SAMUEL WAINER MORRE AOS 68 EM SÃO PAULO
|
Publicado
na Folha de S.Paulo - quarta-feira, 3 de setembro de 1980
|
|
|
O jornalista Samuel Wainer, 68 anos, responsável pelo comentário
político de São Paulo na Página Dois da "Folha",
membro do seu Conselho Editorial e criador da "Ultima Hora",
jornal que causou verdadeira revolução na imprensa brasileira
dos anos 50, faleceu ontem, às 8h50, nesta Capital. Samuel
sofreu parada cardíaca em consequência de insuficiência
respiratória aguda, ao ser transportado para o Hospital Albert
Einstein. Velado no próprio hospital até as 17h30, o
corpo foi cremado ontem mesmo no crematório de Vila Alpina.
Nascido em 1912, Samuel começou no jornalismo com a primeira
revista política brasileira, "Diretrizes", da intelectualidade
antifascista, lançada em 1938 e fechada pelo DIP em 1944. Por
ela, cobriu o julgamento de Nuremberg, durante o primeiro de seus
dois exílios (o outro, foi posterior a 1964). Desde 1977, Samuel
Wainer integrou-se à "Folha", com a qual colaborou
até a véspera da morte, escrevendo um artigo sobre a
greve na Polônia, publicado na segunda página de ontem.
|
S.
W. |
Escrever para a platéia de Samuel Wainer no dia de sua morte
é algo que nunca me passara pela imaginação.
Mas, insistem, é missão do editor-responsável
do jornal. Missão dolorosa para quem, ao longo dos anos, teve
uma suave convivência diária com um profissional ao qual
se habituara a encarar com o mais profundo respeito. De proprietário
de uma das maiores cadeias jornalísticas do País, depois
de trilhar muitos caminhos, passou a nosso companheiro de redação.
Desempenhava sua tarefa jornalística com extraordinária
competência, entusiasmo de jovem e humildade dos sofridos.
No sábado conversávamos. Por detrás de suas espessas
sobrancelhas, Samuel deixava transparecer toda a apreensão
de homem experiente ante a situação nacional. Preocupavam-no
especialmente os atentados terroristas, que ele considerava grave
ameaça à abertura promovida pelo presidente Figueiredo.
Democrata convicto, purgado pelo sofrimento, Wainer era essencialmente
um conciliador. A experiência dos exílios e uma visão
profundamente realista do mundo e do Brasil tornavam-no um anticonflitivo.
Acima de tudo, ele acreditava na composição e no entendimento
político. E não titubeava em verberar os radicalismos,
que identificava com implacável lucidez e combatia com acentuada
veemência; daí os ataques até pessoais que recebia
das facções extremadas, tanto da direita como da esquerda.
Todo seu raciocínio político era lastreado em uma aguda
visão social, provavelmente reforçada no longo convívio
com Getúlio Vargas, de quem ele conhecia as virtudes e os defeitos.
Aos 68 anos, analisava a crise brasileira com mentalidade moderna
e memória quase prodigiosa. Seu pensamento voltava-se para
os trabalhadores e as camadas menos favorecidas da população,
para cujos movimentos fazia especial empenho em alertar seus companheiros
mais jovens e os políticos com quem convivia.
Não seria exagerado afirmar que Samuel mostrava muita inquietação
com a crise econômica e política do País. Mas,
humano, ele acreditava também na ação das pessoas
e procurava influenciar seus leitores e as áreas de decisão
no sentido da harmonização dos conflitos. Temia a cegueira
do totalitarismo e identificava na ação política
violenta e selvagem o estopim para retrocessos que temia.
Confronto era palavra excluída de seu linguajar político,
assim como de seu comportamento pessoal, caracterizado por uma paciência
milenar, talvez herdada de seus ancestrais.
