UMA IDÉA

Publicado na Folha da Noite, sexta-feira, 6 de janeiro de 1933.

Neste texto foi mantida a grafia original

BELMONTE

A Republica Nova, com a sua mania "socialista", resolveu dar um golpe de morte numa porção de velharias superfluas que andavam por ahi, degenerando o povo e arruinando o paiz.

As velharias superfluas ou prejudiciaes eram incontaveis como as estrellas do céo e os patriotas da terra. Era, evidentemente, impossivel acabar com todas de uma vez. E, assim, convencionou-se que o mais pratico seria ir por partes, de vagarinho, com engenho e arte, de modo a que, dentro de alguns annos, o paiz pudesse respirar, alliviado de tão incommodas e asphyxiantes cargas.

Absolutamente convencidos de que o Brasil está pobre, resolveu-se appellar para a miseria do povo afim de salvar a pobreza do Thesouro. Ora, o povo sempre faz milagres e, apesar de estar atolado na mais torva miquiação, sempre se encontra geito de fazel-o pingar alguns nickeis.

Então, choveu imposto!

Nunca se viu, na face da terra, em tempo algum, temporal mais violento. Os expoentes da intelligencia brasileira foram convocados, de norte a sul, para se reunirem no Rio. Reunidos, cada qual escabichou a preclara mioleira, na ansia de se descobrirem todos os meios possiveis e impossiveis para que os ultimos tostões do povo espirassem dentro das goéllas insaciaveis do Moloch-Fisco. A principio, foi uma garôa de taxazinhas camaradas. Depois, choviscou: vieram timidamente, os primeiros impostos novos, fininhos, friozinhos, já se nos insinuando pela pelle a dentro. A seguir, choveu. E, depois, com a entrada do anno novo, desabou o temporal de impostos que ahi está, ensopando-nos a carne, os ossos e a alma, endefluxando-nos, e fazendo-nos espirrar nickeis, os ultimos e sempre chorados nickeis das nossas mais shylockeanas economias.

O povo - coitado do povo! - não tendo para quem appellar, está à espera de alguma providencial Lady Godiva que se disponha a praticar o nu' integral na rua Direita, em cima de um burro chucro, afim de applacar a "auri sacra fames" da patria. Mas onde está Lady Godiva? E, suppondo-se mesmo que ella surgisse, "vestida com sua carne côr de ambar" - como dizem os poetas do Cambucy - permittiria a policia que ella realizasse esse salutar e philantropico passeio?

Esta interrogação angustiada trouxe uma idéa à ponta da minha penna. Como, nesta época, todo o mundo tem idéas, não parecerá inconveniente que eu tambem tenha uma. Tenho. E peço licença para expôl-a, em beneficio da bolsa do povo e dos cofres da nação.

A minha idéa - que eu peço licença para chamar de "idéa luminosa" como a dos romances de Ponson du Terrail - é a seguinte:

Primeiro: o governo arranjará uma Lady Godiva e, antes de exhibil-a, supprimirá todos os impostos.

Segundo: supprimidos os impostos, o governo annunciará, pelos jornaes e pelo radio, que Lady Godiva - um "pedaço!" - fará o "footing" no triangulo, num sabbado à tarde, vestida unicamente com sua cabelleira "à la garçonne". E annunciará mais que, para presenciar esse passeio hygienico da "lady", os cidadãos amantes das fórmas esculpturaes andantes, pagarão uma taxazinha de dez mil réis.

Verá o governo como, com alguns passeios desse genero realizados pela esculptural e philantropica senhora, o Thesouro ficará abarrofado de notas de dez mil réis, mesmo porque aquelles que não pagarem, não terão o direito nem de arriscar um olho.

Ahi fica minha idéa-mãe. Neste temporal de impostos, com furacão de idéas, uma a mais não prejudica ninguem. Pelo contrario: pôde até salvar a patria e tirar do desespero todos os nossos credores.

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