CORRERIA E PANICO ENCERRARAM O COMICIO DE ONTEM NO ANHANGABAÚ


Publicado na Folha da Noite, quarta-feira, 5 de novembro de 1947

Neste texto foi mantida a grafia original

Quando falava o deputado comunista Arruda Camara, atacando o governo do Estado, ouviram-se as explosões de possantes bombas lacrimogeneas — Algumas dezenas de milhares de pessoas acorreram ao comicio de Cirilo Junior

Num ambiente de intensa expectativa e nervosismo, realizou-se ontem à noite no vale do Anhangabaú, o anunciado comicio promovido pelas organizações partidarias que apóiam a candidatura do deputado Cirilo Jr. à vice-governança do Estado. Com a excursão do senador Getulio Vargas pelo interior, varios incidentes vinham imprimindo à atual companha um carater de insegurança e violencia, não se podendo mesmo citar uma unica cidade em que a presença do ex-presidente da republica não tenha ensejado uma serie de episodios desagradaveis.
Durante o dia de ontem, realizadas especialmente pelos estudantes, varias demonstrações populares de descontentamento haviam sido levadas a efeito contra o senador gaucho, cujo enterro simbolico teve o epilogo no largo de São Francisco, diante do edificio da Faculdade de Direito.
Eram 22 horas quando chegaram os srs. Getulio Vargas, Cirilo Jr., Cesar Vergueiro e numerosos líderes pessedistas e do P.T.B.

Oração do Sr. Cirilo Jr.

Depois de um breve discurso do sr. Nelson Fernandes, presidente do diretorio estadual do P.T.B. usou da palavra o sr., Cirilo Jr. que traçou paralelo entre a posição daqueles que em 1945 aceitaram o apoio do presidente do P.T.B. e a sua presente atitude quando querem negar ao senador gaucho o direito de opinar por este ou aquele candidato. Procura-se —afirmou— perturbar o sono tranquilo dos mortos gloriosos de 1932, ao dizer-se que a presença do senador Getulio Vargas na campanha para o proximo pleito é uma ofensa a São Paulo, e ao seu sacrificio de sangue.
Depois de declarar ser necessario acabar com a pretensão dos que desejam monopolizar o prestigio e a politica, encerrou o sr. Cirilo Jr. o seu discurso dizendo que a atual campanha eleitoral será fecunda para os destinos do Brasil, pois representará a vitoria de um principio, que se traduz na emancipação política do povo.

Rigoroso Policiamento

A tensão aumentou ainda mais quando à tarde, foram interditados todos os predios que circundam o vale do Anhangabaú, onde se realizava o anunciado comicio. Deveriam falar, alem do candidato pessedista, o sr. Getulio Vargas e o representante do extinto Partido Comunista do Brasil. Cerca das 19h30, cavalarianos da Força Policial, elementos da policia civil e numerosos guardas-civis interditaram tambem as ruas que dão entrada no vale do Anhangabaú, exceto as escadarias sob o viaduto do Chá, não permitindo, por outro lado, nenhum transito pelo viaduto.
As pessoas que demandavam o vale, para assistir ao "meeting", tiveram oportunidade de ver o rigoroso policiamento exercido o que servia para assegurar a manutenção da ordem no comicio e constituia ao mesmo tempo um fator inquietante.
Antes de chegarem as duas comitivas —a dos srs. Cirilo Junior e Getulio Vargas e a do sr. Luís Carlos Prestes— varios oradores ocuparam os microfones instalados no palanque, falando à multidão, que se estendia por aquele logradouro publico, calculada em cerca de vinte mil pessoas. Falaram os srs. Eusebio Rocha Filho, do P.T.B.; Cesar Costa e Plinio Cavalcanti, do P.S.D.; José G. de Furia, do diretorio municipal do P.T.B.; e João Batista Pereira do P.S.D.

