O QUE PENSAM OS CANDIDATOS

Publicado na Folha de S.Paulo, terça-feira, 2 de fevereiro de 1982

Desemprego, inflação e endividamento externo. Esses três temas foram colocados em discussão para os cinco postulantes a candidatos ao governo do Estado de São Paulo que responderam a uma longa série de perguntas formulada pela "Folha". Para Jânio Quadros, o desemprego é "o custo social que estamos pagando pela hipertrofia da atividade empresarial do Estado e pelo arbítrio dos tecnocratas". Para Laudo Natel, uma forma de combater o desemprego "é redobrar nosso esforço na direção certa". Lula e Franco Montoro afirmam que o desemprego não é um problema só de São Paulo, mas do Brasil todo. Já Reinaldo de Barros sugere a reativação de investimentos, como por exemplo no setor habitacional.

Os planos para combater o desemprego e a inflação

O problema do desemprego, relacionado com a inflação e o endividamento externo, é o tema abordado na edição de hoje pelos cinco postulantes a candidatos a governador de São Paulo, a quem a "Folha" submeteu extenso e completo questionário. As respostas de Laudo Natel (PDS), Jânio Quadros (PTB). Franco Montoro (PMDB), Luís Inácio da Silva (PT) e Reinaldo de Barros (PDS) começaram ser publicadas domingo. A série prossegue amanhã.

6 - Que soluções concretas o sr. vê para o problema do desemprego no Estado de São Paulo? Se adotadas, que consequências tais soluções produziriam sobre o fenômeno da inflação e do endividamento externo?

Natel

A questão do desemprego em São Paulo e no Brasil, como sabemos, se relaciona com as dificuldades do Balanço de Pagamentos, que determinaram a adoção de políticas econômicas restritivas em 1981. Para enfrentar essa situação difícil, que, aliás, afeta hoje praticamente todos os países, precisamos redobrar nosso esforço nas direções certas. Para resolver o problema do desemprego, precisamos crescer, mas com um novo estilo de desenvolvimento, em que a prioridade é aumentar as exportações e reduzir a dependência do petróleo importado. Felizmente, como têm anunciado várias autoridades da área econômica, o superávit comercial deste ano e as perspectivas internacionais para 1982, deverão permitir taxas positivas de crescimento. Decisões recentes do governo federal devem ter efeito positivo para criação de empregos: o aumento dos recursos destinados ao financiamento de habitações; o programam das agrovias anunciado pelo presidente Figueiredo; o aumento do prazo de financiamento de automóveis e eletrodomésticos que deverá gerar efeitos positivos em indústrias mais concentradas em São Paulo e que mais sofreram a redução do emprego. Não se pode esquecer, também, dos programas Grande Carajás e irrigação dos cerrados, dentre outros que, embora não localizados em São Paulo, representam, certamente, aumento de encomendas para indústrias aqui localizadas.
No âmbito do governo do Estado, embora em menor escala, algumas providências podem ter efeitos muito positivos agora e no futuro: concentração de esforços em programas de infra-estrutura para a agricultura (transporte, armazenagem, assistência técnica e creditícia) de modo a aumentar a produção e baixar os custos, favorecendo as exportações. Aumentar a participação do governo estadual nos programas de conservação de energia e substituição do petróleo na agricultura e principalmente na indústria, reforçando os programas já existentes na área federal. Nessa área, São Paulo conta com instituições de pesquisa do mais alto nível para identificar e difundir as melhores opções tecnológicas. Posso imaginar, ainda, destinar maior parcela de recursos do financiamento do Banespa e Badesp para pequenas e médias empresas, que, hoje, lutam com grandes dificuldades de capital de giro.
Essas atividades, entre outras, além de gerar empregos, podem ajudar a resolver o problema da dívida externa. Providências como essas, que poderiam produzir resultados em prazo relativamente curto, no contexto de uma execução orçamentária devidamente controlada, não agravariam a inflação, trata-se muito mais de destinar os recursos para investimentos mais produtivos a curto prazo do que ampliar excessivamente a despesa.

