JUSCELINO ASSUME A PRESIDÊNCIA
As
cerimônias de posse e de transmissão do cargo, ontem realizadas
no Rio de Janeiro
A
POSSE DOS NOVOS MINISTROS DE ESTADO
|
Publicado
na Folha da Manhã, terça-feira, 1º de
fevereiro de 1956
|
|
|
RIO
(FOLHAS) - Num ambiente de entusiasmo, realizou-se ontem no
Palácio Tiradentes, perante o Congresso Nacional, a cerimônia de
prestação do compromisso de posse dos srs. Juscelino Kubitschek
e João Goulart, presidente e vice-presidente da Republica.
O plenário
da Câmara havia sido artisticamente decorado com quatro ramalhetes
de flores rubras e naturais nas paredes, pouco abaixo das galerias,
enquanto a mesa estava coberta de orquídeas e outras flores em belos
cestões.
Embora
a solenidade estivesse marcada para as 15 horas, já uma hora antes
estava à cunha o Palácio Tiradentes, vazias apenas algumas poltronas
no plenário. As galerias estavam literalmente tomadas pela banda
do Corpo de Bombeiros, as câmeras de televisão e populares.
Nos
nichos laterais ao plenário, normalmente reservados à imprensa dos
Estados, localizavam-se membros das embaixadas estrangeiras e diplomatas
brasileiros; num dos camarotes laterais à mesa , os representantes
do rádio, e no outro, à direita, a família do presidente Juscelino
Kubitschek. Nas demais dependências, convidados e suas famílias.
Uma
fila de poltronas especiais foi colocada à frente da primeira bancada
no plenário, sendo ocupada à esquerda pelos chefes das casas Civil
e Militar e ministros de Estado, e à direita, pelos representantes
diplomáticos estrangeiros, na seguinte ordem: Egito, Países Baixos,
Alemanha, China, Índia, Portugal, Turquia e Santa Sé. Nas filas
seguintes reservadas aos parlamentares tomaram assento os representantes
de Cuba, Alemanha, França, México, Canadá, Nicarágua, Bolívia, El
Salvador, Grã-Bretanha, Indonésia, Bélgica, Espanha, Haiti, Equador,
Chile, Guatemala, Venezuela, Paraguai, Japão, Honduras, Itália,
Argentina, Iugoslávia, Polônia, Islândia, Estado de Israel, Colômbia,
União Sul Africana, China, República Dominicana, Austrália, Síria,
Tchecoslováquia, Suíça, Luxemburgo, Letônia, Lituânia, Síria, Noruega,
Grécia, Paquistão, Irã e Etiópia.
Os
membros da mesa trajavam casaca e colete preto como os embaixadores,
com as suas condecorações. Havia no entanto um turbante - o do delegado
da Índia - bem como outros representantes em primeiro uniforme.
|
Difícil
o trabalho da imprensa |
Há no recinto, entre a mesa e o plenário, uma bancada reservada
à imprensa no Palácio Tiradentes. Como se constitui de dezenove
poltronas apenas, os jornalistas ocupam também os nichos laterais
do plenário. Mas ontem estavam reservados para o Itamarati. Não
havia como se acomodarem 120 jornalistas credenciados na Câmara,
cerca de 60 do Senado e mais de 300 credenciados pelo Itamarati.
Como
o espaço entre a bancada da imprensa e a primeira fila de poltronas
do plenário fora, desde as primeiras horas, ocupado por pessoas
estranhas, credenciadas ou não, o trabalho da reportagem se tornou
praticamente impossível. Havia ainda uma determinação do Itamarati
proibindo o ingresso de fotógrafos no plenário. Surgiu o primeiro
caso com o Comitê de Imprensa da Câmara quando um fotógrafo do “Washington
Post” e da Casa Branca foi barrado à entrada do plenário. Graças,
no entanto, à compreensão do chefe da Segurança, ficou determinado
que os fotógrafos internacionais pudessem ingressar no recinto,
onde se encontrava uma dezena de cinegrafistas.
No
final de contas, centenas de jornalistas ficaram espalhados pelos
corredores, sala do café, tribunas laterais, cobrindo como podiam
o seu setor.
