativo.
Segundo peritos da Polícia, depois de um exame no local da
explosão, a bomba utilizada pelos terroristas teria o formato
de uma grande pera "algo que poderia caber entre as palmas das
mãos recurvadas".
Foi uma bomba de impacto, atirada do lado de forra, a partir da rua,
com excelente pontaria, segundo acharam os peritos. A bomba, de ferro
e bastante pesada, quebrou a vidraça protegida por barras e
foi detida pelas cortinas do lado de dentro da biblioteca. A explosão
se deu a poucos centímetros da janela, perto do chão.
Os estilhaços de vidro cobriram todo o local. O alto de uma
parede divisória também ficou rebentado. A biblioteca
funciona como sala de reuniões da entidade e ali o incêndio
destruiu um pequeno armário que servia de arquivo pessoal ao
diretor-presidente do Cebrap, Candido Procópio Ferreira de
Camargo e nele estavam guardadas "algumas pesquisas antigas".
Era um arquivo morto e os documentos destruidos não tinham
atualmente grande valia, segundo o presidente da entidade.
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Algum
Fanático |
"Existe algum fanático contra a cultura no Brasil. Indiretamente,
os autores desse atentado estão atacando o governo, que tem
permitido a nossa atuação e a existência de entidades
como a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a ordem
dos Advogados do Brasil (OAB)".
Perplexo diante da explosão ocorrida no Centro Brasileiro de
Análise e Planejamento, o sociólogo Fernando Henrique
Cardoso - um dos diretores da entidade - interpretou desse modo o
espírito do atentado praticado na madrugada de ontem contra
o Cebrap. Segundo ele, as autoridades devem averiguar a relação
entre essa explosão e as ocorridas recentemente na ABI, Rio
de Janeiro, e na auditoria militar de Porto Alegre. E enfatizou que
a direção da entidade "espera que a polícia
diga, através das investigações, o que aconteceu,
pois nós não sabemos nada".
Em seus sete anos de atividades o Cebrap e seus dirigentes nunca receberam
nenhuma ameaça de atentado, nem mesmo nos últimos meses
quando esse instrumento de intimidação começou
a ser utilizado com maior frequência no país. Por isso,
Fernando Henrique Cardoso foi tomado de surpresa na manhã de
ontem, quando soube da explosão através de telefonema
de um colega do Cebrap. O mesmo colega avisou Juarez Lopes Brandão,
outro diretor, que se dirigiu às 8h30 para a sede da entidade
a fim de saber o que acontecia. Da rua Bahia, Juarez Lopes Brandão
e Fernando Henrique Cardoso foram levados para o Departamento de Ordem
Política e Social onde prestaram depoimento até as 13h00.
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Analogia |
Candido Procópio Ferreira de Camargo, diretor-presidente do
Cebrap, que não possui telefone em casa, ficou sabendo do atentado
apenas às 11h00. E ao chegar ao antigo casarão da rua
Bahia, - que a entidade trocará dentro de alguns dias por amplas
instalações situadas na Alameda Campinas, 463, - Candido
Procópio não conseguiu conter a sua indignação:
"Na calada da noite chegam aqui e queimam papéis que nós
escrevemos. Isso nos deixa perplexos e preocupados. Mas sabemos que
a função da polícia é proteger os cidadãos
que trabalham".
Candido Procópio considera que por analogia tudo leva a crer
que os autores desse atentado sejam os mesmos que atingiram recentemente
a ABI. "Mas isso - afirmou - não vai atrapalhar os nossos
serviços, porque não vamos ficar intimidados. Formamo-nos
no Brasil para realizar um trabalho sério. Procuramos sempre
buscar uma visão cientifica, objetiva, sem concessões,
e extremamente conscientes de nossa responsabilidade".
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O
Cebrap |
"Promover o aproveitamento de recursos humanos de alta qualidade,
que de outra forma poderiam ser absorvidos pelas tendências
alternativas de emigração ou desprofissionalização".
Esse é um dos objetivos do Cebrap, entidade fundada em 1969,
com o apoio de empresários brasileiros e de instituições
de incentivo à pesquisa como a Fundação Ford,
dos Estados Unidos.
Sempre operando como um centro de estudos sócio-econômicos,
o Cebrap já realizou centenas de trabalhos sobre as condições
de vida da população brasileira, problemas nacionais
além de outros temas, sempre visando a apresentar alternativas
para o desenvolvimento brasileiro. Importantes pesquisadores estão
vinculados à entidade. Os seus trabalhos são veiculados
através dos cadernos Cebrap e dos Estudos Cebrap, publicações
que já possuem periodicidade, ou de brochuras. Entre os trabalhos
de maior envergadura encontra-se uma pesquisa que deverá ser
publicada brevemente sobre as tendências de fecundidade das
famílias brasileiras, de acordo com os hábitos de cada
região do país.
