SAMUEL WAINER MORRE AOS 68 EM SÃO PAULO


Publicado na Folha de S.Paulo - quarta-feira, 3 de setembro de 1980


O jornalista Samuel Wainer, 68 anos, responsável pelo comentário político de São Paulo na Página Dois da "Folha", membro do seu Conselho Editorial e criador da "Ultima Hora", jornal que causou verdadeira revolução na imprensa brasileira dos anos 50, faleceu ontem, às 8h50, nesta Capital. Samuel sofreu parada cardíaca em consequência de insuficiência respiratória aguda, ao ser transportado para o Hospital Albert Einstein. Velado no próprio hospital até as 17h30, o corpo foi cremado ontem mesmo no crematório de Vila Alpina.
Nascido em 1912, Samuel começou no jornalismo com a primeira revista política brasileira, "Diretrizes", da intelectualidade antifascista, lançada em 1938 e fechada pelo DIP em 1944. Por ela, cobriu o julgamento de Nuremberg, durante o primeiro de seus dois exílios (o outro, foi posterior a 1964). Desde 1977, Samuel Wainer integrou-se à "Folha", com a qual colaborou até a véspera da morte, escrevendo um artigo sobre a greve na Polônia, publicado na segunda página de ontem.

S. W.

Escrever para a platéia de Samuel Wainer no dia de sua morte é algo que nunca me passara pela imaginação. Mas, insistem, é missão do editor-responsável do jornal. Missão dolorosa para quem, ao longo dos anos, teve uma suave convivência diária com um profissional ao qual se habituara a encarar com o mais profundo respeito. De proprietário de uma das maiores cadeias jornalísticas do País, depois de trilhar muitos caminhos, passou a nosso companheiro de redação. Desempenhava sua tarefa jornalística com extraordinária competência, entusiasmo de jovem e humildade dos sofridos.
No sábado conversávamos. Por detrás de suas espessas sobrancelhas, Samuel deixava transparecer toda a apreensão de homem experiente ante a situação nacional. Preocupavam-no especialmente os atentados terroristas, que ele considerava grave ameaça à abertura promovida pelo presidente Figueiredo.
Democrata convicto, purgado pelo sofrimento, Wainer era essencialmente um conciliador. A experiência dos exílios e uma visão profundamente realista do mundo e do Brasil tornavam-no um anticonflitivo. Acima de tudo, ele acreditava na composição e no entendimento político. E não titubeava em verberar os radicalismos, que identificava com implacável lucidez e combatia com acentuada veemência; daí os ataques até pessoais que recebia das facções extremadas, tanto da direita como da esquerda.
Todo seu raciocínio político era lastreado em uma aguda visão social, provavelmente reforçada no longo convívio com Getúlio Vargas, de quem ele conhecia as virtudes e os defeitos. Aos 68 anos, analisava a crise brasileira com mentalidade moderna e memória quase prodigiosa. Seu pensamento voltava-se para os trabalhadores e as camadas menos favorecidas da população, para cujos movimentos fazia especial empenho em alertar seus companheiros mais jovens e os políticos com quem convivia.
Não seria exagerado afirmar que Samuel mostrava muita inquietação com a crise econômica e política do País. Mas, humano, ele acreditava também na ação das pessoas e procurava influenciar seus leitores e as áreas de decisão no sentido da harmonização dos conflitos. Temia a cegueira do totalitarismo e identificava na ação política violenta e selvagem o estopim para retrocessos que temia.
Confronto era palavra excluída de seu linguajar político, assim como de seu comportamento pessoal, caracterizado por uma paciência milenar, talvez herdada de seus ancestrais.
Melhor do que ninguém, os leitores da "Folha" conheceram Samuel, suas idéias, sua pregação. Será muito difícil substituí-lo.