O calor
era intenso no recinto, apesar do ar condicionado, e ninguém tinha
ingresso se não estivesse vestido de roupa escura.
|
Os
primeiros aplausos |
Cerca das 14h35 os assistentes notaram num dos camarotes laterais
à mesa a presença de da. Sara Kubitschek. Prorromperam aplausos
no plenário e a primeira dama do país levantou-se risonha, cumprimentando
com um leve e discreto aceno de cabeça os que a aplaudiam.
Funcionavam
as câmeras de televisão e os flashes, e os cinegrafistas tomavam
posição. A essa altura o plenário estava à cunha, ocupadas todas
as cadeiras. Da bancada da oposição compareceram apenas cerca de
dez deputados. O arcebispo auxiliar, d. Helder Camara, tomaria assento
numa poltrona à esquerda, na primeira fila do plenário, enquanto
sua eminência, o cardeal d. Jaime Camara, ficava à mesa.
Lá
fora, em torno do Palácio Tiradentes, cerca das 14 horas alinhavam-se
as tropas dos Dragões da Independência, estendendo-se até a Esplanada
do Castelo para as continências de estilo. O policiamento era feito
pela Polícia do Exército, com o auxílio da guarda do trânsito, que
exigia para transpor os cordões de isolamento uma credencial da
Câmara, do Senado ou do Itamarati.
Ocupavam
o topo das escadarias do Palácio Tiradentes várias jovens e senhoras
de uniforme branco, empunhando bandeiras nacionais e ostentando
uma faixa com os dizeres: "Ala Queremista Feminina".
Precisamente
às 15h chegava o carro que conduzia os srs. Juscelino Kubitschek
e João Goulart, sob vibrantes aplausos da multidão. Estrugiram foguetes
e a Banda dos Dragões da Independência executou o Hino Nacional.
|
Inicia-se
a cerimônia |
Cerca das 15h05 o senador Gomes de Oliveira, na presidência, abria
os trabalhos. Compunham a mesa, além do presidente, os srs. Flores
da Cunha, Luis Gallotti, Rui Carneiro e o cardeal Camara.
O presidente
anunciou, sob vibrantes aplausos, que daí a instantes ingressariam
no recinto para a cerimônia de posse os srs. Juscelino Kubitschek
de Oliveira e João Belchior Marques Goulart, respectivamente presidente
e vice-presidente da República, designando para compor a comissão
de recepção os senadores Apolônio Sales, Assis Chateaubriand, Georgino
Avelino e Atílio Vivaqua, e os deputados Pereira da Silva, Arnaldo
Cerdeira, Yukishigue Tamura e Ivete Vargas.
Quando,
cerca das 15 h 10, ingressaram no recinto o presidente e o vice-presidente
da República, todo o recinto vibrou num aplauso uníssono e demorado.
Era indescritível o entusiasmo, principalmente nas galerias, onde
ecoava os gritos: "Jango! Jango! Jango!"
|
A
posse |
Iniciou-se
a cerimônia culminante: o compromisso de posse, anunciado pelo sr.
Gomes de Oliveira nos termos do art. 83, parágrafo único da Constituição.
Com voz clara e vibrante, sem trair qualquer emoção, proferiu o
sr. Kubitschek o seguinte juramento:
"Prometo
manter, defender e cumprir a Constituição da República, observar
as suas leis, promover o bem geral do Brasil, sustentar-lhe a União,
a integridade e a independência;".
Palmas
entusiásticas cobriram-lhe as palavras.
Em
seguida, de acordo com o art. 13, parágrafo 3.o do Regimento Comum
do Congresso, prestou o sr. João Goulart o seu compromisso.
Continuaram
os aplausos com a assinatura do termo de posse, depois do que foi
executado o Hino Nacional.
O presidente
da mesa convidou a comissão de deputados e senadores a acompanhar
à saída o presidente e o vice-presidente da República. Nova onda
de aplausos demorados e vibrantes no plenário, nas tribunas e galerias,
que se manifestaram com redobrado entusiasmo ao ser anunciado o
nome do sr. João Goulart.
