DOS MALES O MENOR...

Publicado na Folha da Noite, quinta-feira, 25 de abril de 1935.

Neste texto foi mantida a grafia original

BELMONTE

Os velhos leitores da "Folha de Noite" devem lembrar-se ainda, de umas historietas muito interessantes que este jornal publicava, ha alguns annos, num canto da sua primeira pagina, sob o titulo permanente de "Contos Arabes".

Assignava esses contos um nome até então ignorado de toda a gente: Malba Tahan. Embora eu houvesse escripto uma especie de apresentação do escriptor "arabe", trazendo-o á publicidade no Brasil, ninguem o conhecia. Isso, comtudo, contribuiu ainda mais para o rapidissimo successo do folclorista oriental, pois o mysterio que lhe envolvia a personalidade parecia augmentar o interesse pela leitura de seu curiosissimo fabulario. O certo, porém, é que o nome de Malba Tahan, dentro de pouco tempo, attingiu uma culminancia soberba no mundo das letras - embora muita gente ignorasse, como ainda hoje ignora - que o autor dessas notaveis historias arabes, de um tão profundo accento oriental, é apenas um brasileiro.

Pois foi Malba Tahan quem escreveu uma historia arabe, cuja opportunidade, neste momento, é indiscutivel. Foi o caso que em qualquer cidade do Iran Beluchistan ou Afghanistan, um sultão adoeceu. Como é natural em taes circumstancias, os cortezãos, afflictos, appellaram para todos os sabios da terra, afim de que estes salvassem o soberano. Mas, se os cortezãos se affligiam com a fatal enfermidade, os subditos do reino mal podiam esconder o intenso jubilo que os assaltava, pois o sultão, senhor absoluto de vastas regiões, era o typo acabado do tyranno, cruel e intoleravel, inimigo dos seus subditos aos quaes tratava como cães sem dono.

Certo dia, porém, no instante em que a enfermidade real attingia o seu ponto fatal, alguns transeuntes surpreenderam no desvão de uma escada, ao fim de uma viella, um sujeito encolhido, envolto em farrapos, a chorar desconsoladamente. Acercaram-se delles, solicitos, penalisados:

- Por que choras, amigo?

- Ah! senhores! Allah é cruel! Vae roubar-nos o nosso soberano:

- Hein? Pois choras por isso? Ignoras, porventura, que essa morte será a nossa libertação? Não sabes, acaso, que esse sultão que agoniza é um despota cruel, sem coração e alma, vil como uma serpe, feroz como um chacal, covarde como um cão leproso?

- Bem o sei...

- Se bem o sabes, por que choras então?

- Os senhores dizem que o sultão é mau, que não vale nada...

- Exactamente.

- E aquelle que o vae succeder? Os senhores o conhecem bem?

- Não.

- Pois é por isso que choro. Porque o que vier depois póde ser muito peor... Quando se descobriu, ha dias, um "complot" para derrubar o sr. Getulio Vargas, encontrei um anti-getulista empolgado pela mais indisfarçavel das satisfações.

- Mas como? Você devia estar triste! O "complot" fracassou!

- Pois é por isso que estou alegre, meu caro! O Getulio é uma peste mas o outro podia ser muito peor!

Para imprimir este texto clique o botão direito do seu mouse.

© Copyright Empresa Folha da Manhã Ltda. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Empresa Folha da Manhã Ltda.