Melhor do que ninguém, os leitores da "Folha" conheceram
Samuel, suas idéias, sua pregação. Será
muito difícil substituí-lo.
|
Morre
o jornalista Samuel Wainer |
O jornalista Samuel Wainer, 68 anos, responsável pelo comentário
político de São Paulo na Página Dois deste jornal,
membro do Conselho Editorial da "Folha" e criador de "Ultima
Hora", morreu ontem às 8h50, no Hospital Albert Einstein,
na capital. Sofreu uma parada cardíaca, devido à insuficiência
respiratória aguda. Seu corpo foi velado no próprio
hospital até às 17h30 por jornalistas, artistas, intelectuais,
empresários e políticos, que acompanharam o féretro
até o Crematório de Vila Alpina.
Eram quase 18h30 quando o carro fúnebre com o corpo do jornalista
entrou no subsolo do crematório e depositou o caixão.
Numa rápida cerimônia - de pouco mais de um minuto -
que emocionou os presentes, familiares e amigos reverenciaram pela
última vez Samuel Wainer. Em seguida, o mesmo elevador que
alçou o caixão recolheu-o para a cremação.
Samuel trabalhou até o último dia da sua vida. Pela
manhã, em casa, como fazia todos os dias. À tarde, na
"Folha" concluiu seu artigo para a Página Dois, publicado
sob o título "Uma Vitória do Progresso", em
que ressaltava as conquistas dos trabalhadores grevistas da Polônia.
À noite, porém, seus crônicos problemas respiratórios
se agravaram. Depois de um telefonema para o amigo, e escritor, Jorge
Cunha Lima, com quem ia jantar, começou a passar mal. Isabel
Dias da Rosa, sua governanta, contou que providenciou sua remoção
ao pronto-socorro de cardiologia Procordes e, assistido pelo médio
Miguel Bogossian, foi removido para o hospital Albert Einstein, onde
faleceu.
Samuel nasceu em São Paulo, na capital, a 12 de janeiro de
1912 e era estudante de Farmácia quando conheceu Batista Pereira,
genro de Rui Barbosa, e proprietário de uma revista ilustrada,
responsável pelo seu ingresso no jornalismo. Deixa três
filhos: Débora (Pink, 25 anos), Samuel Jr. (Samuca, 24 anos,
também jornalista), e Bruno (19 anos), de seu casamento com
Danusa Leão. Deixa também três netos. Era filho
de Jayme Wainer e de dona Dora Wainer.
|
Pesar |
A consternação com sua morte ficou evidenciada por todos
os que acorreram ao velório do Hospital Albert Einstein. Empresários,
como José Ermírio de Moraes, políticos com o
ex-prefeito da Capital, Olavo Setúbal; o prefeito de São
Bernardo do Campo, Tito Costa e Cláduio Lembo, dirigente do
PP; intelectuais, como Cacá Diegues, cineasta que começou
no jornalismo com Samuel e, principalmente, ex-companheiros de redação
lembraram suas qualidades de repórter e "fazedor de jornais".
Representantes dos principais jornais estiveram presentes: o sr. Octávio
Frias de Oliveira, acionista e ex-diretor-presidente da Empresa Folha
da Manhã S/A; jornalista Boris Casoy, editor-responsável
da "Folha"; Octávio Frias Filho, secretário
do Conselho Editorial deste jornal; os jornalistas Miguel Jorge, editor-chefe
de "O Estado de S. Paulo"; Antônio Aggio Júnior,
editor-chefe da "Folha da Tarde" e Carlos Tavares, representando
o governador Paulo Maluf.
Companheira e assistente dos últimos momentos de Samuel, sua
governanta Isabel Dias da Rosa, emocionada, lembrou sua dedicação.