Morre o jornalista Samuel Wainer

O jornalista Samuel Wainer, 68 anos, responsável pelo comentário político de São Paulo na Página Dois deste jornal, membro do Conselho Editorial da "Folha" e criador de "Ultima Hora", morreu ontem às 8h50, no Hospital Albert Einstein, na capital. Sofreu uma parada cardíaca, devido à insuficiência respiratória aguda. Seu corpo foi velado no próprio hospital até às 17h30 por jornalistas, artistas, intelectuais, empresários e políticos, que acompanharam o féretro até o Crematório de Vila Alpina.
Eram quase 18h30 quando o carro fúnebre com o corpo do jornalista entrou no subsolo do crematório e depositou o caixão. Numa rápida cerimônia - de pouco mais de um minuto - que emocionou os presentes, familiares e amigos reverenciaram pela última vez Samuel Wainer. Em seguida, o mesmo elevador que alçou o caixão recolheu-o para a cremação.
Samuel trabalhou até o último dia da sua vida. Pela manhã, em casa, como fazia todos os dias. À tarde, na "Folha" concluiu seu artigo para a Página Dois, publicado sob o título "Uma Vitória do Progresso", em que ressaltava as conquistas dos trabalhadores grevistas da Polônia.
À noite, porém, seus crônicos problemas respiratórios se agravaram. Depois de um telefonema para o amigo, e escritor, Jorge Cunha Lima, com quem ia jantar, começou a passar mal. Isabel Dias da Rosa, sua governanta, contou que providenciou sua remoção ao pronto-socorro de cardiologia Procordes e, assistido pelo médio Miguel Bogossian, foi removido para o hospital Albert Einstein, onde faleceu.
Samuel nasceu em São Paulo, na capital, a 12 de janeiro de 1912 e era estudante de Farmácia quando conheceu Batista Pereira, genro de Rui Barbosa, e proprietário de uma revista ilustrada, responsável pelo seu ingresso no jornalismo. Deixa três filhos: Débora (Pink, 25 anos), Samuel Jr. (Samuca, 24 anos, também jornalista), e Bruno (19 anos), de seu casamento com Danusa Leão. Deixa também três netos. Era filho de Jayme Wainer e de dona Dora Wainer.

Pesar

A consternação com sua morte ficou evidenciada por todos os que acorreram ao velório do Hospital Albert Einstein. Empresários, como José Ermírio de Moraes, políticos com o ex-prefeito da Capital, Olavo Setúbal; o prefeito de São Bernardo do Campo, Tito Costa e Cláduio Lembo, dirigente do PP; intelectuais, como Cacá Diegues, cineasta que começou no jornalismo com Samuel e, principalmente, ex-companheiros de redação lembraram suas qualidades de repórter e "fazedor de jornais".
Representantes dos principais jornais estiveram presentes: o sr. Octávio Frias de Oliveira, acionista e ex-diretor-presidente da Empresa Folha da Manhã S/A; jornalista Boris Casoy, editor-responsável da "Folha"; Octávio Frias Filho, secretário do Conselho Editorial deste jornal; os jornalistas Miguel Jorge, editor-chefe de "O Estado de S. Paulo"; Antônio Aggio Júnior, editor-chefe da "Folha da Tarde" e Carlos Tavares, representando o governador Paulo Maluf.
Companheira e assistente dos últimos momentos de Samuel, sua governanta Isabel Dias da Rosa, emocionada, lembrou sua dedicação. "Ele era muito alegre, muito humano. Adorava os filhos, os amigos e a profissão. Era amigo do Brizola, contra o atual presidente e contra o governador."

