FIGUEIREDO CRITICA AS AÇÕES DOS EUA E URSS


Publicado na Folha da Tarde, terça-feira, 5 de fevereiro de 1980

Ao garantir ontem solidariedade brasileira com as grandes causas dos países africanos - durante banquete em homenagem a Sekou Touré, da Guiné - o presidente João Figueiredo fez denúncias diretas às atitudes dos Estados Unidos (boicote econômico) e União Soviética (Invasão do Afeganistão), afirmando que "vivemos hoje sinais de crise internacional" e acrescentando que a tensão entre as superpotências aumentou, provocando o retorno de clima já superado em todo o mundo. Figueiredo deu a entender em seu discurso que o Brasil se engajará numa posição que certamente seria adotada pelos países em desenvolvimento e não a uma superpotência. "Os países africanos e o Brasil têm o dever de apoiar-se mutuamente" - afirmou Figueiredo.

Figueiredo denuncia superpotências

Brasília (FT) - O presidente João Figueiredo denunciou ontem as atitudes dos Estados Unidos e da União Soviética no discurso que pronunciou durante o jantar ao presidente da Guiné Conacri, Sekou Touré, dizendo que as superpotências estão proporcionando o ressurgimento de um clima de tensões internacionais que parecia superado. E acrescentou que diante dele o Brasil ficará ao lado dos países em desenvolvimento que "têm o dever de apoiar-se mutuamente".
Esta foi a primeira vez que o chefe do Governo fez referência pública aos últimos acontecimentos mundiais e o tom utilizado pelo general Figueiredo agradou ao presidente Sekou Touré que, durante o encontro que mantiveram à tarde no Palácio do Planalto, afirmou que "a Guiné Conacri não colocará limites à cooperação com o Brasil".
Informações que circularam ontem à tarde no Itamaraty acrescentavam que no seu encontro de uma hora com o presidente João Figueiredo, Sekou Touré lembrou as identidades econômicas e sociais que unem o Brasil aos países africanos:
A noite, no banquete, o presidente brasileiro retomou o tema lembrando:
"Nossa agenda está preparada. Estamos de acordo quanto aos princípios que devem reger nossas relações bilaterais: equidade, respeito mútuo e benefícios recíprocos. Identificamos áreas básicas de cooperação. Agora é passar aos entendimentos e mecanismos operacionais que nos permitam levar adiante os nossos propósitos, e dar formas concretas ao nosso ideal de cooperação".
Disse também que "não tenha dúvida de que estamos próximos dos problemas africanos. Nossa posição a respeito deles é a projeção dos melhores valores do povo brasileiro. Manifesto por isso a profunda solidariedade brasileira com as grandes causas dos países africanos, identificadas hoje com as de todos os países devotados à Justiça e à Paz", afirmou Figueiredo, referindo-se especificamente à política de eliminação dos remanescentes do colonialismo na África, à solução da questões do Zimbabue e da Namibia, e do aparteismo.

A crise mundial

Na parte em que se refere à situação internacional, o presidente João Figueiredo afirma que "vivemos hoje sinais evidentes de crise internacional. Os níveis de tensão entre as superpotências aumentaram significativamente. Recria-se um clima que parecia superado. Na medida em que tais crises terminam por agravar as dificuldades enfrentadas por nossos povos, tanto mais as nações do terceiro mundo - em especial aos países africanos e o Brasil - têm o dever de apoiar-se mutuamente".
"Nossos instrumentos políticos - acrescentou - são certamente modestos. Mas não podemos calar diante de qualquer forma de violação do direito de autodeterminação."
No discurso, o presidente da República pede o respeito aos valores legais para a solução dos problemas, numa referência indireta ao Afeganistão, pois "as desigualdades entre as nações são fator de exploração política, com consequências inevitavelmente nefastas".
"Nesse quadro" - concluiu - "propostas de isolamento não teriam sentido. Só serviriam para criar novos focos de tensão". Ao contrário, "o Governo Brasileiro considera o fortalecimento da solidariedade entre os países em desenvolvimento e o aumento da sua capacidade de diálogo altamente benéficos à comunidade internacional", pois "baseados na necessidade de Paz e Justiça, e na adesão aos princípios da Carta da ONU, os países em desenvolvimento rejeitam toda violação de seus direitos. Toda forma de imposição."

Em Brasília

O presidente Sekou Touré desembarcou na Base Aérea de Brasília às 13h30 de ontem, acompanhado por uma comitiva de 7 ministros - Urbanismo e Habitação, Minas e Geologia, Ensino Superior e Pesquisa Científica, Comércio Interior, Informação e Agricultura, e dos Bancos e Financiamentos.
Foi recebido pelo presidente João Figueiredo e todos os ministros que se encontravam em Brasília. Depois, às 16 horas, esteve no Palácio do Planalto, para um encontro de uma hora com o chefe do Governo Brasileiro.
Depois o presidente Sekou Touré esteve no Itamaraty para ser apresentado aos embaixadores estrangeiros que servem em Brasília. Após a cerimônia ele retornou ao Hotel Nacional enquanto que seus ministros mantinham reunião de trabalho com o chanceler Saraiva Guerreiro, discutindo os itens que servirão de base para o relacionamento entre o Brasil e a Guiné.
Entre estes itens, segundo se informou, estão a cooperação no sistema de alfabetização, a construção de casas populares, a presença de empresas brasileiras em obras de engenharia da Guiné - especialmente construção de estradas, barragens e usinas hidrelétricas - e, também, no setor pecuário.
Hoje o chefe do Governo da República Popular da Guiné manterá novo encontro com o presidente João Figueiredo; visitará o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal, e à noite, oferecerá recepção as autoridades brasileiras.
Amanhã pela manhã ele estará em São Paulo para se encontrar com o governador paulista e empresários brasileiros interessados no mercado da Guiné.

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