"Ele era muito alegre, muito humano. Adorava os filhos, os amigos
e a profissão. Era amigo do Brizola, contra o atual presidente
e contra o governador."
|
O
mesmo hábito, até o fim |
Chegou anteontem, como de hábito, com um leve sorriso nos lábios,
o cumprimento à secretária, o andar compassado. Cabelos
e bigodes totalmente brancos, pulôver azul claro, camisa branca,
calça cinza e os grandes óculos sobrepondo-se aos olhos
vivos e azuis. Era, como de hábito, entre cinco e meia e seis
da tarde da segunda-feira, 1o de setembro. Preparou a mesa para escrever,
mas, também como de hábito, antes de fazê-lo,
entrou na sala contigua à sua, de Otávio Frias Filho,
com quem gostava de comentar os acontecimentos do dia.
"Eram, na verdade, monólogos, na medida em que eu pouco
falava e ouvia muito", recorda Otávio. "Ele refletia
sobre o curso das coisas, em voz alta, olhando para a janela; com
frieza cética do profissional de imprensa e um tom ao mesmo
tempo sarcástico e generoso, ele costumava comparar os acontecimentos
do dia e da semana com outros, que tinham vivido e dos quais havia
participado intensamente nas décadas passadas. Sempre extraía
alguma ilação ou paralelo entre o que estava ocorrendo
no dia e um fato passado na época de Getúlio, Juscelino
ou Jango, embora ele próprio fosse o primeiro a assinalar as
diferenças e alertar para o perigo de comparações
mecânicas".
Foi assim também anteontem. Com a diferença do elogio
para o "Cotidiano" que Otávio escrevera para o domingo
e um comentário irônico sobre a greve na Polônia,
tema do que seria o seu último artigo. Abriu de novo a porta,
despediu-se com um aceno de mão e foi para a sua sala, escrever
na velha Olivetti.
Às sete da noite, ainda uma vez seguindo o hábito de
alguns anos, ligou para Emir Nogueira, pedindo que alguém fosse
buscar o artigo que escrevera. E, religiosamente, meia hora depois,
ligou de novo para perguntar se o artigo já fora recebido,
se estava tudo bem, se não havia "nenhum desconchavo".
Esse era outro hábito de um profissional que, recorda Emir,
"tinha uma missão a cumprir - e a cumpria. Disposto ou
indisposto, bem de saúde ou angustiado por aquela "insuficiência
respiratória crônica" e demais complicações
que lhe abreviariam o fim". Zelo profissional - assim Emir define
essa rotina de cumprir a sua tarefa e, não satisfeito, interessar-se
por saber se o seu trabalho chegara ao responsável por editá-lo.
Emir recorda, também, que o tema do último artigo (a
greve na Polônia como demonstração da necessidade
de um sindicalismo livre, forte e democrático) era "uma
espécie de volta às origens, pois foi Samuel Wainer
quem, na imprensa brasileira, pela primeira vez, permitiu que a voz
de sindicatos e líderes sindicalistas fosse ouvida. Isso, muito
mais do que as inovações gráficas, é que
justifica dizer que a velha "Ultima Hora", fundada por Samuel
na década de 50, revolucionou profundamente o jornalismo neste
País".
Certo de que o artigo chegara, Samuel telefonou para a central de
rádio-táxi, pedindo que um táxi fosse apanhá-lo.
Antes de sair, perguntou à secretária se ela havia lido
a "Revista de Samuel Wainer", três páginas
só dele, publicadas no último número da revista
"Status", e despediu-se. Só não cumpriu um
hábito de sua velha rotina: a máquina de escrever ficou
na posição normal, e não de pé, com o
teclado para cima, como costumava deixa-la desde os tempos da "Ultima
Hora".
|
O
último artigo |
O último artigo que Samuel Wainer escreveu para a "Folha",
e deveria ser publicado esta semana na "Folha Ilustrada",
foi sobre o livro "A Defesa Tem a Palavra (O Caso Doca Street
e Algumas Lembranças)", do professor Evandro Lins e Silva.
O telefonema foi curto e educado: "Aqui é Doca Street.
