BELMONTE
A
Republica Nova, com a sua mania "socialista", resolveu dar um
golpe de morte numa porção de velharias superfluas que andavam
por ahi, degenerando o povo e arruinando o paiz.
As
velharias superfluas ou prejudiciaes eram incontaveis como as
estrellas do céo e os patriotas da terra. Era, evidentemente,
impossivel acabar com todas de uma vez. E, assim, convencionou-se
que o mais pratico seria ir por partes, de vagarinho, com engenho
e arte, de modo a que, dentro de alguns annos, o paiz pudesse
respirar, alliviado de tão incommodas e asphyxiantes cargas.
Absolutamente
convencidos de que o Brasil está pobre, resolveu-se appellar para
a miseria do povo afim de salvar a pobreza do Thesouro. Ora, o
povo sempre faz milagres e, apesar de estar atolado na mais torva
miquiação, sempre se encontra geito de fazel-o pingar alguns nickeis.
Então,
choveu imposto!
Nunca
se viu, na face da terra, em tempo algum, temporal mais violento.
Os expoentes da intelligencia brasileira foram convocados, de
norte a sul, para se reunirem no Rio. Reunidos, cada qual escabichou
a preclara mioleira, na ansia de se descobrirem todos os meios
possiveis e impossiveis para que os ultimos tostões do povo espirassem
dentro das goéllas insaciaveis do Moloch-Fisco. A principio, foi
uma garôa de taxazinhas camaradas. Depois, choviscou: vieram timidamente,
os primeiros impostos novos, fininhos, friozinhos, já se nos insinuando
pela pelle a dentro. A seguir, choveu. E, depois, com a entrada
do anno novo, desabou o temporal de impostos que ahi está, ensopando-nos
a carne, os ossos e a alma, endefluxando-nos, e fazendo-nos espirrar
nickeis, os ultimos e sempre chorados nickeis das nossas mais
shylockeanas economias.
O
povo - coitado do povo! - não tendo para quem appellar, está à
espera de alguma providencial Lady Godiva que se disponha a praticar
o nu' integral na rua Direita, em cima de um burro chucro, afim
de applacar a "auri sacra fames" da patria. Mas onde está Lady
Godiva? E, suppondo-se mesmo que ella surgisse, "vestida com sua
carne côr de ambar" - como dizem os poetas do Cambucy - permittiria
a policia que ella realizasse esse salutar e philantropico passeio?
Esta
interrogação angustiada trouxe uma idéa à ponta da minha penna.
Como, nesta época, todo o mundo tem idéas, não parecerá inconveniente
que eu tambem tenha uma. Tenho. E peço licença para expôl-a, em
beneficio da bolsa do povo e dos cofres da nação.
A
minha idéa - que eu peço licença para chamar de "idéa luminosa"
como a dos romances de Ponson du Terrail - é a seguinte:
Primeiro:
o governo arranjará uma Lady Godiva e, antes de exhibil-a, supprimirá
todos os impostos.
Segundo:
supprimidos os impostos, o governo annunciará, pelos jornaes e
pelo radio, que Lady Godiva - um "pedaço!" - fará o "footing"
no triangulo, num sabbado à tarde, vestida unicamente com sua
cabelleira "à la garçonne". E annunciará mais que, para presenciar
esse passeio hygienico da "lady", os cidadãos amantes das fórmas
esculpturaes andantes, pagarão uma taxazinha de dez mil réis.
Verá
o governo como, com alguns passeios desse genero realizados pela
esculptural e philantropica senhora, o Thesouro ficará abarrofado
de notas de dez mil réis, mesmo porque aquelles que não pagarem,
não terão o direito nem de arriscar um olho.
Ahi
fica minha idéa-mãe. Neste temporal de impostos, com furacão de
idéas, uma a mais não prejudica ninguem. Pelo contrario: pôde
até salvar a patria e tirar do desespero todos os nossos credores.