O presidente é Cândido Procópio Ferreira de Camargo.
Os diretores são: Fernando Henrique Cardoso, Juarez Brandão
Lopes e Paul Israel Singer. O conselho deliberativo é constituído
por: Cândido Procópio Ferreira de Camargo, Luiz Carlos
Bresser Pereira, Celso Lafer, Oswaldo Herbster, Rubens Murilo Marques,
Antonio Inácio Angarita da Silva, Carmem Silvia Junqueira de
Barros Lima, João Yunes, Leôncio Martins Rodrigues Neto,
Mauricio Segal, Pedro Paulo Popovic e Antonio Cândido de Melo
e Souza.
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Aviso
na Madrugada |
Habitualmente, o coordenador da Agência Folhas, que trabalha
entre a meia-noite e as sete horas da manhã, recebe os mais
inusitados telefonemas. O de ontem porém, preocupou o repórter
de plantão, e exigiu a mobilização de todos os
recursos disponíveis: alguns minutos antes das 3 horas, até
então calma, tocou o telefone:
- É da Agência? Aqui é um membro da Aliança
Anticomunista Brasileira. Quero avisar que acabamos de explodir uma
bomba na rua Bahia 499.
Primeiro, um susto do repórter, mas o sentido profissional
fala mais alto. Começou a conversar com o desconhecido, numa
tentativa de não interromper a sua lacônica comunicação.
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Pelo
Fio |
- Um momento, por favor, não entendi bem. Quer repetir? O senhor
falou em bomba. Bomba do que? Por que foi explodida? Por quem? Qual
o seu nome?
- Eu já falei antes. Somos da Aliança Anticomunista
e explodimos agora uma bomba na rua Bahia. Se quiser saber mais, mande
alguém prá lá.
- Como sabe o senhor que posso mandar alguém ao local? O senhor
conhece nosso serviço? Qual é mesmo o seu nome? Jorge
disse o senhor?
- Não disse nada. Só disse que explodimos uma bomba,
e vamos explodir mais, podes crer.
- Mas por que as explosões? Explique isso, por favor.
- Não explico nada. Se quiser saber mais mande alguem para
o local. Já falei demais. Tchau. E bateu o fone.
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Em
Busca do Fato |
A partir de então, repórteres e fotógrafos, viaturas
e motoristas foram mobilizados, depois da "checagem" do
aviso. Era preciso confirmar a veracidade da notícia.
Numa ligação para o Copom, o Comando da Polícia
Militar, a confirmação: a bomba tinha realmente explodido.
O oficial de plantão, capitão Sala, atendeu:
- Capitão, é verdade que estourou uma bomba agora, na
rua Bahia, em Higienópolis?
- De onde fala? Quem está falando?
- Aqui é da Folha, capitão. Redação da
Agência Folhas; o coordenador de plantão, tal como o
senhor, seu colega de plantão.
- Bem, sabemos de um princípio de incêndio nessa rua,
espere no telefone que vou falar com a viatura que está no
local.
(Pelo telefone era possível acompanhar o diálogo do
operador de rádio do Copom com a viatura RP-1820, falando o
soldado Vitor)
- Atenção 20, atenção 20, aqui é
o controle.
- 20 na escuta, fala.
- O capitão pergunta se houve aí algum estouro de bomba.
De bomba mesmo 20, de bomba!
- Ainda não sabemos, capitão. O vigia do prédio
ao lado (número 487, ao lado da sede do Cebrap, vítima
da explosão) disse que ouviu um estouro antes de perceber o
fogo. Mas ainda nada confirmado.
O capitão Sala volta ao telefone para o plantonista da Folha:
- Ainda não sabemos nada dessa bomba, por que o senhor pergunta?
Como sabia disso?
- Não é nada não capitão. Deu para acompanhar
a conversa do seu operador de rádio. Obrigado por tudo. Ligo
mais tarde. Foi uma pessoa que ligou para a redação,
avisando que uma bomba explodiu lá. É só. Até
logo.
A partir de então, a reportagem acompanhou a mobilização
policial.
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Egídio
Ordena a Mais Ampla Investigação |
Até as 11 horas de ontem, o governador Paulo Egídio
e o prefeito Olavo Setúbal ignoravam a explosão da bomba.
O governador e o prefeito a esta hora, compareceram a solenidade de
exumação dos restos mortais de D. Pedro I na cripta
do Ipiranga, mas ambos negaram ter conhecimento da explosão
da bomba e esquivaram-se de fazer análises sobre os efeitos
da explosão do petardo.