Como vai? Lembra-se de mim? Encontramo-nos um dia, na casa de Jean
Louis." Claro que eu me lembrava. A voz de Doca era a de alguém
que envelheceu muito nesses poucos anos. E soava triste, deprimida,
mas com um toque ainda razoável de autoconfiança. "Falo-lhe
em nome do professor Evandro Lins e Silva. Ele foi meu defensor. É
grande amigo seu, não é?" Sim, Evandro é
meu amigo de adolescência. Antes de se tornar o mais célebre
advogado criminal do Brasil, Evandro, Carlos Lacerda, Alceu Marinho
Rego, Moacir Werneck de Castro, Jorge Amado e eu fazíamos parte
do grupo "Diretrizes", a revista que foi historicamente
a mais importante precursora da hoje chamada imprensa alternativa.
Depois, no governo Goulart, de que Evandro chegou a ser ministro das
Relações Exteriores, ainda nos tornamos amigos. "Desculpe
incomodá-lo - continuou Doca -, é que Evandro acaba
de publicar mais um livro. O seu título é "A Defesa
Tem a Palavra", e subtítulo, "(O Caso Doca Street
e Algumas Lembranças)". Ele lhe pede algumas palavras
sobre o livro." É claro que a introdução
de Doca seria dispensável. Tudo que Evandro conta e escreve
é sempre atraente. Mas, no caso Doca, é especialmente
emocionante. Pelo trecho da carta que transcrevo a seguir, embora
resumida, espero sintetizar do depoimento de Evandro - que recomendo
aos que sabem que a vida se renova a cada dia. A carta é assinada
por uma mulher de Recife, Maria do Carmo Barreto Lins. Não
tem parentesco com Evandro e parece resumir a média do pensamento
feminino sobre o doloroso caso passional de Doca: "Na realidade,
a vítima começara a morrer desde que se tornou pantera.
O resultado do júri foi bom. Para Raul não haverá
prisão maior do que a que tem no pensamento. Ele não
se libertará nunca de si mesmo. Se o tempo retrocedesse com
a forma de sofrer agora adquirida pelo gesto que não pôde
deter, creio que não faria o mesmo. Ele não se julga
herói: é antes o anti-herói, curtido por sofrimento
de sonho destruído."
|
Uma
luta constante de 42 anos |
Se não tivesse sido cremado e pudesse escolher uma frase para
o seu túmulo, provavelmente Samuel Wainer escolheria esta,
símbolo de seus 68 anos de vida e 42 de jornalismo: "Sou
um boxeador, estou no ringue e quero ser o vencedor". Sua vida
no jornalismo, atividade a que chegou pela soma de um imenso talento
natural e uma não menor paixão pela profissão,
conforme ele mesmo dizia, foi uma luta constante, desde o momento
em que fundou "Diretrizes", primeira revista brasileira
de fundo político, em 1938, ou seja, em pleno Estado Novo varguista,
tempos do tristemente célebre DIP e sua censura férrea.
"Diretrizes", revista da intelectualidade antifascista,
lançada em pleno apogeu do fascismo, era apenas a continuação
do exercício do talento natural de Samuel, que, nos seus tempos
de escola, colaborara com o jornal da Associação dos
Estudantes Israelitas. A revista sobreviveu penosamente durante quase
toda a ditadura estadonovista, mas Samuel resistiria um pouco menos:
no dia 5 de agosto de 1942, ele sofreria a primeira de suas três
prisões, acusado de "atividades comunistas", acusação
que se repetiria, intermitentemente.
As prisões (em 43, foi detido de novo) convenceream o jovem
jornalista a buscar o exílio, o primeiro de sua vida. Local
escolhido inicialmente: os Estados Unidos. Ficou um ano e partiu para
a Europa, onde se tornaria o único jornalista latino-americano
a cobrir o julgamento de Nuremberg, como correspondente de "Diretrizes"
e da BBC de Londres. "Diretrizes" foi fechada pelo DIP,
em 44, Getúlio caiu em 45 e Samuel Wainer voltou ao Brasil
dois anos depois, já contratado pelos "Diários
Associados". É por essa organização que
ele se aproxima de seu antigo perseguidor, Getúlio Vargas:
em 49, Getúlio está recolhido à estância
de São Borja, no extremo Sul, e Samuel vai entrevistá-lo.