Cerca
das 16 horas o sr. Gomes de Oliveira, agradecendo a presença de
autoridades civis, eclesiásticas e militares, encerrava a sessão.
|
O
termo da posse |
Na forma
do estabelecido no regimento comum o primeiro secretário procedeu
à leitura do termo de posse, cuja íntegra é a seguinte:
"Termo
de posse dos exmos. srs. drs. Juscelino Kubitschek de Oliveira e
João Belchior Marques Goulart nos cargos de presidente e vice-presidente
da República, respectivamente:
"Às
15 horas do dia 31 de janeiro do ano de 1956, perante o Congresso
Nacional reunido em sessão conjunta de suas duas casas no Palácio
da Câmara dos Deputados, na cidade do Rio de Janeiro, capital da
República, sob a direção da mesa do Senado Federal, constituída
dos senadores Carlos Gomes de Oliveira, presidente em exercício,
Francisco Benjamin Gallotti e Raul Carneiro, servindo respectivamente
como 1.o e 2.o secretários, compareceram os srs. drs. Juscelino
Kubitschek de Oliveira e João Belchior Marques Goulart e, nos termos
do art. 83 da Constituição Federal, foram solenemente empossados
nos cargos respectivamente de presidente e vice-presidente da República
para os quais foram eleitos no dia 3 de outubro do ano anterior
e diplomados pelo Tribunal Superior Eleitoral a 27 de janeiro do
ano em curso, para o período de 31 de janeiro de 1956 a igual data
do ano de 1961. O primeiro proferiu na forma do parágrafo único
do citado artigo da Constituição o seguinte compromisso: "Prometo
manter, defender e cumprir a Constituição da República, observar
as suas leis, promover o bem geral do Brasil, sustentar-lhe a união,
a integridade e a independência"; o segundo prestou o constante
do parágrafo 3.o do artigo 13 do Regimento Comum do Congresso Nacional,
verbis: "Prometo exercer o cargo de vice-presidente da República
com dedicação e lealdade, cumprir as leis do Brasil e tudo fazer
pelas suas instituições e pelo seu progresso". E, de conformidade
com o disposto no ar. 14 do mesmo Regimento Comum, lavrou-se o presente
termo que é assinado pelos empossados e pela mesa que dirigiu os
trabalhos da sessão.
Assinaram
o termo o presidente e o vice-presidente da República e os membros
da mesa.
|
Depois
da posse |
Terminado o ato de posse, no Palácio Tiradentes, o sr. Kubitschek,
em carro aberto, tendo ao seu lado os srs. João Goulart, Álvaro
Lins e o general Nelson de Melo, dirigiu-se para o Palácio do Catete.
Durante
o trajeto o carro presidencial, que era seguido por um piquete de
cavalaria dos Dragões da Independência, passou entre a formatura
de grupamentos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica que lhe
prestaram as honras militares de estilo.
Das
calçadas e alamedas o povo saudava com entusiasmo os novos presidente
e vice-presidente da República.
|
Chegada
ao Catete |
Eram mais ou menos 15h30, quando chegava o carro presidencial ao
largo fronteiriço ao Palácio do Catete, onde se encontravam formadas
tropas do Batalhão de Guardas e da Polícia Militar. Uma banda de
música executou o Hino Nacional, que foi ouvido em silêncio pela
multidão que se aglomerava nas adjacências. Terminado o hino, o
povo prorrompeu em aclamações aos srs. Juscelino Kubitschek e João
Goulart.
Ao
descerem do automóvel, os novos governantes foram recebidos à porta
do palácio pelo sr. Nereu Ramos, que se achava acompanhado de todo
o seu ministério e membros dos gabinetes Militar e Civil.
|
Transmissão
do poder |
Às 15h40, no Palácio do Catete, o sr. Juscelino Kubitschek recebeu
do sr. Nereu Ramos a suprema magistratura do país investindo-se
nas funções de presidente da República, para o desempenho do mandato
que o sufrágio popular lhe conferiu.
No
salão Nobre, perante as mais altas autoridades do país, teve lugar
o ato solene de transmissão do poder. Nessa ocasião, o sr. Nereu
Ramos proferiu o seguinte discurso:
"Com
a realização deste ato encerra-se um dos mais significativos episódios
da vida política nacional. Eleito pelo povo e diplomado pelo órgão
judiciário competente, o Congresso Nacional acaba de empossa-lo,
sr. presidente, no altíssimo cargo, cujo exercício agora lhe transmito.
