NOVA CONSTITUIÇÃO ENTRA EM VIGOR; TERMINA TRANSIÇÃO PARA DEMOCRACIA


Publicado na Folha de S.Paulo, quarta-feira, 5 de outubro de 1988




A nova Constituição brasileira entra em vigor hoje, no instante em que o presidente do Congresso constituinte, Ulysses da Silveira Guimarães (PMDB-SP), afirmar: "Declaro promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil." Este ato, que marca o fim do processo de transição para a democracia, deve ocorrer às 15h38. Depois, uma salva de 21 tiros de canhão e o repique dos sinos da catedral e das igrejas de Brasília vão saudar o acontecimento. A cerimônia de promulgação prevê o juramento da Carta pelos constituintes, pelo presidente Sarney e pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Rafael Mayer. Haverá três discursos. O senador Afonso Arinos (PSDB) falará em nome dos parlamentares e o presidente da Assembléia da república de Portugal, Victor Crespo, pelas delegações estrangeiras. Caberá a Ulysses, postulante à candidatura presidencial, fazer o discurso final, fechando 20 meses de trabalhos constituintes.
Na manhã de ontem, Ulysses plantou uma muda de "Pau-ferro" na inauguração do Bosque dos Constituintes. O deputado disse que se sentia como "uma noiva muito emocionada". O consultor-geral da República, Saulo Ramos, invocou a liberdade de expressão ao responder aos ataques de Ulysses no sentido de que estava "falando demais" ao criticar a Constituição.

Sarney faz elogios ao texto mas contrata sem concurso

Em primeiro pronunciamento em rede nacional de rádio e TV, ontem à noite, o presidente Sarney elogiou o texto da nova Carta e prometeu respeitá-la, dizendo que será o seu "maior servidor". "Serei o primeiro a jurá-la. Lutarei pelo seu êxito", afirmou. Ainda ontem, o presidente aproveitou a penúltima edição do "Diário Oficial da União" anterior à vigência da Carta para contratar cerca de 160 funcionários sem concurso público e criar centenas de cargos de confiança na administração federal.

Carta entre em vigor; acaba a transição democrática

João Batista Natali
Enviado especial a Brasília

"Declaro promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil". No exato instante em que o presidente do Congresso constituinte Ulysses da Silveira Guimarães (PMDB-SP), 71, pronunciar esta frase a nova Constituição do país entre em vigor e está encerrada a transição democrática. A declaração oficial de que o país entra numa ordem constitucional democrática está prevista para as 15h38 de hoje. A seguir, uma salva de 21 tiros de canhão e o repicar dos sinos da Catedral e igrejas de Brasília vai saudar a nova Carta.
O início da solenidade de promulgação da nova Constituição está previsto para as 15h30, quando os constituintes farão seu juramento à nova Carta. A seguir, o presidente da República, José Sarney, que estará sentado à direita de Ulysses à Mesa do Congresso constituinte, faz seu compromisso de "manter, defender e cumprir a Constituição". Depois de Sarney, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Rafael Mayer, presta o mesmo juramento configurando a submissão dos três Poderes da República ao novo texto constitucional.
Seguem-se três discursos. No primeiro deles, em nome dos constituintes, o senador Afonso Arinos (PSDB-RJ) dirá que pela primeira vez o Brasil estará dotado de normas constitucionais capazes de acompanhar sua evolução social. Isso porque, além dos direitos individuais que o texto garante, os direitos sociais são fixados como metas a serem atingidos a médio e a longo prazos. Discursa a seguir, como representante dos convidados estrangeiros, o deputado Victor Crespo presidente da Assembléia da República de Portugal. O encerramento fica a cargo de Ulysses Guimarães, que fala última vez como presidente do Congresso constituinte e dá por concluído os 20 meses de sua existência. Às 20h30, o candidato a presidência da República Ulysses Guimarães volta a discursar na abertura de um jantar no restaurante do Anexo 4 da Câmara.
O dia de ontem foi ocupado com minuciosos preparativos que a sessão de promulgação da nova Carta. O sistema de som era testado com alguns swings norte-americanos da década de 40, enquanto abaixo do crucifixo, e atrás da Mesa Diretora dos trabalhos, estavam hasteadas as recém-lavadas bandeiras de todos os Estados e da União.
O clima de véspera de solenidade importante era igualmente visível nos corredores do Congresso, que voltavam a se agitar após um recesso branco iniciado na madrugada de 2 setembro, quando terminou a votação do segundo turno do Congresso constituinte, só interrompido por 24 horas, há 13 dias, para a votação do texto final.
Por mais que a Câmara e o Senado estivessem com suas sessões suspensas a movimentação começou pela manhã, com uma cerimônia programada pelo Ministério da Agricultura e pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), num terreno atrás da praça dos Três Poderes, e transformado em Bosque dos Constituintes.
São exatas 600 mudas de 20 espécies de árvores brasileiras, cada uma com o nome dos 559 constituintes ou suplentes que chegaram nesses 19 meses a exercer o mandato. Ulysses plantou uma muda de "Pau-ferro" [Vaesalpinia leiostachya, da familia das Leguminosae]. Cunha Bueno (PDS-SP), um "Guapuruvu", e o senador Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) um "Capitão-do-serrado".
O segundo ato festivo do dia: no corredor que separa o Salão Verde do Anexo 2 da Câmara dos Deputados, o presidente do Congresso constituinte descerrou um mural de 30 metros quadrados, concebido pelo artista plástico Otávio Roth, com pequenos retângulos coloridos, cada um com letras manuscritas em caligrafias diferentes, reproduzindo o mais extenso dos artigos do texto constitucional: o de número 5, reservado aos direitos e garantias individuais.
A exemplo do que deverá ocorrer hoje, até nos mais minúsculos detalhes, havia a marca personalizada de Ulysses Guimarães. "O espetáculo também foi montado como pano de fundo de sua candidatura presidencial", comentou o deputado Gastone Righi (PTB-SP).

O dia da promulgação

9h — O cardeal de Brasília, d. José Freire Falcão, e o pastor evangélico Josiel Nunes Gomes celebram culto ecumênico no gramado da Esplanada dos Ministérios.

10h30 — O deputado Ulysses Guimarães recebe os cumprimentos das delegações estrangeiras no Salão Nobre da Câmara dos Deputados.

15h20 — O presidente José Sarney, Ulysses e o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Rafael Mayer, passam em revista as tropas do Exército, Marinha e Aeronáutica que estarão no gramado diante do Congresso.

15h25 — No hall do Salão Negro, os três serão recebidos pelo presidente do Senado, Humberto Lucena, e pelos membros das Mesas da Constituinte, Câmara e Senado mais o relator Bernardo Cabral. Sarney e Mayer serão depois levados ao Salão Nobre do Senado.

15h30 — Ulysses instala a última sessão da Constituinte e nomeia uma comissão de líderes para acompanhar Sarney e Mayer até a mesa dos trabalhos. Depois de anunciar que a sessão se destina a promulgar a nova Constituição, Ulysses determinará a execução do Hino Nacional por uma banda militar que estará nas galerias. Em seguida, o presidente da Constituinte assinará originais da Constituição e a declarará promulgada. Sarney, Mayer e Lucena receberão um exemplar da nova Carta. Os demais originais ficarão com a Câmara e o Arquivo Nacional.

17h — Coquetel oferecido às autoridades estrangeiras e nacionais.

20h30 — Ulysses oferece jantar às delegações estrangeiras, presidentes de Assembléia Legislativa e líderes partidários na Constituinte, no restaurante do 10o. andar (Anexo IV) da Câmara dos Deputados.


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