A entrevista é publicada com um título que se revelaria
profético: "Ele Voltará". Voltou, de fato.
E Samuel Wainer, seu ex-adversário, passou a ser seu conselheiro
pessoal. Anos depois, em entrevista para a série "Dossiê
Memória da Imprensa", da "Folha", Samuel explicaria
assim a sua aproximação com o antigo adversário:
"Pra mim o Getúlio era um grande assunto, porque o fundamental
na vida do jornalista é o assunto. Se ele tem o assunto e o
assunto se entrega a ele, ele deve tirar desse assunto as últimas
consequências. O jornalista que mata ou trai a confiança
de seu assunto é um médico que mata o seu paciente."
|
Nasce
a UH |
Da amizade com Getúlio, nasce a "Ultima Hora", uma
verdadeira revolução na imprensa da época. A
UH introduz no Brasil a diagramação no jornalismo (contratando,
inclusive, um artista gráfico argentino, Andrés Guevara),
valoriza o repórter e o fotógrafo, cria as grandes coberturas
em equipe. O sucesso é imediato: em seis meses, a "Ultima
Hora" se transforma no jornal mais vendido do Rio de Janeiro
e a rede UH se estende, rapidamente, por mais sete Capitais, além
de incluir também a Rádio Clube do Brasil, cuja licença
seria cassada em 1953.
O sucesso não afastou Samuel do ringue. Ao contrário:
sua posição de apoio ao presidente Vargas valeu-lhe
a inimizade feroz de Carlos Lacerda e de sua "Tribuna da Imprensa",
que desencadeou uma campanha que levaria Samuel à nova prisão,
em 1953: Lacerda acusava Samuel de mentir sobre a sua nacionalidade.
Ele - acusava a "Tribuna da Imprensa" - nascera, na verdade,
na Bessarábia, Romênia, e forjara a nacionalidade brasileira
para poder dirigir um jornal, o que a lei vedava a estrangeiros de
nascimento (Samuel garantia que nascera em São Paulo e até
se dizia "um judeu do Bom Retiro").
Dessa época em diante, Samuel e a "Ultima Hora" estiveram
sempre na linha de fogo, mas seria na sequência do golpe de
31 de março que a perseguição aumentaria: a "Ultima
Hora" foi invadida e depredada; Samuel, perseguido, exilou-se
na Embaixada do Chile e perdeu os direitos políticos. Partiu,
então, para o segundo exílio na Europa, após
breve passagem por Santiago. Um exílio que revelaria uma nova
faceta: produziu o filme "Pastores da Desordem", uma visão
irônica e surrealista da Grécia de então, rodado
na própria Grécia.
|
De
empresário a empregado |
O exílio durou até 68. E Samuel resistiu como proprietário
da "Ultima Hora" até 1971, quando o título
foi vendido, exatamente vinte anos após a sua criação,
para "poder pagar dívidas trabalhistas", conforme
Samuel explicaria mais tarde. O empresário, que nunca quis
ser, naufragava, mas o jornalista continuava vivo, ativo. Assume a
direção de "Domingo Ilustrado", do grupo Bloch.
Funda, em 1975, o semanário "Aqui, São Paulo",
outra tentativa de reformulação em profundidade da imprensa
brasileira, dirigida a nova fase da "Ultima Hora" paulista,
agora pertencente ao grupo "Folhas".
E, em junho de 1977, exatamente no dia 5, começa a assinar
na segunda página deste jornal, a coluna política de
São Paulo, com as iniciais S. W. Seria a sua última
trincheira, o seu último ringue.
Samuel Wainer deixou ontem o ringue onde exercitara a sua paixão,
o jornalismo, profissão e paixão que ele enxergava indissoluvelmente
ligadas:
"A paixão é fundamental em jornalismo. Tem que
ser uma paixão como é a de um "boxeur" que
entra no ringue mesmo sabendo que vai apanhar e gosta de seu "metier".