Jânio

A solução do desemprego, que se verifica especialmente na indústria paulista, depende de que se normalize o valor médio do investimento necessário a gerar a oportunidade de um emprego adicional na economia brasileira. Este valor se elevou, extraordinariamente, em função dos gigantescos projetos estatais, quase todos de capital intensivo, isto é, com ocupação permanente de mão-de-obra relativamente baixa, face ao capital imobilizado. Refinarias de petróleo, petroquímica, ponte Rio-Niterói, Transamazônica, aumento do custo médio da potência instalada nas hidrelétricas gigantes e programa nuclear reclamaram, no conjunto, a parte leonina das poupanças, desviando-a de atividades mais empregadoras de trabalho. Este é o custo social que estamos pagando pela hipertrofia da atividade empresarial do Estado e pelo arbítrio dos tecnocratas, beneficiários privilegiados dos projetos de impacto.
As estatais empregam apenas 10% da força de trabalho nacional, porém detêm 30% dos ativos líquidos da economia. A administração direta do Estado emprega 20%, gastando, apenas, um quinto dos dispêndios efetuados pelas estatais. O setor privado emprega 70% da força de trabalho, com apenas um terço dos investimentos globais da economia.
Aí está a verdade nua e crua. O desemprego não é consequência de nenhuma política monetária. Jamais houve ortodoxia no Brasil. A alta taxa de juros não decorre de estreitamento de liquidez, porém tem sido artificialmente provocada para forçar a captação de crédito externo. A inflação tem sua causa primária no descontrole dos gastos públicos e, como transfere vendas provadas para o Estado, prejudica a demanda de bens e agrava o desemprego.
Assim sendo, inflação e desemprego são frutos venenosos da mesma árvore: os gastos e investimentos exagerados e distorcidos do governo.
Será prudente postergar e, em alguns casos mais dramáticos, abandonar certos investimentos estatais, reduzindo-se a carga fiscal visível e a que se arrecada, heterodoxalmente, através das tarifas e preços das estatais ou, ainda, emitindo moeda. Teria sido preferível que os recursos imobilizados nas refinarias de petróleo, cuja capacidade global excede de 40% o consumo efetivo, numa Transamazônica quase inútil, ou numa caríssima NUCLEP, parada porque não há compradores dos equipamentos nucleares que fabricaria, ou numa grandiosa Açominas, cuja produção não encontrará mercado, tivessem permanecido nas mãos do público, dinamizando setores que se entorpeceram, desempregando mão-de-obra.
Não há, pois, incompatibilidade entre estimular o emprego e combater a inflação. Basta reduzir os gastos públicos e reorientar a capacidade de investir. Tolice será continuar expandindo os gastos do Estado, como estimulo indiscriminado à demanda global, inflacionando a economia em nome do pobre Lord Keynes.
Não obstante, o crescimento da demanda de bens industrializados pode expandir as importações criando dificuldades para equilibrar a balança comercial.

