91 TERMINA COMO ANO DE CRISE E BAIXO ASTRAL


Brasileiros felizes estão no país só de passagem e fogem logo após as festas

"Estranhos no paraíso" do Primeiro Mundo querem distância do baixo astral da recessão

Publicado na Folha de S.Paulo, quarta-feira, 01 de janeiro de 1992

Rodrigo Leite
Da reportagem Local

Em meio à crise depressiva que atinge o país, um local concentra uma das maiores taxas de felicidade por metro quadrado: o aeroporto internacional de Cumbica. Os que preferiram ser "estranhos no paraíso" do Primeiro Mundo a padecer no inferno recessivo voltam ao país só para as festas de fim de ano. Com as malas cheias de dólares, eles reencontram as famílias das quais se afastaram por meses - às vezes anos. Precavidos, mantêm um pé nas filas desembarque dos vôos internacionais.
Embora não saiba muito bem o que o espera, o recém-chegado não quer se fixar no país. "No princípio você vai estranhar" disse Paulo Akamine a sua filha Liliane, há um ano operária em uma fábrica do Japão - no momento, o maior centro de atração de brasileiros.
Liliane ganha US$ 1,8 mil por mês. Ela diz que em oito horas de trabalho recebe o equivalente a 30 dias no Brasil. Liliane não sabe quando volta definitivamente. Tem uma certeza: em fevereiro estará novamente montando circuitos de computadores em uma fábrica japonesa.
Situação semelhante vive Gerson Minoru Watanabe, 31, que há um ano e oito meses deixou a mulher, dois filhos e a profissão de analista de laboratório no Brasil par tentar ficar rico como operário no Japão. "Já ganhei alguma coisa, mas quero mais".
Watanabe vai permanecer dois meses no Brasil. "No primeiro, vou sentir falta do Japão. No segundo, vou querer ficar no Brasil. O estilo de vida é muito diferente". Ele diz que só volta a morar no Brasil daqui a um ano e meio. Ficar, nem pensar: "Me deixaria triste, meio perdido".
A viagem de volta é certa. A maioria desses "turistas" pretende deixar o Brasil novamente logo após as férias, e passar 93 inteiro fora. Pessimistas, eles não vêem perspectiva neste ano, mas "apostam em 93".
Os "estrangeiros" ignoram o que acontece no país. Ouvem falar vagamente sobre criminalidade e inflação. "Li no jornal que a inflação aqui chegou a 505%. No Japão é só de 5%, disse a emigrante Kety Hiroko, 24, ao desembarcar em Cumbica, depois de um ano em Tóquio.
"Vou ver como é que está isso aqui", disse Marco Moraes dos Santos, 20. "Se estiver muito ruim, volto para a Europa."
A Polícia Federal não tem estimativa de quantas pessoas vivem fora do Brasil.


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