Você pode entender isso? Pode-se entender um "boxeur"
que gosta de ser "boxeado"?
|
ABI
ressalta o talento |
"Samuel Wainer representou um momento alto em talento e lucidez.
A sua morte enche de sentimento de dor a classe jornalística
e acentua a dimensão de sua perda para a história do
jornalismo no Brasil". Assim se manifestou, no Rio, o presidente
da Associação Brasileira de Imprensa, Barbosa Lima Sobrinho,
em nota divulgada ontem, encabeçando as manifestações
de pesar dos mais diversos setores da Imprensa do País pela
morte do jornalista e os depoimentos sobre a importância do
seu trabalho.
Eis a íntegra da mensagem da ABI:
"A diretoria da Associação Brasileira de Imprensa
manifesta profundo pesar da classe jornalística pela morte
de Samuel Wainer. Em todas as frentes de atuação de
Samuel Wainer, desde as "Diretrizes" da década de
40 à posição final de editorialista da "Folha
de São Paulo", ele representou momentos importantes da
história do jornalismo no Brasil. Renovador de métodos
gráficos, de política salarial, dignificando a profissão,
de tratamento de matérias, pioneiro de concepções
avançadas, como a da rede nacional de periódicos, posteriormente
realizada pela televisão e pelo rádio, da criação
de colunas especializadas e de uma linguagem coloquial, até
então inédita em nossa imprensa, Samuel Wainer representou
um momento alto em talento e lucidez. A sua morte enche de sentimento
de dor a classe jornalística e acentua a dimensão de
sua perda para a história do jornalismo no Brasil".
Boris Casoy, editor-responsável da "Folha", afirmou:
A "Folha" perde um grande jornalista. Perde também
a imprensa paulista e brasileira. Além de grande jornalista,
Samuel era amigo de todos nós o conselheiro nas horas difíceis.
Considero um privilégio ter convivido com o profissional e
com o homem Samuel Wainer.
"Samuel teve uma semana bastante alegre. Sua participação
em uma mesa-redonda, realizada pela TV Bandeirantes, ao lado do ex-governador
Leonel Brizola, o deixou muito satisfeito, e ele comentou bastante
as opiniões ouvidas de amigos seus, que assistiram ao programa,
e definiram sua exposição como brilhante. No último
sábado, ele estava ciceroneando uma jornalista dinamarquesa
que queria conhecer um bairro judaico em São Paulo. Ele me
disse, depois, que havia voltado ao Bom Retiro, onde nasceu, depois
de 20 anos de ausência, e feito uma longa viagem a sua infância.
Ainda na área jornalística registraram-se vários
pronunciamentos sobre Samuel Wainer, entre os quais destacamos os
seguintes:
Roberto Marinho: "Samuel Wainer foi um dos jornalistas mais inteligentes
de seu tempo. Suas reportagens, entrevistas e comentários eram
sempre vivos e constituíam uma leitura atrativa para os seus
leitores. Estivemos, num determinado momento, em campos opostos, mas
nunca me considerei seu inimigo, tal o encanto de sua personalidade
e a extrema simpatia de sua figura."
Otávio Malta: "O que deu grande força e penetração
de Samuel no grande público foi sua qualidade de repórter,
o faro, a capacidade de apreender no conjunto o que é relevante
e fundamental".
Geraldo Escobar: "Trabalhei com ele no 'Diário da Noite"
e fui ser repórter esportivo da 'Ultima Hora', convidado por
ele. Lembro-me muito bem de uma aula de jornalismo que um dia ele
deu os repórteres da Editoria de Esportes: "O Flamengo
é o time mais popular desta cidade. Logo, vencendo ou perdendo,
é um time que vende jornal".