"A
complementação de cada uma dessas etapas, testemunha nossa fidelidade
aos ideais democráticos. A propaganda partidária mobilizou forças
e energias que superaram as dificuldades opostas à efetivação do
pleito. Manifestada nas urnas a vontade do povo, cumpria apurá-la
e obedece-la. Nenhum acontecimento, novo e superior, incidira sobre
a vida do país. Nenhum motivo, portanto seria bastante para alterar
a decisão livremente tomada pela coletividade de que emana todo
o poder, em nome da qual todo o poder é exercido. Sob a inspiração
de tão nobres princípios, o egrégio Conselho Nacional e as gloriosas
Forças Armadas agiram a 11 e a 21 de novembro último e esse é o
sentido real e verdadeiro do movimento que conduziu, transitoriamente,
ao exercício da mais alta magistratura do país. Da lealdade com
que procedemos e da sinceridade da nossa atitude, o dia de hoje
é a melhor confirmação.
"Ao
transmitir a chefia de Estado a v. exa., sr. presidente, apenas
concretizo, de forma inequívoca e solene, os propósitos manifestados
pelo Poder Legislativo e pelas Classes Armadas, e constante respeito
à opinião do povo brasileiro.
"A
Constituição foi decretada para organizar um regime democrático,
e a democracia é sempre um sistema de convivência social, em que
o povo se governa a si mesmo. Assegurando a posse dos candidatos
eleitos, temos a consciência tranqüila, pois com esse ato, a um
só tempo cumprimos o maior objetivo da Constituição e correspondemos
aos apelos da formação democrática do país.
"V.
exa., sr. Presidente, assume o governo da República em hora de grandes
transformações e não menor expectativa de toda a nação. Nos 10 anos
de vigência do presente ciclo constitucional, a experiência acumulada
evidencia a necessidade de reformas profundas nas nossas instituições.
Os imperativos da sobrevivência da nossa união federal impõe a revisão
do atual esquema político para o estabelecimento de um regime em
que o governo se torne mais eficiente e capaz, o homem mais livre
e respeitado, a ordem econômica mais justa e compreensível e a igualdade
social mais generalizada e verdadeira.
"Ao
transmitir a v. exa. o exercício da primeira magistratura do país,
formulo votos sinceros pelo êxito do quinquênio presidencial, hoje
iniciado, e rogo a Deus que ilumine e faça descer a paz sobre os
lares do Brasil."
Proferidas
as últimas palavras, o sr. Nereu Ramos retirou a faixa presidencial
que ostentava e colocou-a a tira-colo, entre vivas aclamações, no
presidente Juscelino Kubitschek.
|
Oração
do sr. Juscelino Kubitschek |
O sr. Juscelino Kubitschek, já investido nas funções de presidente
da República, proferiu as seguintes palavras: "Se presidente. Agradeço
a honra imensa do gesto protocolar de v. exa. transmitindo-me a faixa
da Presidência da República. A sua passagem por esta casa ficará assinalada,
nos anais da história do Brasil, como um dos instantes mais altos
da vida cívica deste país. A sua tradição ficará imorredoura nos fatos
da vida política do Brasil, como uma hora solar para democracia e
para a liberdade, em nossa pátria. Congratulando-me com o Brasil por
este ano em que se consolida, definitivamente, a democracia em nossa
pátria, quero, sr. presidente, trazer-lhe neste instante a palavra
de agradecimento de milhões de brasileiros, que viram na sua atuação
a garantia mais eficaz para a consolidação da paz, da liberdade e
da democracia."
|
Manifestação
popular |
Encerrada a solenidade de transmissão, o sr. Juscelino Kubitschek
tentou conceder, como presidente empossado, sua primeira entrevista
coletiva à imprensa, o que não conseguiu, como noticiamos abaixo,
devido à aglomeração que se formou no salão de despachos.
Mais
tarde, após visitar os jardins do palácio, o sr. Juscelino Kubitschek
chegou a uma janela do primeira pavimento do Catete, sendo entusiasticamente
saudado pela multidão que se espraiava na rua Silveira Martins,
ostentando cartazes e faixas com distices reivindicatórios.
Em
rápido improviso, o sr. Kubitschek dirigiu-se aos manifestantes,
reiterando o seu propósito de trabalhar pela ordem, pelo direito
do povo e pela justiça.
Uma
voz popular, do meio da massa, se alteou das demais para dizer que
o operariado brasileiro tinha muitas esperanças no seu novo presidente.