O mesmo hábito, até o fim

Chegou anteontem, como de hábito, com um leve sorriso nos lábios, o cumprimento à secretária, o andar compassado. Cabelos e bigodes totalmente brancos, pulôver azul claro, camisa branca, calça cinza e os grandes óculos sobrepondo-se aos olhos vivos e azuis. Era, como de hábito, entre cinco e meia e seis da tarde da segunda-feira, 1o de setembro. Preparou a mesa para escrever, mas, também como de hábito, antes de fazê-lo, entrou na sala contigua à sua, de Otávio Frias Filho, com quem gostava de comentar os acontecimentos do dia.
"Eram, na verdade, monólogos, na medida em que eu pouco falava e ouvia muito", recorda Otávio. "Ele refletia sobre o curso das coisas, em voz alta, olhando para a janela; com frieza cética do profissional de imprensa e um tom ao mesmo tempo sarcástico e generoso, ele costumava comparar os acontecimentos do dia e da semana com outros, que tinham vivido e dos quais havia participado intensamente nas décadas passadas. Sempre extraía alguma ilação ou paralelo entre o que estava ocorrendo no dia e um fato passado na época de Getúlio, Juscelino ou Jango, embora ele próprio fosse o primeiro a assinalar as diferenças e alertar para o perigo de comparações mecânicas".
Foi assim também anteontem. Com a diferença do elogio para o "Cotidiano" que Otávio escrevera para o domingo e um comentário irônico sobre a greve na Polônia, tema do que seria o seu último artigo. Abriu de novo a porta, despediu-se com um aceno de mão e foi para a sua sala, escrever na velha Olivetti.
Às sete da noite, ainda uma vez seguindo o hábito de alguns anos, ligou para Emir Nogueira, pedindo que alguém fosse buscar o artigo que escrevera. E, religiosamente, meia hora depois, ligou de novo para perguntar se o artigo já fora recebido, se estava tudo bem, se não havia "nenhum desconchavo". Esse era outro hábito de um profissional que, recorda Emir, "tinha uma missão a cumprir - e a cumpria. Disposto ou indisposto, bem de saúde ou angustiado por aquela "insuficiência respiratória crônica" e demais complicações que lhe abreviariam o fim". Zelo profissional - assim Emir define essa rotina de cumprir a sua tarefa e, não satisfeito, interessar-se por saber se o seu trabalho chegara ao responsável por editá-lo.
Emir recorda, também, que o tema do último artigo (a greve na Polônia como demonstração da necessidade de um sindicalismo livre, forte e democrático) era "uma espécie de volta às origens, pois foi Samuel Wainer quem, na imprensa brasileira, pela primeira vez, permitiu que a voz de sindicatos e líderes sindicalistas fosse ouvida. Isso, muito mais do que as inovações gráficas, é que justifica dizer que a velha "Ultima Hora", fundada por Samuel na década de 50, revolucionou profundamente o jornalismo neste País".
Certo de que o artigo chegara, Samuel telefonou para a central de rádio-táxi, pedindo que um táxi fosse apanhá-lo. Antes de sair, perguntou à secretária se ela havia lido a "Revista de Samuel Wainer", três páginas só dele, publicadas no último número da revista "Status", e despediu-se. Só não cumpriu um hábito de sua velha rotina: a máquina de escrever ficou na posição normal, e não de pé, com o teclado para cima, como costumava deixa-la desde os tempos da "Ultima Hora".

O último artigo

O último artigo que Samuel Wainer escreveu para a "Folha", e deveria ser publicado esta semana na "Folha Ilustrada", foi sobre o livro "A Defesa Tem a Palavra (O Caso Doca Street e Algumas Lembranças)", do professor Evandro Lins e Silva.

O telefonema foi curto e educado: "Aqui é Doca Street. Como vai? Lembra-se de mim? Encontramo-nos um dia, na casa de Jean Louis." Claro que eu me lembrava. A voz de Doca era a de alguém que envelheceu muito nesses poucos anos. E soava triste, deprimida, mas com um toque ainda razoável de autoconfiança. "Falo-lhe em nome do professor Evandro Lins e Silva. Ele foi meu defensor. É grande amigo seu, não é?" Sim, Evandro é meu amigo de adolescência. Antes de se tornar o mais célebre advogado criminal do Brasil, Evandro, Carlos Lacerda, Alceu Marinho Rego, Moacir Werneck de Castro, Jorge Amado e eu fazíamos parte do grupo "Diretrizes", a revista que foi historicamente a mais importante precursora da hoje chamada imprensa alternativa. Depois, no governo Goulart, de que Evandro chegou a ser ministro das Relações Exteriores, ainda nos tornamos amigos. "Desculpe incomodá-lo - continuou Doca -, é que Evandro acaba de publicar mais um livro. O seu título é "A Defesa Tem a Palavra", e subtítulo, "(O Caso Doca Street e Algumas Lembranças)". Ele lhe pede algumas palavras sobre o livro." É claro que a introdução de Doca seria dispensável. Tudo que Evandro conta e escreve é sempre atraente. Mas, no caso Doca, é especialmente emocionante. Pelo trecho da carta que transcrevo a seguir, embora resumida, espero sintetizar do depoimento de Evandro - que recomendo aos que sabem que a vida se renova a cada dia. A carta é assinada por uma mulher de Recife, Maria do Carmo Barreto Lins. Não tem parentesco com Evandro e parece resumir a média do pensamento feminino sobre o doloroso caso passional de Doca: "Na realidade, a vítima começara a morrer desde que se tornou pantera. O resultado do júri foi bom. Para Raul não haverá prisão maior do que a que tem no pensamento. Ele não se libertará nunca de si mesmo. Se o tempo retrocedesse com a forma de sofrer agora adquirida pelo gesto que não pôde deter, creio que não faria o mesmo. Ele não se julga herói: é antes o anti-herói, curtido por sofrimento de sonho destruído."

