2 MORTOS E 10 FERIDOS - SÃO LUÍS EM PÉ DE GUERRA


Publicado na Folha da Noite, sexta-feira, 4 de agosto de 1950

Neste texto foi mantida a grafia original

Acontecimentos mais graves são esperados no Maranhão Ocupada a capital por tropas do exercito Empastelado pelo povo o jornal do governo - Ademar voa para Teresina

São Luis, 4 (Do correspondente das FOLHAS) - Dois mortos e dez feridos, alguns dos quais inspirando cuidados, eis o balanço tragico dos graves acontecimentos de ontem à noite. A cidade a esta hora matinal ainda não se refez do golpe por que passou. O povo continua nas ruas guardadas por milicianos e devido à grande agitação popular e à exacerbação de animos, novos e talvez mais extensos conflitos são esperados. A multidão exaltada, sem temer represalias da policia, continua estacionada na principal praça da cidade, em frente ao edificio onde funciona a redação do "Diario de São Luís", que é o jornal do governo.

Ontem cedo

Já ontem pela manhã havia, aliás, quem previsse tudo que aconteceu. Corre aqui a versão de que nesse sentido, o sr. Alfredo Dualibe, presidente do Partido Social Trabalhista, declarara em rodas ligadas ao Palacio dos Leões que severas medidas seriam adotadas pelo governo, visando impedir a realização do comicio em que deveria falar _como de fato falou _ o governador paulista. Por isso mesmo _ sabe-se agora _ o sr. Clodomir Millet, secretario-geral da agremiação partidaria do sr. Ademar de Barros neste Estado, esteve na sede da guarnição do Exercito, aquartelada nesta capital, o 24.o Batalhão de Caçadores, onde foi procurar o cel. Sampaio Simão, a fim de expor-lhe a situação e transmitir-lhe as graves noticias que já corriam nos meios politicos. Realmente, às 15 horas era cortado o fornecimento de força à cidade, sendo essa providencia interpretada como indicio do que poderia ocorrer, ainda que fosse tambem na conta de um simples recurso de que lançava mão a corrente governista, para impedir que o comicio fosse transmitido pela Radio Ribamar.

Curiosidade publica

Na verdade, o "meeting" decorreu sem maiores atropelos, em ambiente de ordem. Marcado para a praça João Lisboa, que é o logradouro mais central e mais importante da cidade, teve, contudo, por determinação da Policia, que se realizar na praça Marechal Deodoro, situada numa das extremidades de São Luís. A medida não impediu, entretanto, que grande massa popular estivesse presente ao comicio, pois era grande a curiosidade despertada na população pela chegada do governador Ademar de Barros.

Passeata

Concluido o comicio, improvisou-se, então, uma passeata que deveria percorrer as ruas do centro até atingir a praça João Lisboa. O carro em que viajava o chefe do executivo paulista, em companhia dos seus correligionarios e aliados do Maranhão, prosseguia empurrado pelo povo e descia a rua do Sol, quando surgiram os primeiros tiros, os quais foram atingir os populares que se haviam colocado à frente do cortejo e que, nesse momento, haviam alcançado a praça João Lisboa.

Proteção ao Sr. Ademar de Barros

Mesmo de longe, podem os leitores das FOLHAS imaginar a confusão que imediatamente se estabeleceu. Os tiros partiam, em grande numero, de varios locais, onde não só milicianos como policiais a paisana se haviam entricheirado para melhor visar a multidão. Mesmo assim, tiveram os proceres pessepistas locais calma suficiente para tratar de cobrir, com segurança, a retirada do governador Ademar de Barros do local do conflito. Foi metido numa camioneta da Aerovias e mandado, sob a proteção de uma escolta constituida de politicos e populares, para a residencia do sr. Saturnino Belo, candidato do seu partido ao governo local.

2 mortos e 10 feridos

Desse tiroteio, que durou cerca de 15 minutos, resultaram um morto e 10 feridos, apresentando um deles perfuração do figado por bala de fuzil. O morto, que se chama João Evangelista, era um popular muito conhecido pelo seu entusiasmo pelo sr. Ademar de Barros, foi atingido na nuca, tambem por bala de fuzil. Era esse o balanço tragico até as primeiras horas do dia. Acaba, contudo, este correspondente de ser informado de que o ferido grave já faleceu. Trata-se igualmente de um popular, chamando-se ele Wilson Sousa.
Deve esclarecer-se que não pararam aí as violencias policiais. Já se dispersava o povo, a caminho de suas residencias, quando novo conflito estorou, sendo a multidão novamente tiroteada. É possivel que o tumulto fosse aqui ainda maior, visto o fato ter ocorrido em plena noite e de encontrar-se a cidade totalmente às escuras, só muito mais tarde sendo restabelecida a ligação de luz. Nessa ocasião, realizava-se um jantar intimo na residencia do sr. Saturnino Belo, oferecido ao governador paulista, sendo interrompido em virtude dos novos acontecimentos.

Providencias do exercito

Logo após haver tomado conhecimento do que acontecia na cidade, tratou o comandante do 24 BC, cel. Sampaio Simão, de comunicar-se com o comandante da 10.a Região Militar, sediada em Fortaleza, e à qual se acha subordinada a sua guarnição. Devidamente autorizado por aquela alta autoridade militar, determinou o cel. Simão que 10 grupos de combate descessem à rua praticamente ocupando a cidade. Foram postas guarnições à frente do Banco do Brasil, da Estação de Estrada de Ferro, dos Correios e Telegrafos e outros pontos importantes desta capital.