Chega o senador Luís Carlos Prestes

Às 22h25, chega o senador Luís Carlos Prestes, acompanhado de seus correligionarios, entre outros os deputados Pedro Pomar e Milton Caires de Brito. Enquanto o líder comunista e o senador Getulio Vargas trocam cumprimentos, a assistencia prorrompe em vivos aplausos aos seus nomes.

Acusações ao Governo do Estado


Terminada a oração do sr. Cirilo Jr., ocupou o microfone o sr. Cesar Vergueiro, presidente interino da Comissão Executiva do P.S.D., na ausencia do sr. Mario Tavares. Historiou o orador a campanha eleitoral que vem sendo desenvolvida pelas correntes que apoiam o sr. Cirilo Jr. E. concluindo, relativamente aos incidentes assinalados na propaganda dessa candidatura, atribuiu ao governo do Estado todas as responsabilidades.

A palavra do Sr. Getulio Vargas

O sr. Getulio Vargas assoma então à tribuna, sorrindo alegremente para o auditorio. Prorrompem novamente as aclamações aos nomes do ex-presidente da Republica, do candidato do P.S.D. e do chefe do extinto Partido Comunista.
Iniciando a sua oração, declara o senador Vargas que atraves de varios discursos, já teve a oportunidade de apontar os erros capitais em que incorre o governo da nação, notadamente na questão financeira e nos problemas relacionados com o custo da vida, cujas consequencias já agora o povo não desconhece. Fala-se em conspirações, mas estas na realidade não existem, sendo apenas a incompreensão o que fundamentalmente caracteriza o atual governo do pais. A convenção do P.S.D. que elegeu o sr. Cirilo Jr. candidato das forças democraticas de São Paulo, desenvolveu-se em ambiente de plena liberdade e nada se pode articular contra ela. Ao contrario, o espirito anti-democratico dos adversarios da candidatura Cirilo Jr. é o que vem predominando de outro lado e representa grave ameaça para o Brasil.
Depois de traçar um paralelo entre a situação do nosso país e a da Republica Argentina, afirma o sr. Getulio Vargas que as nossas reservas monetarias no exterior foram dissipadas , que a nossa industria se aniquila que o financiamento do algodão não protege a sua produção etc., ao passo que o país sulino sob o governo esclarecido do general Perón e com o forte apoio dos trabalhadores argentinos prospera em todos os sentidos e faz o saneamento da região do Chaco para cultivar aquela malvacea.
Termina o ex-presidente referindo-se à situação dos trabalhadores, às suas dificuldades e às garantias que lhes negadas, para afirmar que a atual campanha eleitoral decidirá se é possível a democracia no Brasil. O proximo pleito e seu ver, terá o valor de um plebiscito, do qual dependem em ultima analise os nossos destinos.

Discurso do deputado Arruda Camara

Em nome dos partidarios do senador Luis Carlos Prestes, falou a seguir o deputado Diogenes de Arruda Camara, dizendo que ali se reuniam todos os verdadeiros democratas para ratificar o acordo da unidade partidaria para as eleições de 9 do corrente. Caminha-se desse modo para a unidade nacional, apesar de todas as dificuldades e vicissitudes. Em 1945, o Partido Comunista apresentou-se só, no Vale do Anhangabaú, para oferecer à consideração dos paulistanos a candidatura do grande tecnico e patriota Iedo Fiuza. Nas eleições estaduais de 19 de janeiro, a legenda do Partido Comunista surgiu em união com a do Partido Social Progressista, chefiado pelo governador Ademar de Barros. Do lado contrario, porem, estavam os dois partidos mais possantes que ora integram a atual frente unica democratica. É a mais poderosa união politica a que o país já assistiu —afirmou o parlamentar comunista.