Montoro

O problema do desemprego não é só de São Paulo, mas de todo o País. É fruto da política recessiva posta em prática pelo governo federal. Assim, a primeira medida para resolver o problema do desemprego é a mudança da política econômica federal, liderando, de forma seletiva, as drásticas restrições monetárias, creditícias e fiscais hoje em vigor. Essa liberação não deve ser controlada, pois isto poderia ter impactos negativos na inflação e no balanço de pagamentos. Ao contrário, essa liberação deveria ser seletiva, dirigida para a mudança no estilo de crescimento do Brasil, favorecendo setores que tenham alto grau de absorção de emprego, pequena dependência, direta e indireta, de importações, e que utilizem energia disponível no País.
Um programa nesta direção teria a capacidade de reduzir o desemprego, sem produzir efeitos perniciosos sobre a inflação e o endividamento externo.
Entendemos que um governador de Estado, investido da representação popular, não pode se limitar à atitude passiva e meramente administrativa dos governadores nomeados. Deve ser intérprete das reivindicações estaduais junto ao governo federal, cobrando deste, mediante uma atuação política firme e determinada, aquelas providências que dependem da administração federal.
O governo do Estado de São Paulo pode e deve contribuir para a redução do desemprego. Seus instrumentos são mais limitados que os do governo federal, mas, mesmo assim, podem ter grande importância para atenuar o problema. A política de gastos públicos do Estado deve ser dirigida para setores prioritários do ponto de vista social, que obedecem às condições acima indicadas. Da mesma forma, as agências oficias de crédito (BANESPA, BADESP e CEESP), as empresas estatais e outros órgãos públicos podem, através de financiamentos e gastos direcionados para setores que apresentam alto coeficiente de mão-de-obra, contribuir para a redução do desemprego.
Um aspecto importante no Estado é a grande concentração de empregos na área da grande São Paulo. A regionalização da oferta de emprego deve ser estimulada pela descentralização administrativa, financeira e de gastos públicos.
Por fim, a Secretaria de Trabalho do Governo do Estado pode ser reativada para, em comum acordo com órgãos públicos e privados (sindicatos, associações etc.) promover programas de readaptação e colocação profissional. Nesta direção, o aparato estatístico do Estado, principalmente a Fundação SEADE (Sistema Estadual de Análise de Dados) e o Instituto de Economia Agrícola devem ser mobilizados para levantar dados e outras informações sobre emprego em todo o Estado, alargando a cobertura dos indicadores disponíveis, hoje restritos à área metropolitana de São Paulo.

Lula

A questão do desemprego não é apenas de um Estado, mas de todo o País. Acredito que terá que ser discutida a nível nacional, embora um Estado rico como São Paulo possa contribuir para que o desemprego seja amenizado. A nível nacional é preciso afirmar que o nosso modelo econômico, concentrador de rendas, é a grande causa do desemprego. Tenho consciência de que numa discussão para elaboração de um novo modelo econômico, um dos temas mais importantes seria a questão da terra. Na medida que tivermos uma política agrária voltada para os interesses do povo brasileiro, com a fixação do homem no campo, com a distribuição das terras devolutas e improdutivas, com o apoio técnico do Estado, com a garantia de preços justos ao produtor, certamente teremos o fim de êxodo rural. Ainda mais teríamos definido o que é prioridade para ser produzido neste País. Certamente o povo brasileiro e os povos de outros países precisam muito mais de alimentos do que de automóveis. Quem sabe até resolveríamos a questão da exportação tão propalada em verso e prosa pelas autoridades governamentais. Em segundo lugar, a questão do desemprego também está ligada à possibilidade de os sindicatos terem liberdade e força suficientes para negociar a estabilidade com a classe patronal. Enquanto não se resolvem esses problemas maiores, poder-se-ia criar um seguro-desemprego, financiado pelo Estado e pelos empresários e administrados pela classe trabalhista. No Estado de São Paulo é preciso, além das providências acima, elaborar uma política de investimentos públicos que criem mais empregos. Para resumir, só resolveremos essa questão quando o trabalho for um direito e não simplesmente um dever.

Reinaldo

É obvio que a geração de novos empregos condiciona-se à retomada de índices expressivos de desenvolvimento do País. No entanto, é desejável que esse desenvolvimento se processe com uma maior participação das atividades econômicas que impliquem geração de um número maior de empregos. Em especial, é importantes a geração de empregos no campo, através do maior incentivo à agricultura buscando-se, também, uma desconcentração industrial que favoreça a geração de novos pólos de desenvolvimento.
Mais imediatamente poderiam ser incentivados alguns investimentos de maior relação Mão-de-Obra/Capital, como, por exemplo, no setor habitacional, capazes de absorver diretamente grande quantidade de uma mão-de-obra não qualificada, além de motivar o desenvolvimento de uma série de setores paralelos, com a vantagem de usar tecnologia própria, não gerando a necessidade de importações.
Também são importantes os investimentos públicos em equipamentos que venham gerar ofertas permanentes de emprego, como é o caso de escolas, postos de saúde, hospitais e creches. O programam de construção de mais de 200 creches que estamos executando em São Paulo, por exemplo, irá gerar cerca de 10.000 empregos permanentes, cujas vantagens se somam aos benefícios sociais trazidos pelo equipamentos.

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