Telegramas ao ministro da justiça

O sr. Ademar de Barros ontem mesmo endereçou ao ministro da Justiça energico telegrama narrando os acontecimentos e protestando contra a agressão cometida pela policia maranhense contra os seus correligionarios, os quais, reunidos em praça publica, apenas cumpriam, pacificamente, um dever civico. Identica providencia foi adotada pelas bancadas oposicionistas locais, que ainda hoje deverão, igualmente, denunciar os fatos da tribuna da Assembléia do Estado. Informa-nos, a respeito, um dos seus lideres, que será exibido naquele parlamento o lenço tinto de sangue de João Evangelista, que foi tambem o primeiro morto desta campanha.

Jornalista ameaçado de prisão

Correm sobre os acontecimentos as mais desencontradas versões e são feitos prognosticos de toda natureza. A agitação popular é ainda grande e ameaça degenerar em conflitos mais extensos. Podemos assegurar, a esse respeito, que foram expedidas ordens de prisão contra o jornalista Neiva Moreira e contra o procer petebista local, sr. Edson Brandão. Tais medidas estão sendo interpretadas como sinais de que a policia não permitirá hoje a circulação dos jornais oposicionistas, que são "O Combate" e o "Jornal do Povo", este dirigido por aquele jornalista e o primeiro pelo deputado Lino Machado.

Empastelado o "Diario de São Luis"

Apesar da furia policial e das precauções adotadas pelo governo, que mandara ocupar a praça João Lisboa por uma companhia de guerra, no auge dos acontecimentos, conseguiu a multidão enfurecida varar a barragem de tiros e invadir a redação do jornal situacionista, dirigido pelo proprio sr. Vitorino Freire, que é o inspirador da politica do governo, e aí cometer depredações.

Capangas da Paraiba

Assegura-se aqui nos meios da oposição que participaram do tiroteio numerosos capangas importados da Paraiba, não faz muito tempo, justamente com o fim de atemorisar as forças que se opõem ao governo. Varios desses capangas foram vistos durante os acontecimentos, de revolver em punho, atirando contra o povo. E ao que se assevera eram eles comandados, pessoalmente, pelo deputado situacionista sr. Lister Caldas, pelo sr. Djalma Brito, sobrinho do senador Vitorino Freire, e pelo consultor jurídico do Estado, sr. Newton Bello.

Viajou para Teresina o sr. Ademar de Barros

O sr. Ademar de Barros viajou esta manhã para Teresina, devendo, entretanto, pernoitar em Fortaleza e somente amanhã seguir para Mossoró e Natal, no Rio Grande do Norte, onde se espera aqui que seja oficialmente lançada a candidatura do sr. Café Filho à vice-presidencia da Republica.

Sepultamento secreto

Estamos sabendo, neste momento, por pessoa idonea, que a policia fechou e guarda os portões do cemiterio local, onde já se encontram os corpos das duas vitimas. Em frente, grande multidão exaltada espera forçar a entrada e assistir ao sepultamento, o qual _ pelo visto _ deseja o governo que se faça em surdina, sem testemunha de qualquer especie.

Ademar é o responsável - "Trouxe homens armados até de metralhadoras", declara à "Folha da Noite" o secretario do interior do Maranhão

Visando obter novas informações sobre os acontecimentos da noite de ontem na capital maranhense, procuramos estabelecer ligação telefonica com o cel. Sebastião Alcher da Silva, governador daquele Estado. Na impossibilidade de atender pessoalmente, o governador determinou ao seu Secretario do Interior, sr. Alceu Costa, que nos fornecesse as informações necessarias.
- "O unico responsavel pelo lamentavel acontecimento - disse inicialmente aquela autoridade - foi o proprio sr. Ademar de Barros. O governador paulista, durante o comicio que realizava na praça Deodoro, insuflava, em seu discurso, o povo contra as autoridades maranhenses, instigando os populares a que reagissem contra as forças governamentais. A praça onde se realizava o comicio não estava policiada e, terminada a reunião, o governador, tendo à frente a massa popular, seguiu para a praça onde está localizada a redação do "Diario de São Luis".

Capangas fortemente armados

- "Naquela praça - prosseguiu o nosso entrevistado - os homens que Ademar trouxe a este Estado, fortemente armados até de metralhadoras, tentaram invadir a redação daquele jornal, que é o orgão oficial do P.S.T., no que foram impedidos pelos policiais que ali estavam postados, sobrevindo, então, o tumulto."

Um policial à paisana recolhe a tropa

- "Um policial à paisana, surgindo no local, mandou que a tropa se recolhesse, o que impediu que maiores consequencias surgissem. Uma camioneta do jornal, porem, foi incendidada, sendo tambem depredados os moveis daquele diario.
"Do cerrado tiroteio, saltaram feridos dois populares, havendo tambem um morto." O governador deste Estado, tomando conhecimento dos fatos, mandou que as tropas do governo protegessem a redação do "Diario de São Luis", o que, certamente, impediu que ele fosse completamente empastelado, tal a furia de que se achavam possuidos os homens de Ademar."

Ademar promete voltar

"O sr. Ademar de Barros - continua o sr. Alceu Costa - deixou São Luis na madrugada de hoje. Antes, porem, anunciou que voltaria a esta capital com mais gente e com maior armamento e, naturalmente, para provocar novos tumultos."
Finalizando, o secretario do Interior informou que a cidade está em "relativa calma", não se esperando novas alterações de ordem, pelo menos, por enquanto.
 

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