Por reformas praticáveis
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Publicado
na Folha de S. Paulo, domingo, 2 de junho de 1985
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Estimulados pela liberdade de ação, própria da
democracia, e pela insatisfação que em maior ou menor
grau cresce nas categorias de trabalhadores assalariados, os sindicatos
lançaram-se à ofensiva para recuperar o tempo e os benefícios
perdidos durante o regime autoritário. As propostas de Lei
de Greve e de Reforma Agrária, apresentadas há dias
pelo governo da "Nova República", produzem agora
um impacto que se soma à efervescência sindical para
gerar intranquilidade no "establishment".
É preciso dizer claramente que essa tranquilidade se baseia,
por enquanto, muito mais em receios ideológicos do que em fatos
concretos. Exceção feita ao episódio da invasão
de uma indústria automobilística em São José
dos Campos (SP), cujos responsáveis devem ser punidos com todo
o rigor da legislação penal, os arranhões à
ordem legal registráveis na atual maré do sindicalismo
urbano têm como pano de fundo uma legislação anacrônica
que reclama modificações imediatas, antes mesmo da Constituinte.
A desejada estabilidade no âmbito dos conflitos trabalhistas
depende no momento disso.
Essa intranquilidade, além de se fundamentar em temores difusos,
está sendo insuflada artificialmente por aqueles que dizem
opor-se a mudanças violentas ou drásticas para na verdade
conter quaisquer mudanças, mesmo que dentro da lei e da ordem.
Mas não há dúvida de que o País necessita
de mudanças estruturais. Trata-se de corrigir as distorções
agravadas pelo desenvolvimento vertiginoso e desordenado das últimas
duas décadas. Trata-se de introduzir, no capitalismo brasileiro,
reformas que promovam o dinamismo da livre iniciativa mas que assegurem,
ao mesmo tempo, a participação dos não-proprietários
nas vantagens do sistema. Trata-se de criar uma estrutura legal e
política capaz de operar mudanças ordeiras, administrando
os conflitos da sociedade industrial dentro de certos critérios
e mecanismos aceitos pelas partes.
O espírito de mudança pacífica, de mobilização
cidadã e de organização dentro da lei ganhou
predominância na política brasileira durante a campanha
das diretas-já. Cristalizou-se em seguida num símbolo
eleito pelas circunstâncias e afinal reverenciado pela população:
Tancredo Neves.
O governo acerta ao atacar com prioridade o problema fundiário.
A propriedade improdutiva, grande ou pequena, deve ser punida duramente.
O projeto de reforma agrária escolheu o instrumento da desapropriação,
mais traumático e menos eficaz do que a via tributária.
Não é explícito na adoção do critério
de improdutividade. São questões, entre outras, que
é fundamental discutir para melhorar o plano e implantar uma
lei adequada e viável.
Viabilidade é no caso a palavra-chave. É preciso que
as propostas apresentadas à opinião pública e
ao Legislativo sejam praticáveis. Que contem com suporte político
para concretizá-las, que obedeçam a um rigor técnico
inatacável (o que não tem ocorrido), que contem com
recursos que as façam realizáveis e que se subordinem,
enfim, a uma unidade de comando que as coordene e compatibilize. As
intenções de mudança serão estéreis
se tiverem como primeiro efeito o de suscitar a resistência
compacta dos setores cujos interesses elas podem vir a afetar.
A histeria conservadora é tão ou mais nefasta do que
a leviandade dos agrupamentos de extrema-esquerda. Foi a conjunção
das duas que inviabilizou não apenas as reformas mas o próprio
regime democrático nos anos 60. Impedir que isso se repita
é a grande tarefa hoje.
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