Uma luta constante de 42 anos

Se não tivesse sido cremado e pudesse escolher uma frase para o seu túmulo, provavelmente Samuel Wainer escolheria esta, símbolo de seus 68 anos de vida e 42 de jornalismo: "Sou um boxeador, estou no ringue e quero ser o vencedor". Sua vida no jornalismo, atividade a que chegou pela soma de um imenso talento natural e uma não menor paixão pela profissão, conforme ele mesmo dizia, foi uma luta constante, desde o momento em que fundou "Diretrizes", primeira revista brasileira de fundo político, em 1938, ou seja, em pleno Estado Novo varguista, tempos do tristemente célebre DIP e sua censura férrea.
"Diretrizes", revista da intelectualidade antifascista, lançada em pleno apogeu do fascismo, era apenas a continuação do exercício do talento natural de Samuel, que, nos seus tempos de escola, colaborara com o jornal da Associação dos Estudantes Israelitas. A revista sobreviveu penosamente durante quase toda a ditadura estadonovista, mas Samuel resistiria um pouco menos: no dia 5 de agosto de 1942, ele sofreria a primeira de suas três prisões, acusado de "atividades comunistas", acusação que se repetiria, intermitentemente.
As prisões (em 43, foi detido de novo) convenceream o jovem jornalista a buscar o exílio, o primeiro de sua vida. Local escolhido inicialmente: os Estados Unidos. Ficou um ano e partiu para a Europa, onde se tornaria o único jornalista latino-americano a cobrir o julgamento de Nuremberg, como correspondente de "Diretrizes" e da BBC de Londres. "Diretrizes" foi fechada pelo DIP, em 44, Getúlio caiu em 45 e Samuel Wainer voltou ao Brasil dois anos depois, já contratado pelos "Diários Associados". É por essa organização que ele se aproxima de seu antigo perseguidor, Getúlio Vargas: em 49, Getúlio está recolhido à estância de São Borja, no extremo Sul, e Samuel vai entrevistá-lo. A entrevista é publicada com um título que se revelaria profético: "Ele Voltará". Voltou, de fato. E Samuel Wainer, seu ex-adversário, passou a ser seu conselheiro pessoal. Anos depois, em entrevista para a série "Dossiê Memória da Imprensa", da "Folha", Samuel explicaria assim a sua aproximação com o antigo adversário:
"Pra mim o Getúlio era um grande assunto, porque o fundamental na vida do jornalista é o assunto. Se ele tem o assunto e o assunto se entrega a ele, ele deve tirar desse assunto as últimas consequências. O jornalista que mata ou trai a confiança de seu assunto é um médico que mata o seu paciente."

Nasce a UH

Da amizade com Getúlio, nasce a "Ultima Hora", uma verdadeira revolução na imprensa da época. A UH introduz no Brasil a diagramação no jornalismo (contratando, inclusive, um artista gráfico argentino, Andrés Guevara), valoriza o repórter e o fotógrafo, cria as grandes coberturas em equipe. O sucesso é imediato: em seis meses, a "Ultima Hora" se transforma no jornal mais vendido do Rio de Janeiro e a rede UH se estende, rapidamente, por mais sete Capitais, além de incluir também a Rádio Clube do Brasil, cuja licença seria cassada em 1953.
O sucesso não afastou Samuel do ringue. Ao contrário: sua posição de apoio ao presidente Vargas valeu-lhe a inimizade feroz de Carlos Lacerda e de sua "Tribuna da Imprensa", que desencadeou uma campanha que levaria Samuel à nova prisão, em 1953: Lacerda acusava Samuel de mentir sobre a sua nacionalidade. Ele - acusava a "Tribuna da Imprensa" - nascera, na verdade, na Bessarábia, Romênia, e forjara a nacionalidade brasileira para poder dirigir um jornal, o que a lei vedava a estrangeiros de nascimento (Samuel garantia que nascera em São Paulo e até se dizia "um judeu do Bom Retiro").
Dessa época em diante, Samuel e a "Ultima Hora" estiveram sempre na linha de fogo, mas seria na sequência do golpe de 31 de março que a perseguição aumentaria: a "Ultima Hora" foi invadida e depredada; Samuel, perseguido, exilou-se na Embaixada do Chile e perdeu os direitos políticos. Partiu, então, para o segundo exílio na Europa, após breve passagem por Santiago. Um exílio que revelaria uma nova faceta: produziu o filme "Pastores da Desordem", uma visão irônica e surrealista da Grécia de então, rodado na própria Grécia.

