O SR. GETULIO VARGAS E O CAFÉ


Publicado na Folha da Manhã, sexta-feira, 3 de janeiro de 1930

Neste texto foi mantida a grafia original

Desde o inicio da actual campanha, impatrioticamente inspirada pela ambição desmedida do sr. Antonio Carlos, o governo da Republica, pela voz do preclaro presidente Washington Luis, affirmou, imperturbavel e sereno, que tudo correria normalmente, em ordem perfeita, pois a esmagadora maioria dos nossos patricios estava, firme e unida, com o Brasil. Houve quem não deixasse de sorrir deante de tanta segurança. Para os temperamentos nervosos, a anemica columna alliancista levaria, coitada, de roldão a massa de brasileiros que recebeu com jubilo a decisão da Convenção Nacional, ratificadora da preferencia manifestada pelos desesete Estados da Federação. Os factos, entretanto, se incumbiram de demonstrar que o governo estava certo. A sinistra scena de sangue occorrida no recinto da Camara e da qual foi protagonista o vice-presidente da "Alliança" e victima imbelle o saudoso deputado pernambucano Souza Filho, não poderia dar razão aos que receiavam o surto da anarchia, a victoria da mashorca, que o governo da Republica saberia facilmente dominar, com a mesma galhardia com que dominára a offensiva contra o mil réis, com a mesma firmeza com que o governo de S. Paulo enfrentou a campanha democratica e alliancista contra o café.
Os factos, diziamos, se incubiram de demonstrar que o governo Federal é que estava certo. A chegada ao Rio do sr. Getulio Vargas patenteou o empenho das autoridades em manter a ordem e assegurar a mais ampla liberdade ao candidato carlista. Apezar de s. exa. ter aportado ao Rio apenas quarenta e oito horas depois de trucidado o brilhante parlamentar, quando a alma carioca vibrava, e ainda vibra, de indignação, nada de anormal se verificou. Até as manifestações de legitimo protesto annunciadas pela operosa colonia pernambucana foram impedidas pela policia, que tambem tomou providencias no sentido de evitar que os adversarios da "Alliança" dessem expansão aos seus sentimentos em favor do candidato nacional. A ordem foi integralmente mantida, assegurando-se ao sr. Getulio Vargas, tão celebrisado pela sua carta de 10 de Maio, e aos seus partidarios, direitos que no Rio Grande do Sul os adeptos da candidatura Prestes não podem ter.
E graças a isso, graças ás alludidas providencias governamentaes, poude o sr. Getulio Vargas lêr, hontem, a "sua" platafórma. Logo, ao primeiro correr de olhos, esse documento revela a falta de originalidade, a ausencia de personalidade do autor e o seu nenhum conhecimento dos problemas nacionaes. Como a "Alliança", a platafórma é uma colcha de retalhos. Certo, absolutamente certo, de que os mingoados votos de que dispõe não lhe darão a ambicionada victoria, o sr. Getulio poderia ter promettido cousas mirabolantes, poderia ter feito obra inteiramente sua. O intellecto, entretanto, não o ajudou. Isso, ou a convicção de que a finalidade do programma é apenas obedecer á ordem do seu patrono. Dahi, a sem cerimonia com que "montou" em artigos de jornaes, em discursos alheios e na propria platafórma do eminente sr. Julio Prestes.
Não nos surprehendeu o facto. As suas entrevistas e os seus discursos anteriores já haviam preparado o espirito do Brasil. O sr. Getulio Vargas, que, em carta ao sr. dr. Washington Luis, manifestára espanto por ter verificado que no Rio Grande havia muita cousa interessante por fazer, não poderia, como candidato da dissidencia á suprema magistratura do Paiz, apresentar cousa digna de um verdadeiro estadista. Ainda assim, julgavamos que no tocante á pecuaria, a grande industria gaucha, dissesse alguma cousa apreciavel. É verdade que como governo nada tem feito em relação ao xarque. O principal producto do seu Estado foi relegado ao abandono, encontrando-se os xarqueadores em situação verdadeiramente alarmante. Mas, escrevendo, talvez pudesse dizer algo de novo. Talvez suggerisse o remedio ansiosamente esperado. Engano. O sr. Getulio sahiu-se com esta: "Não temos necessidade de inventar remedios, ahi está, para nos orientar, o exemplo de outros paizes de mais ou menos identicos recursos pastoris." E como solução, para augmentar a exportação lembra "convenios comerciaes ou entendimentos diplomaticos que nos facilitem o accesso aos grandes centros de consumo; a reducção de fretes e aperfeiçoamento do material e methodos administrativos das empresas de navegação." Para o xarqueador, que está estertorando, nem uma palavra de conforto, nem um aceno de melhoria. É que escrevendo para elles, embora useiro e vezeiro em não cumprir o que escreve, teria, como chefe do Executivo gaucho, que dar alguma cousa mais, além de promessas...
Ora, quem não encontrou solução pratica para os males que lhe vão por casa só poderia dizer disparates no tocante ao café. Acontece, porém, que o café paulista foi, impatrioticamente, transformado em arma para a campanha eleitoral dos alliancistas. Era justo, pois, que o seu bisonho candidato pronunciasse palavras profundas e apresentasse planos phantasticos, pela novidade. E isso esperavamos tambem porque em entrevista aos jornaes cariocas, por occasião da sua chegada, o sr. Getulio disséra ter encontrado remedio decisivo para combater a grave crise - crise existente apenas na sua phantasia. Corremos, assim, ansiosos, ao capitulo da plataforma referente ao café. E ficamos com pena da ignorancia revelada pelo candidato do sr. Antonio Carlos. O sr. Getulio entende que não se deve defender o nosso principal producto de exportação, a maior fonte da riqueza nacional. Devemos barateal-o para evitar a concorrencia dos demais paizes cafeeiros. Mas devemos barateal-o até descer aos preços vis. Para amparar a lavoura o sr. Getulio Vargas apanhou, como recurso, como plano salvador, uma carta dirigida em 1921 pelo fallecido conselheiro Antonio Prado ao fallecido sr. Nilo Peçanha. Apanhou-a, endossando todos os seus conceitos.
A certa altura, entretanto, achou que o preço lembrado pelo respeitavel signatario da celebre convenção de Ouchy, - vinte e cinco mil réis por arroba, - é ainda muito elevado. Uma sacca de café por cem mil réis é absurdo. O sr. Getulio Vargas não se conforma com isso. No seu entender, pelo que se deprehende das entrelinhas, a arroba do ouro verde deve oscilar entre dez e quinze mil réis. E é com esse programma que deseja defender o café. Esse é o salvador que o sr. Antonio Carlos descobriu...
O "grande" amigo da lavoura se por infelicidade do Brasil lograsse galgar as escadarias do Cattete, hypothese inverosimil, deixaria os fazendeiros em cuecas para fazerem "pendant" com os xarqueadores gauchos, em fraldas de camisa.
Depois de lido o gosmado do sr. Getulio Vargas, os lavradores paulistas perguntarão aos seus botões:
- Este é que é o nosso amigo?
E os botões responderão:
- Kuá... Kuá... Kuá... Amigo urso é que elle é!

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