BELMONTE
Os velhos leitores da "Folha de Noite" devem lembrar-se ainda,
de umas historietas muito interessantes que este jornal publicava,
ha alguns annos, num canto da sua primeira pagina, sob o titulo
permanente de "Contos Arabes".
Assignava
esses contos um nome até então ignorado de toda a gente: Malba Tahan.
Embora eu houvesse escripto uma especie de apresentação do escriptor
"arabe", trazendo-o á publicidade no Brasil, ninguem o conhecia.
Isso, comtudo, contribuiu ainda mais para o rapidissimo successo
do folclorista oriental, pois o mysterio que lhe envolvia a personalidade
parecia augmentar o interesse pela leitura de seu curiosissimo fabulario.
O certo, porém, é que o nome de Malba Tahan, dentro de pouco tempo,
attingiu uma culminancia soberba no mundo das letras - embora muita
gente ignorasse, como ainda hoje ignora - que o autor dessas notaveis
historias arabes, de um tão profundo accento oriental, é apenas
um brasileiro.
Pois
foi Malba Tahan quem escreveu uma historia arabe, cuja opportunidade,
neste momento, é indiscutivel. Foi o caso que em qualquer cidade
do Iran Beluchistan ou Afghanistan, um sultão adoeceu. Como é natural
em taes circumstancias, os cortezãos, afflictos, appellaram para
todos os sabios da terra, afim de que estes salvassem o soberano.
Mas, se os cortezãos se affligiam com a fatal enfermidade, os subditos
do reino mal podiam esconder o intenso jubilo que os assaltava,
pois o sultão, senhor absoluto de vastas regiões, era o typo acabado
do tyranno, cruel e intoleravel, inimigo dos seus subditos aos quaes
tratava como cães sem dono.
Certo
dia, porém, no instante em que a enfermidade real attingia o seu
ponto fatal, alguns transeuntes surpreenderam no desvão de uma escada,
ao fim de uma viella, um sujeito encolhido, envolto em farrapos,
a chorar desconsoladamente. Acercaram-se delles, solicitos, penalisados:
-
Por que choras, amigo?
-
Ah! senhores! Allah é cruel! Vae roubar-nos o nosso soberano:
-
Hein? Pois choras por isso? Ignoras, porventura, que essa morte
será a nossa libertação? Não sabes, acaso, que esse sultão que agoniza
é um despota cruel, sem coração e alma, vil como uma serpe, feroz
como um chacal, covarde como um cão leproso?
-
Bem o sei...
-
Se bem o sabes, por que choras então?
-
Os senhores dizem que o sultão é mau, que não vale nada...
-
Exactamente.
-
E aquelle que o vae succeder? Os senhores o conhecem bem?
-
Não.
-
Pois é por isso que choro. Porque o que vier depois póde ser muito
peor... Quando se descobriu, ha dias, um "complot" para derrubar
o sr. Getulio Vargas, encontrei um anti-getulista empolgado pela
mais indisfarçavel das satisfações.
-
Mas como? Você devia estar triste! O "complot" fracassou!
-
Pois é por isso que estou alegre, meu caro! O Getulio é uma peste
mas o outro podia ser muito peor!
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