NUDISMOS...

Folha da Manhã, quarta-feira, 24 de abril de 1935.

Neste texto foi mantida a grafia original

BELMONTE

Quando Hitler subiu ao poder a sua primeira preocupação, depois da caçada épica aos communistas e judeus, foi investir com fera energia contra os clubes de nudismo que ameaçavam transformar a austera Allemanha num novo jardim do Eden, com Adões e Evas de varios feitios antes do peccado original.

Achou o "reichfuehrer" que o que se pretendia apresentar aos povos estupefactos como sendo o exercicio salutar de um systema hygienico de vida, não passava, em ultima analyse, de grossa patifaria. Mas, para que se não dissesse que o dictador pretendia exercer uma tyrannia draconiana contra os adeptos sinceros da "nachtkultur", exigiu que esses clubes reformassem seus estatutos e que os nudistas, quando nos seus acampamentos, exercessem uma prudente separação de sexos afim de evitar que as macieiras da Allemanha acabassem sem uma fruta e, talvez mesmo, sem uma folha. Jeovah certamente, não applaudiria esse saque furioso ás maçãs do Eden...

Não sei como acabou essa historia mas estou inclinado a crêr - na falta dos informes sugestivos da "Lachendes Leben" - que a "nachtkultur", na Allemanha, foi um sonho que passou... Quem quizer andar nú, que o faça dentro de casa, muito ás occultas, praticando a helliotherapia no rectangulo luminoso de uma janella avara. O nazismo não admitte a existencia de Evas, principalmente na companhia perigosa de Adões, embora estes, com evangelica pudicicia, prefiram contemplar os encantos da natureza a deliciar-se nos fascinios das companheiras. Se nos campos da Allemanha não ha serpentes perversas sopram macieiras tentadoras... E quanto ás macieiras... "hoc opus, hie periculo est..."

Mas enquanto succedem esses factos consideraveis além-Rheno, a França acaba de eleger a sua "miss Venus" de 1935, uma garota do barulho, loira e maravilhosa - e a Norte America vem de consagrar "o corpo mais perfeito de Nova York" na pessoa de uma venezuelana morena, de uma belleza equatoriana, ardente e explosiva. Ambas as "rainhas" a loira parisiense e a "morocha" da Venezuela, são modelos de artistas e representam bem, as inclinações estheticas de dois povos differentes. Enquanto os desenhistas, americanos sem tradições artisticas mas de temperamento esportivo, preferem os "modelos" magros e ageis, os seus collegas francezes optam pela mulher - mulher, solida e hellenica sem angulosidades osteologicas nem tapeações esportivas. Nesse sentido, a loira que ganhou os louros na Sala Pleyel, diante do julgamento severo desse Paris valetudinario que é o pintor Van Dongen, representa bem o typo "standar" da belleza européa, em contraposição á venezuelana de Nova York, magra e quasi angulosa, agil mas fragil, que é o estalão de belleza de desenhistas, famosos como Mac Clelland, Chandler Christy e Dean Cromwell.

Não se conclua dahi que o liberalismo francez e americano estejam com a mania de cultuar o nú, apenas para fazer fosquinhas ao frio moralismo hitleriano. O desfile das Evas, tanto em Paris, como em Nova York, foi levado a effeito em recintos fechados, diante de um jury misto mas onde não havia Adões - ou melhor, onde os Adões estavam prudentemente vestidos e, alguns, até mesmo encapotados. E as Venus que desfilaram eram, quasi todas, modelos de artistas - o que não occoria nos acampamentos de "nachtkultur", onde havia, até verdadeiros "phenomenos" anatomicos, mais dignos de figurarem num circo ou num museu teratologico do que diante de cidadãos de relativo bom gosto.

E nós?

Nós, graças aos politicos, acabaremos nús com a mão no bolso, porque o tal reajustamento ainda nos levará a ultima camisa...

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