De empresário a empregado

O exílio durou até 68. E Samuel resistiu como proprietário da "Ultima Hora" até 1971, quando o título foi vendido, exatamente vinte anos após a sua criação, para "poder pagar dívidas trabalhistas", conforme Samuel explicaria mais tarde. O empresário, que nunca quis ser, naufragava, mas o jornalista continuava vivo, ativo. Assume a direção de "Domingo Ilustrado", do grupo Bloch. Funda, em 1975, o semanário "Aqui, São Paulo", outra tentativa de reformulação em profundidade da imprensa brasileira, dirigida a nova fase da "Ultima Hora" paulista, agora pertencente ao grupo "Folhas".
E, em junho de 1977, exatamente no dia 5, começa a assinar na segunda página deste jornal, a coluna política de São Paulo, com as iniciais S. W. Seria a sua última trincheira, o seu último ringue.
Samuel Wainer deixou ontem o ringue onde exercitara a sua paixão, o jornalismo, profissão e paixão que ele enxergava indissoluvelmente ligadas:
"A paixão é fundamental em jornalismo. Tem que ser uma paixão como é a de um "boxeur" que entra no ringue mesmo sabendo que vai apanhar e gosta de seu "metier". Você pode entender isso? Pode-se entender um "boxeur" que gosta de ser "boxeado"?

ABI ressalta o talento

"Samuel Wainer representou um momento alto em talento e lucidez. A sua morte enche de sentimento de dor a classe jornalística e acentua a dimensão de sua perda para a história do jornalismo no Brasil". Assim se manifestou, no Rio, o presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Barbosa Lima Sobrinho, em nota divulgada ontem, encabeçando as manifestações de pesar dos mais diversos setores da Imprensa do País pela morte do jornalista e os depoimentos sobre a importância do seu trabalho.
Eis a íntegra da mensagem da ABI:
"A diretoria da Associação Brasileira de Imprensa manifesta profundo pesar da classe jornalística pela morte de Samuel Wainer. Em todas as frentes de atuação de Samuel Wainer, desde as "Diretrizes" da década de 40 à posição final de editorialista da "Folha de São Paulo", ele representou momentos importantes da história do jornalismo no Brasil. Renovador de métodos gráficos, de política salarial, dignificando a profissão, de tratamento de matérias, pioneiro de concepções avançadas, como a da rede nacional de periódicos, posteriormente realizada pela televisão e pelo rádio, da criação de colunas especializadas e de uma linguagem coloquial, até então inédita em nossa imprensa, Samuel Wainer representou um momento alto em talento e lucidez. A sua morte enche de sentimento de dor a classe jornalística e acentua a dimensão de sua perda para a história do jornalismo no Brasil".
Boris Casoy, editor-responsável da "Folha", afirmou: A "Folha" perde um grande jornalista. Perde também a imprensa paulista e brasileira. Além de grande jornalista, Samuel era amigo de todos nós o conselheiro nas horas difíceis. Considero um privilégio ter convivido com o profissional e com o homem Samuel Wainer.
"Samuel teve uma semana bastante alegre. Sua participação em uma mesa-redonda, realizada pela TV Bandeirantes, ao lado do ex-governador Leonel Brizola, o deixou muito satisfeito, e ele comentou bastante as opiniões ouvidas de amigos seus, que assistiram ao programa, e definiram sua exposição como brilhante. No último sábado, ele estava ciceroneando uma jornalista dinamarquesa que queria conhecer um bairro judaico em São Paulo. Ele me disse, depois, que havia voltado ao Bom Retiro, onde nasceu, depois de 20 anos de ausência, e feito uma longa viagem a sua infância.
Ainda na área jornalística registraram-se vários pronunciamentos sobre Samuel Wainer, entre os quais destacamos os seguintes:
Roberto Marinho: "Samuel Wainer foi um dos jornalistas mais inteligentes de seu tempo. Suas reportagens, entrevistas e comentários eram sempre vivos e constituíam uma leitura atrativa para os seus leitores. Estivemos, num determinado momento, em campos opostos, mas nunca me considerei seu inimigo, tal o encanto de sua personalidade e a extrema simpatia de sua figura."
Otávio Malta: "O que deu grande força e penetração de Samuel no grande público foi sua qualidade de repórter, o faro, a capacidade de apreender no conjunto o que é relevante e fundamental".
Geraldo Escobar: "Trabalhei com ele no 'Diário da Noite" e fui ser repórter esportivo da 'Ultima Hora', convidado por ele. Lembro-me muito bem de uma aula de jornalismo que um dia ele deu os repórteres da Editoria de Esportes: "O Flamengo é o time mais popular desta cidade. Logo, vencendo ou perdendo, é um time que vende jornal".
Nélson Rodrigues: "Samuel Wainer foi uma das grandes figuras do moderno jornalismo brasileiro. Era, sobretudo, jornalista. Tinha um faro, uma visão aguda, tanto do fato miúdo quanto dos grandes momentos do País. Sua grande obra, a 'Ultima Hora' teve um momento de êxito desenfreado e ao se deparar com Carlos Lacerda entrou numa fase trágica. Contudo, com resignação, paciência, Samuel sobreviveu e renasceu".
Hamílton Almeida Filho: "Eu tinha um fascínio incrível por aquele homem de cabelos brancos, óculos em cima da cabeça, que entrava na redação mexendo com todo mundo. O fascínio que ele exercia sobre as pessoas era determinante. As pessoas ou o odiavam ou o amavam, sem limites.
Inácio de Loiola Brandão, jornalista e escritor: "A grande lição de jornalismo que eu aprendi com ele foi o respeito às idéias. Eu ainda era seu foca, no jornal "Ultima Hora", ele me chamou em sua sala e disse que não me deixaria escrever o que eu queria. Ressaltou que ele era o dono do jornal e que, portanto, ele era quem deveria definir sua linha. Mas dissse também que nunca me obrigaria a escrever qualquer coisa que contrariasse os meus princípios. E assim foi enquanto dirigiu jornais. Ele nunca obrigou nenhum jornalista a escrever algo que fosse contra sua ideologia."

