ANNO NOVO!


Publicado na Folha da Manhã, sabádo, 1º de janeiro de 1927

Neste texto foi mantida a grafia original

Senhor Deus! Fonte inexgotavel de misericordia infinita! Permitti, na vossa clemencia e na vossa bondade, que a aurora da esperança, que o Anno Novo desperta, não se transmude para logo no crepusculo sombrio do desengano, no qual a luz agoniza e o sonho faz noite!
Permitti, Deus increado e creador, que o doce arrulho da pomba branca, que tatala alegremente as azas na Torre de Marfim da alma brasileira, não se faça o agourento crocitar do corvo festejando a carniça que vae bicar!
Basta, Senhor! de pesadelos e de trevas! Que a noite, quatro vezes secular, de que acabamos de sahir, - noite sem estrellas e sem luar - não mais envolva esta patria, collaboradora gloriosa da historia da liberdade humana, no manto funebre em que tão duramente lhe foram asphyxiadas as mais bellas tentativas de Amor e de Concordia!
Que o horoscopo luminoso, com que assignalastes o nosso ingresso no patrimonio territorial do planeta, ó Deus de piedade! seja-nos o signal da vossa bençam, e que jamais, no céo dos nossos ideaes supremos, falte a palpitação gloriosa do Cruzeiro do Sul!
Senhor! anciamos pela paz, desejamos o amor, queremos a concordia, para que a familia brasileira, esquecida das luctas de hontem, tenha os olhos fitos no radioso amanhã, que se annuncia como um deslumbramento!
Só de almas irmanadas pelo affecto, Senhor! os brasileiros poderão fazer do Brasil a officina do trabalho, a escola do civismo, o templo da justiça, o laboratorio da producção, a fonte da riqueza, o asylo da bondade, o abrigo do direito, o paradigma da honra!
Que o rio da nossa vida retome o rythmo perdido, e claro e sonoro vá confundir os seus cantos com o canto messianico da vida universal!
Que os sinos de prata repiquem festivamente na torre dos nossos ideaes, enchendo a terra da musica das suas preces!
Marchemos para Deus.
"Quem é Deus? Ideal perfeito realizado, vida infinita, infinito amor. Os grandes homens avançam para Deus, não isolando-se e afastando os olhos das miserias da terra, mas levando piedosamente no coração todos os gemidos da humanidade e todas as angustias da natureza. Os seus passos de luz, conduzem como um rebanho, na viagem eterna, a caravana infinda.
O sacrificio ao Bem, na acção e pela acção, eis a norma do heróe. Sacrificio da alma, recolhendo com ardor continuo as dores alheias, o sacrificio do corpo, immolando-lhe, para as consolar, a propria vida. Os soluços sem termo das miserias do mundo ecôam-lhe no coração como ais de filhos. Dá a vida pela vida dos outros, mas a morte da carne em holocausto ao Bem accresce-lhe a vida verdadeira, augmenta-lhe a vida espiritual. O grau de amor é o grau de heroismo. O heróe maximo, é o santo, e S. Francisco de Assis é o super-homem.
O grande artista não eguala o santo, mas approxima-se delle. O artista, creando a belleza, crêa amor, porque a belleza é a expressão rythmica do Bem, é o amor a cantar na fórma e no som, no verbo e na luz. A arte idealiza; portanto gera amor. O heróe tambem. Mas o heróe dá-nos o amor em acções, converte-os em pão espiritual, que vae dividindo pela terra. O artista faz delle um diamante chimerico de luz e de som, que é o amor a vibrar, amor em symphonia, amor no estado de belleza. Mas, se o universo é amor infinito, a arte suprema, que o abrange, é a arte cosmica religiosa. E então a arte ideal define-se deste modo: a natureza traduzida em cantico, Deus, que se ouve e que se vê, revelado em musica.
A philosophia é a sociologia do universo, a historia ordenada dos encadeamentos da existencia, da evolução do amor. E, como a vida natureza só chega á synthese na idéa de Deus, é claro que o santo ou o grande poeta conhecem melhor a vida que o philosopho, pois que elles mesmos são a vida espontanea e creadora, na escala mais alta e no estado nascente.
A vida vertiginosa, tumultuosa, entrelaçada, continua, pathetica, infinitiforme, a vida latejante de seiva, incubada de sonho, fulva de luz, céga de espantos, ébria de beijos, tremula de morte e gravida de amor, a vida eterna, divina e formidavel, que nasce da vontade e da emoção, apparece na obra do philosopho descripta por calculos, ordenada por argumentos e por idéas. A virtude do santo sublima-se no extase e na bençam, e a inspiração do poeta magnifica-a na musica e no symbolo. Um reza, outro canta. O philosopho observa e medita. É um espelho que pensa. E a philosophia integral, como a arte suprema, será tambem religiosa, porque só em Deus, Infinito-Amor, a vida encontra a sua unidade e a clara explicação do seu mysterio. Todas as grandes almas, bussolas radiantes, se polarizam em Deus."
Pois que, voltada para Deus, a alma do Brasil entre o 1927, e nelle, como numa Paschoa symbolica, seja o sol do nosso céo a hostia de ouro consagrada ao amor entre irmãos, - finalidade augusta para a qual se conjugam o coração do santo, a alma do poeta e o cerebro do philosopho, encarnados num homem, - que será o glorioso porta estandarte do labaro immaculado da Paz e da Concordia!

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