Nélson Rodrigues: "Samuel Wainer foi uma das grandes figuras
do moderno jornalismo brasileiro. Era, sobretudo, jornalista. Tinha
um faro, uma visão aguda, tanto do fato miúdo quanto
dos grandes momentos do País. Sua grande obra, a 'Ultima Hora'
teve um momento de êxito desenfreado e ao se deparar com Carlos
Lacerda entrou numa fase trágica. Contudo, com resignação,
paciência, Samuel sobreviveu e renasceu".
Hamílton Almeida Filho: "Eu tinha um fascínio incrível
por aquele homem de cabelos brancos, óculos em cima da cabeça,
que entrava na redação mexendo com todo mundo. O fascínio
que ele exercia sobre as pessoas era determinante. As pessoas ou o
odiavam ou o amavam, sem limites.
Inácio de Loiola Brandão, jornalista e escritor: "A
grande lição de jornalismo que eu aprendi com ele foi
o respeito às idéias. Eu ainda era seu foca, no jornal
"Ultima Hora", ele me chamou em sua sala e disse que não
me deixaria escrever o que eu queria. Ressaltou que ele era o dono
do jornal e que, portanto, ele era quem deveria definir sua linha.
Mas dissse também que nunca me obrigaria a escrever qualquer
coisa que contrariasse os meus princípios. E assim foi enquanto
dirigiu jornais. Ele nunca obrigou nenhum jornalista a escrever algo
que fosse contra sua ideologia."
|
Repercussão
na área politica |
"Atilado, arguto, creio que uma de suas características
era montar sempre suas interpretações sobre os fatos.
Poderia mesmo dizer que foi o rei dos fatos. Pessoalmente e pelo PMDB
me associo às manifestações pelo desaparecimento
de uma grande figura do mundo das comunicações",
disse ontem o deputado Ulisses Guimarães, ao lamentar a morte
de Samuel Wainer.
No Senado, Franco Montoro (PMDB-SP) pediu transcrição,
nos anais, do último artigo de Wainer na "Folha"
ontem, sob o título "Uma Vitória do Progresso",
no qual defendia os trabalhadores da Polônia em sua luta por
um sindicalismo livre. E o senador Mauro Benevides (PMDB-CE) pediu
a transcrição do artigo "O Homem Caído",
também, de Wainer, publicado em nossa edição
de 24 de agosto. Exaltaram ainda a personalidade do jornalista os
senadores Orestes Quércia (PMDB-SP), Aderbal Jurema (PDS-CE),
Gilvan Rocha (PP-SE) e Dirceu Cardoso (sem partido, ES).
O ex-governador Leonel Brizola, presidente do PDT, disse em Porto
Alegre que Wainer "marcou época e morreu como um puro-sangue,
na cancha". A Assembléia gaúcha aprovou dois votos
de pesar pela morte de Wainer, requeridos pelo PDT e pelo PMDB.
Para o ex-governador Miguel Arraes, Wainer "era incorruptível,
pois não traía suas idéias".
O ex-presidente Jânio Quadros comentou que Wainer "deve
ter sido uma das melhores penas no exame da política e dos
problemas brasileiros", acentuando: "Criou uma escola e
nossa esperança é de que tenha discípulos com
a sua estrutura."
A requerimento do deputado Deni Schwartz, do PMDB, a Assembléia
do Paraná aprovou voto de pesar pela morte de Wainer, que "deixará,
sem dúvida, uma grande lacuna. E na Assembléia de Mato
Grosso a bancada do PMDB distribuiu nota afirmando que "a Nação
perde, num dos momentos mais críticos de sua história,
uma personalidade que sempre pautou sua conduta pela defesa dos princípios
democráticos."
O presidente da Assembléia Legislativa de São Paulo,
Robson Marinho, enviou telegrama à Associação
dos Cronistas Parlamentares, manifestando pesar pela morte de Samuel
Wainer. |
|
©
Copyright Empresa Folha da Manhã Ltda. Todos os direitos
reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em
qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização
escrita da Empresa Folha da Manhã Ltda.
|
|