Repercussão na área politica

"Atilado, arguto, creio que uma de suas características era montar sempre suas interpretações sobre os fatos. Poderia mesmo dizer que foi o rei dos fatos. Pessoalmente e pelo PMDB me associo às manifestações pelo desaparecimento de uma grande figura do mundo das comunicações", disse ontem o deputado Ulisses Guimarães, ao lamentar a morte de Samuel Wainer.
No Senado, Franco Montoro (PMDB-SP) pediu transcrição, nos anais, do último artigo de Wainer na "Folha" ontem, sob o título "Uma Vitória do Progresso", no qual defendia os trabalhadores da Polônia em sua luta por um sindicalismo livre. E o senador Mauro Benevides (PMDB-CE) pediu a transcrição do artigo "O Homem Caído", também, de Wainer, publicado em nossa edição de 24 de agosto. Exaltaram ainda a personalidade do jornalista os senadores Orestes Quércia (PMDB-SP), Aderbal Jurema (PDS-CE), Gilvan Rocha (PP-SE) e Dirceu Cardoso (sem partido, ES).
O ex-governador Leonel Brizola, presidente do PDT, disse em Porto Alegre que Wainer "marcou época e morreu como um puro-sangue, na cancha". A Assembléia gaúcha aprovou dois votos de pesar pela morte de Wainer, requeridos pelo PDT e pelo PMDB.
Para o ex-governador Miguel Arraes, Wainer "era incorruptível, pois não traía suas idéias".
O ex-presidente Jânio Quadros comentou que Wainer "deve ter sido uma das melhores penas no exame da política e dos problemas brasileiros", acentuando: "Criou uma escola e nossa esperança é de que tenha discípulos com a sua estrutura."
A requerimento do deputado Deni Schwartz, do PMDB, a Assembléia do Paraná aprovou voto de pesar pela morte de Wainer, que "deixará, sem dúvida, uma grande lacuna. E na Assembléia de Mato Grosso a bancada do PMDB distribuiu nota afirmando que "a Nação perde, num dos momentos mais críticos de sua história, uma personalidade que sempre pautou sua conduta pela defesa dos princípios democráticos."
O presidente da Assembléia Legislativa de São Paulo, Robson Marinho, enviou telegrama à Associação dos Cronistas Parlamentares, manifestando pesar pela morte de Samuel Wainer.
 

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