Donatello Greico
Enviado especial das "Folhas" na excursão presidencial
(Da
Bahia, por avião)
Nada
como as grandezas e as miserias do interior bahiano espanta o individuo
acostumado às pompas e ao conforto das grandes cidades do
sul do Brasil. Mas o contraste não é unicamente violento
em relação ao Rio ou a São Paulo. Em relação
tambem à propria cidade de São Salvador.
Foi essa a minha impressão de um domingo cheio de sol em
que, num automovel avido de estrada dirigido por um "chauffeur"
avido de velocidade, sahido de uma cidade moderna como a capital
da Bahia, entrei pelo matto a dentro na região do Reconcavo.
Antes de tudo, sente-se a grandiosidade da natureza. Chega até
o automovel que galopa o cheiro do matto molhado, aquelle cheiro
de selva e de "jungle" que se respira nas paginas de Kipling.
Tudo é grande: os ribeirões de agua escassa, os taboleiros
de areia branca que se succedem às longas fitas de barro
vermelho, os passaros assustados que fogem à frente do carro,
e a floresta, arvores inmensas, com todas as tintas e todas as flores,
cercando a estrada, afastando-se della, e novamente se approximando
e chegando e fugindo.
A estrada é magnifica. Quasi não ha secudidellas no
interior do automovel. Todo o ambiente leva o estrangeiro à
admiração passando pelo proprio mappa do Estado um
dedo intelligente, o forasteiro pensa:
"Aqui nasceu Castro Alves, ali Ruy Barbosa, acolá Teixeira
de Freitas. Esta é a zona do cacau. Em 1932 deu ao Estado
mais de um milhão e meio de saccas. Veja a zona do fumo.
No mesmo anno de 32 houve uma produção de quasi quatrocentos
mil fardos"...
Tudo isso é maravilhoso.
Mas ha uma grande coisa que choca o individuo que se mette pelo
interior a dentro: é a miseria extrema, a probreza desorientada
e quasi irremediavel de certas zonas. O automovel percorre os kilometros
às dezenas e surgem as casas de sapé, e desapparecem,
e tornam a surgir, e nellas o aspecto é um unico, a situação
é sempre a mesma: pobreza desoladora.
Os homens - poucos observei que não trouxessem à cinta
um facão de tamanho respeitavel - fumam, cantam e "maginam".
Vi durante a travessia quasi uma duzia de negros sentados à
porta das cabanas mal protegidas, pernas cruzadas, a mão
no queixo, "maginando". As mulheres são em geral
os "proletarios" das casas do interior. E, por toda a
parte, por todos os cantos de estrada, por todos os ribeirões
do caminho e nas janellas, nas portas, nas arvores, creanças,
creanças, creanças.
Disse-me um amigo, companheiro de viagem, que a abundancia de garotos
é uma das grandes provas da inacção de certos
sitios. Nunca vi tanta criança, robusta ou fraca, triste
ou alegre, como nessa excursão pelo Reconcavo bahiano. Como
os paes, não se animam a tomar o caminho da escola (que,
é preciso accentuar, existem, se bem que em pequena quantidade).
E o resultado de tudo isso, o doloroso, o impressionante, mas inevitavel
resultado, será que todas essas novas gerações
crescerão no mesmo rythmo dos paes, sem instrucção,
sem cultura, e, portanto, sem aproveitamento algum nos trabalhos
de construcção do nosso paiz.
Para apresentar a verdade toda cumpre não esquecer que estes
aspectos de inacção tambem, em grande parte são
uma consequencia da ultima terrivel secca. Enfrentar a secca, problema
de engenharia perfeitamente soluvel, é uma das maiores necessidades
politico-administrativas do norte. Fóra do cyclo do flagello,
a terra é excellente.
Mas a prova de que o Brasil está mesmo fadado a destinos
cujas proporções tenho até medo de tentar definir,
resalta viva a irrefutavel de todas essas observações.
Apesar de apresentar tão grande contingente de pessoal desoccupado,
por causa da secca e por "que quer", apesar de não
contar com a mão robusta de todos os bahianos, a Bahia cresce,
produz, exporta, assombra, e não deixa de ser, em tudo o
que se refira à riqueza economica, e terceiro Estado da União.
Isso faz crer em um grande futuro nosso, em dias proximos em que
a instrução desperte uma vontade de trabalhar que
todos sentem adormecida.
Encontrei esse signal de energia já bem aproveitada na usina
electrica de Bananeiras, a quasi duzentos kilometros da capital.
Um trenzinho vagaroso, sahindo de Cachoeira, levou-nos até
lá. De uma curva do caminho avistámos a barrage, e
as torres das usinas, e a grande ponte sobre o Paraguassu".
De repente, chegou até nós um canto vibrante de um
grupo de garotos do grupo escolar de Bananeiras. Entoavam um hymno
patriotico, que falava na mocidade, na alegria e no Brasil. Ao longe,
o Paraguassu, contido pelos arcaboucos gigantescos de cimento armado,
desabava pelas paredes abauladas da represa com um ronco surdo,
continuo, enervante mesmo. Senti o ar humido. Em seguida, a garotada
cantou o Hymno Nacional. Baixo a principio, e desorientado. Depois,
firmou-se o tom do côro, e o hymno subiu esplendido, para
o céo escandaloso de luz e alegria. O Paraguassu continuava
roncando, lembrando a civilização. A natureza lembrava
algumas coisa de mais alto. O Hymno da garotada lembrou-me o Brasil.
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