Respondeu o sr. Kubitschek, debaixo de aclamações, que também contava
com o apoio das classes trabalhadoras, para bem desempenhar o seu
mandato e poder assim executar o seu plano de governo.
|
O
novo governo |
RIO (FOLHAS) - O sr. Juscelino Kubitschek, logo após receber cumprimentos
das altas autoridades, convidados e do povo na cerimônia da transmissão
do poder no Catete e de ter conduzido até a porta do Palácio o sr.
Nereu Ramos, assinou decretos nomeando os ministros de Estado, a
saber: Justiça, Nereu Ramos; Marinha, Almirante Alves Camara; Guerra,
general Henrique Teixeira Lott; Relações Exteriores, embaixador
José Carlos de Macedo Soares; Fazenda, sr. José Maria Alkimin; Viação
e Obras Públicas, comandante Lucio Meira; Agricultura, Ernesto Dorneles;
Educação e Cultura, Clóvis Salgado; Trabalho, Pansifal Barroso;
Aeronáutica, brigadeiro Alves Seco; e Saúde, prof. Maurício de Medeiros.
Assinou
ainda decretos nomeando para o cargo de chefe do gabinete Militar
da Presidência da República o general Nelson de Melo e para o cargo
de chefe do gabinete civil, o sr. Álvaro Lins.
Todos
os ministros de Estado, bem como os chefes dos gabinetes militar
e civil, foram em seguida empossados nos respectivos cargos pelo
presidente.
Foi
nomeado para o cargo de chefe de Polícia do Departamento Federal
de Segurança Pública o general Augusto Magessi.
|
TRANSMISSÃO
DOS GABINETES MILITAR E CIVIL |
Ontem mesmo no Catete, em ato singelo, o sr. Paulo Lira transmitiu
o cargo de chefe do Gabinete Civil ao sr. Álvaro Lins. Por sua vez
o general Floriano de Lima Brainer transmitiu a chefia do Gabinete
militar ao general Nelson de Melo.
|
O
pitoresco e o dramático ontem, no Rio |
RIO (FOLHAS) - O pitoresco e o dramático andaram misturados durante
os acontecimentos políticos de ontem nesta capital. Para não falar
somente no entusiasmo que coroou o ato de posse dos srs Juscelino
Kubitschek e João Goulart, uma série de fatos deixou outras marcas
nos sucessos que assinalaram as cerimônias.
Prisões,
atropelamentos, casos de insolação, balburdia e até depredações
acidentais no Palácio do Catete figuram no rol dos episódios registrados
por ocasião dos atos solenes de ontem.
|
30
prisões |
Com um verdadeiro pelotão de agentes, a Polícia Política auxiliava
nos serviços de segurança. Sua primeira tarefa ingente teve lugar
à frente da Câmara dos Deputados, quase à hora em que ali chegavam
os srs. Juscelino Kubitschek e João Goulart. No meio da multidão os
comunistas abriram suas faixas com dizeres contra o estado de sítio,
pela legalidade do P.C.B., pela anistia aos presos políticos, etc.,
ocasião em que a autoridade foi impelida a agir, empregando processos
violentos. O mesmo mais tarde ocorreu na frente do Palácio do Catete.
Naquelas duas diligências foram efetuadas cerca de 30 prisões.
|
Acidentes
e insolações |
Numerosos foram os acidentes verificados por ocasião das solenidades.
Só o posto central do SAMDU atendeu 150 casos a mais do que nos
dias normais. A maioria, segundo fomos informados, por queimaduras
de foguetes, atropelamentos de veículos e casos de insolação. Exaustivo
foi também o trabalho do Pronto Socorro.
A saída
do carro presidencial do Catete mais ou menos às 15 h 30 as salvas
dos canhões espantaram um cavalo montado por um policial do Exército.
O animal empinou enfurecido, jogou o cavaleiro ao solo e investiu
contra a multidão: só foi contido depois de haver ferido várias
pessoas. Felizmente não se registrou nenhum caso de maior gravidade.
|
Depredações
no Catete |
No Palácio do Catete, após haver recebido a presidência do sr. Nereu
Ramos, o sr. Juscelino Kubitschek retirou-se para o salão de despachos,
onde seria entrevistado e fotografado por jornalistas brasileiros
e correspondentes estrangeiros.