Ao ser abordado a respeito pelos reporteres, o governador Paulo Egídio
disse:
"Até o momento eu não tenho conhecimento da explosão
de bombas em São Paulo".
"Como das outras vezes, eu procuro fugir a interpretações
no momento. Não quero manifestar-me antes de conhecer os relatórios
finais das forças de segurança a respeito", continuou.
Mas para Paulo Egidio, "de qualquer forma, a ação
desses grupos radicais, seja de esquerda ou de direita, procura apenas
conturbar o ambiente nacional".
"É uma ação de grupos radicais que repugna
em si só, seja qual for o tipo de ação".
"A determinação minha à Polícia é
de que ela investigue toda essa ação e puna os culpados
exemplarmente sejam eles quais forem, de direita ou de esquerda",
conclui o governador.
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D.
Paulo |
Por outro lado, renunciando à companhia do prefeito Olavo Setúbal
e de membros da família imperial brasileira, pela lógica
os anfitriões naturais da cerimonia que se realizava no Monumento
do Ipiranga, o governador Paulo Egídio deixou a capela do monumento
em companhia do Cardeal Arcebispo de São Paulo, D. Paulo Evaristo
Arns.
Dom Paulo, com a fisionomia mais carregada que a do governador, acompanhou-o
até o carro oficial, abstendo-se de fazer comentários
no momento em que o governador abordava o assunto da explosão
com a imprensa.
Ao se dirigir ao carro que o levaria a Curia Metropolitana, D. Paulo
Evaristo também negou ter conhecimento anterior da explosão
da bomba no Cebrap.
Mas não se negando a fazer declarações a respeito,
o cardeal arcebispo de São Paulo afirmou: "Gostaria de
dizer da minha solidariedade ao Cebrap. É uma gente muito sincera,
que procura soluções democráticas para os problemas
brasileiros".
"Trabalhamos com eles - notou D. Evaristo - e os consideramos
uma equipe de cientistas muito responsável".
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É
o quarto atentado |
O primeiro dos quatro atentados a bomba ocorridos no País durante
os últimos 17 dias, foi contra a Sede da Associação
Brasileira de Imprensa, no Rio de Janeiro. Uma bomba de alto efeito
explodiu, às 10 horas do dia 19 de agosto, num dos banheiros
da sede da entidade, arrebentando vidraças e paredes. Felizmente
não houve vítimas.
Três horas mais tarde, outra bomba foi encontrada, e desmontada,
na sede da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Guanabara,
quando se realizava uma solenidade no local. Dado o alarme, o prédio
foi esvaziado, até que especialistas desmontaram o petardo.
Nos dois locais, foram encontrados panfletos assinados por uma suposta
entidade dita "Aliança Anticomunista Brasileira".
"Chegou a hora de começar a escalada contra a nova tentativa
de comunicação do Brasil, que está em marcha",
dizia o panfleto, que encerrava com o lema: "Morte à Campanha
comunista! Viva o Brasil".
O terceiro atentado ocorreu durante a madrugada (2h50) do dia 21 de
agosto, contra o prédio da 1a Auditoria Militar de Porto Alegre.
Duas bombas do tipo "molotov", de fabricação
caseira, foram lançadas, de um auto em movimento, contra a
fachada do edifício, com danos insignificantes. No mesmo dia,
telefonemas anônimos ameaçavam mandar para os ares a
Assembléia Legislativa e o colégio Fundação
Educacional Evangélica, com dois mil alunos. Nenhuma das ameaças
foi concretizada.
Até o momento, o DOPS do Rio de Janeiro não divulgou
nada sobre as investigações realizadas com o objetivo
de apurar os responsáveis pelos atentados contra a ABI e a
OAB.
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Ato
"da maior gravidade" |
RIO, (Sucursal) - O ato terrorista no Cebrap de São Paulo foi
considerado pelo presidente da Associação Brasileira
de Imprensa, Prudente de Morais Neto como "da maior gravidade"
pelo que pediu "que todos ajudem o Governo a impedir que se chegue
ao nível da Argentina".
"É preciso que o Governo termine com a barbarie",
disse lembrando que "o Brasil estava descansado de atos terroristas
mas a partir da colocação de bombas na ABI e na Ordem
dos Advogados do Brasil, no Rio, voltou a viver sobressaltado".
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Em
São Paulo |
A Polícia ficou em alerta na madrugada de ontem para denuncias
de que pessoas estavam distribuindo panfletos em alguns bairros de
S. Paulo, a bordo de uma perua Brasília, de um Corcel e de
um Opala.
Esses panfletos de tom subversivo, segundo informou o DOPS, redigidos
em linguagem ofensiva ao governo e às Forças Armadas,
concitavam o povo - especialmente os trabalhadores - a "não
participar" dos festejos de 7 de Setembro. |
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