Estabelece-se o panico

O deputado comunista Arruda Camara se encontrava na tribuna há uns vinte minutos, já falando ao povo, quando, inesperadamente, se verificou serio tumulto na parte da multidão que se cumprimia à direita do palanque, perto do Viaduto do Chá. O incidente ocorreu justamente quando o orador atacava o governador do Estado. Ao mesmo tempo, diante do palanque, ouviram-se varios estouros de bombas, que pareciam ser de gás lacrimogeneo, seguidos de estampidos de tiros. A massa popular contida pelos cordões de isolamento foi então empurrada violentamente pela enorme avalanche de populares que pretendiam afastar-se do local do tumulto. Logo a cavalaria se movimentou e, auxiliada pelos guardas-civis e investigadores, procurou formar cordões de isolamento, abrindo alas para a retirada dos que fugiam. Numerosos populares, sobretudo senhoras e crianças, foram atropelados, sofrendo contusões leves.

Retira-se o Senador

Logo que o tumulto se generalizou, o sr. Luís Carlos Prestes, protegido por partidarios e membros da policia, retirou-se do palanque, tomando rapidamente um automovel, que se afastou do local a toda velocidade.

Prisões efetuadas

Embora não conseguisse no momento identificar os autores do tumulto nem esclarecer os motivos, a policia efetuou a prisão de varios cidadãos que se mostravam exaltados e cujas atitudes pareceram suspeitas às autoridades. Os detidos foram encaminhados ao Departamento de Ordem Politica e Social, para interrogatorio.

Atitude incompreensivel de milicianos

Cessadas as explosões, o povo se refez do panico e começou a dirigir-se para a praça do Patriarca, pelas escadarias do viaduto, pois as outras vias de acesso ainda se achavam interditadas. Nessa praça, até sobre os passeios, cavalarianos da Força Publica promoveram repetidas tropelias, de todo injustificaveis. De espadas em punho, fazendo as montadas subir na calçada, exigiam que os populares caminhassem embora não fossem de maior vulto os grupos que ali se formavam.
Esse procedimento dos milicianos causou penosa impressão aos presentes, ainda chocados com os acontecimentos que se haviam desenrolado, minutos antes, no vale do Anhangabaú.

Inspetor fantasiado de "caipira"

Uma cena que seria apenas pitoresca, se não revelasse a mentalidade lamentavel de um policial, que de revolver em punho proferia ameaças contra os populares, verificou-se no largo da Sé, muito depois da terminação do comicio, quando cavalarianos da Força Publicas se entregavam a inuteis tropelias entre a rua Direita e aquela praça.
Um cavalariano investia contra um jovem que se refugiasse em um automovel, aliás apadrinhado por um oficial da aeronautica, quando o referido jovem, que se achava perto, começou a exclamar: "Solta o homem! Solta o homem!" O modesto "caipira" que se postava perto, agarrou incontinente o jovem, levando-o aos empurrões contra a parede, enquanto ameaçava os circunstantes com o revolver.
Pouco depois, o extranho policial conduzia o preso para a Central. No caminho, soldados da policia interceptaram o passo do incrivel policial, que imediatamente exibiu os seus "documentos".
Acompanhámos o tragicomico episodio até a Central, onde a chegada do policial fantasiado de "caipira" deixou as autoridades de plantão meio perplexas...
Tanto assim que apresentado o preso, a autoridade perguntou ao extranho policial:
— O sr. é inspetor?
— Sim! Sou inspetor da Delegacia de Roubos...
E exibiu novamente, os "documentos"...
Na sala do delegado de plantão, todos os presentes olharam o extranho individuo de cima a baixo: usava tamancos, calças curtas, roupa toda grosseira e suja...
Tudo poderia ser, menos um policial.

O sr. Getulio Vargas segue hoje para o interior

Viajando em trem especial que partirá às 10 horas da estação da Luz, o sr. Getulio Vargas segue hoje para Dois Corregos e Bauru, em companhia dos srs. Cirilo Junior, Nelson Fernandes e outros proceres pessedistas e trabalhistas.
Amanhã, o presidente de honra do P.T.B. comparecerá a comicios em Santos, Sorocaba e Santo André. O seu regresso ao Rio de Janeiro está marcado para o dia 7.


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