Mal
os representantes da imprensa se preparavam para a missão, as portas
laterais estouraram, não resistindo à avalancha da multidão que
se comprimia nas peças contíguas ao salão. Sobreveio uma balburdia
infernal. E pela onda humana também ia sendo comprimido o sr. Juscelino
Kubitschek. Estrategicamente auxiliado por elementos encarregados
da segurança, o presidente conseguiu escapulir por um elevador.
O salão
de despachos, momentos depois, parecia um campo de batalha: máquinas
fotográficas danificadas, jornalistas com a roupa em fragalhos,
a mesa presidencial com os seus vidros superiores completamente
partidos, algumas cadeiras e sofás desengonçados e, a um canto,
inteiramente danificado, um busto de Rui Barbosa.
Não
fora possível a realização da entrevista coletiva. O sr. Kubitschek
só voltou ao salão quando havia retornado a calma, ocasião em que
assinou os atos de nomeação de seus ministros e outros auxiliares
diretos.
|
Ouvindo
dobrados |
Nos jardins do Catete havia uma banda de Belo Horizonte executando
dobrados. Para ali, e de forma estratégica, dirigiu-se o sr. Juscelino
Kubitschek, agora cercado por forte cinturão de seguranças. Ouviu
a música, aplaudiu-a, regressou ao interior do palácio. Na volta,
abordado por alguns jornalistas que tinham conseguido romper o cerco,
disse o presidente:
- "Trabalharei
sem desfalecimentos pelos direitos do povo".
|
Três
episódios na Câmara |
Na Câmara dos Deputados, quando se aproximava o momento da posse,
ocorreu um fato digno de registro: foi a homenagem prestada ao general
Flores da Cunha. No instante em que tomava assento à mesa, o velho
parlamentar gaúcho foi alvo de entusiásticas manifestações, sendo
obrigado, por três vezes, a levantar-se para agradecer. Na última,
muito emocionado, o sr. Flores da Cunha não conseguiu conter as
lágrimas.
Quase
ao mesmo tempo, naquela mistura de uniformes de fala, comendas,
casacas, representantes de 61 nações, outro fato chamou a atenção
da reportagem. Caminhava em direção ao deputado Emílio Carlos, um
cavalheiro louro, tipo anglo-saxão, que envergava vistoso fraque,
com algumas decorações. Pensando que o cidadão se dirigia a ele
e que se tratava de membro de alguma missão estrangeira, indagou
o parlamentar paulista:
- "What
can I do for you?" (No que lhe posso ser útil?)
Surpreso,
o cavalheiro interrogou em português:
- O
quê?
Tratava-se
de um cônsul brasileiro.
|
Aparato
bélico |
Desde às 10 horas da manhã tropas e viaturas do Exército começaram
a tomar posição, desde o Palácio do Catete até às imediações do
Palácio Tiradentes. Além dos pelotões em formação clássica, canhões
de pequeno calibre e baterias antiaéreas foram colocados em toda
a extensão da praia do Flamengo, praça Paris e avenida Beira Mar.
Toda
essa movimentação bélica determinou, por sua vez, alteração no tráfego
naqueles pontos, dificultando a circulação de veículos que durante
várias horas, ou seja, até depois da chegada ao Catete do primeiro
magistrado e das missões estrangeiras, teve de ser feita em fila
indiana, rente ao passeio dos edifícios.
A intervalos
regulares, soldados com fuzis-metralhadoras e equipamento subsidiário
reforçavam o aparato militar observado no centro da cidade, com
a utilização, em massa, da polícia civil e dos guardas de trânsito.
Pelotões de motociclistas do Exército se mantiveram em constante
circulação, para assegurar área livre nas pistas de rolamento entre
o palácio presidencial e o edifício da Câmara dos Deputados, ou
seja, no trajeto por onde passou o sr. Juscelino Kubitschek para
as solenidades de prestação de compromisso, no Palácio Tiradentes
e de posse, no Catete.
|
A
FAB nas cerimônias |
A Força Aérea Brasileira participou das solenidades de ontem. Uma
esquadrilha de aviões a jato, em formação por 3, sobrevoou o centro
da cidade durante a realização daquelas cerimônias.
|
©
Copyright Empresa Folha da Manhã Ltda. Todos os direitos
reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em
qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização
escrita da Empresa Folha da Manhã Ltda.
|
|