BELMONTE
Eu tenho um profundo respeito pela opinião alheia. Não quero dizer
com isso que concorde sempre com ella. Não. Colloco-me deante della
com a mesma gravidade solemne com que me colloco deante da mulher
do proximo: respeito-a muito, mórmente quando o "proximo" é ciumento
e athletico, mas fico nisso apenas; no respeito. Não jámais em confabulações
compromettedoras.
Pois,
quanto ao futurismo a minha attitude é a mesma. Respeito as opiniões
extermistas mas não entro em conluios desagradaveis com ellas, nem
com ellas me apresento em publico.
Poderia
até citar uns tantos pensadores celebres que agiam de egual maneira.
Mas não me lembro delles agora. Embora estas notas ficassem mais
bonitas com umas citações em francez ou em hespanhol, prefiro deixal-as
como estão.
E
vamos ao assumpto.
Tenho
lido, quasi diariamente, cerradissimas diatribes contra uns tantos
miços (e, mesmo, diversos velhos!) que arregaçam as mangas com furor
e investem, aos murros (não sei como se diz em inglez) para deixar
nocaute, extendida no chão, a figura veneravel e bolorenta de um
senhor amavel a que chamam Passado. Esses moços são os taes futuristas,
dadaistas, dynamistas (por um triz deixaram de ser dynamites!) e
outros "istas" extranhos e aggresivos.
Pois,
é mal feito! Eu respeito, mas não concordo. Para que hão de, esses
escribas, investir tão bravamente contra os nobres avanguardistas?
Não
concordo! Não concordo, por uma razão muito simples e muito justa.
Aggridem-nos porque elles se dizem "independentes", "creadores",
e vivem a copiar fetiches e manipanços africanos e a impingir como
"creações geniaes" figuras toscas de "candomblês" e "mafuás" de
feitiçarias!
Ora,
ora! Então os senhores queriam que elles fossem se inspirar em estatuas
de Praxitelles, Michelangelo ou Rodin? Mas quem é Praxitelles? Quem
é Michelangelo? Quem é Rodin? Os senhores já ouviram fallar nesses
microbios?
Isso
de Marillier ter berrado que "a arte negra é mais rudimentar que
a rudimentarissima "arte" dos Boschimans e dos Papús da Nova Guiné"
não passa de ignorancia romba e lamentavel.
Porque
a verdade nitida, palpavel, audivel e incontestavel é esta : o futurismo
está creando, neste planeta nervoso e degenerescente, uma pleiade
luminosa de Genios que, no futuro, farão da terra decrepita e caduca
um mundo "novo e limpo" fadado a rutilar no orbe com a offuscante
scintillação de um sol.
Tenho
visto muitas telas pintadas pelos genios da nova seita. Não têm
desenho, nem harmonia. Assim é que devem ser, porque si houvesse
desenho, perspectiva, harmonia ou "nuance", não seriam novidade,
porque ha millenios os quadros todos têm taes coisas. Logo é mistér
que sejam assim. A desproposição é a materia prima para o fabrico
de taes telas. Depois, a desharmonia. Depois, a paranoia. Depois,
o daltonismo. E assim por diante, para trás... berrando pelo futuro!
E
são Genios.
Ora,
as crianças desenham pelos mesmos processos, com o mesmo estylo
e com egual independencia. Abstêm-se de toda a orientação, de todo
o conselho, de todo o criterio, de toda a harmonia. Desenham como
melhor lhes parece, sem indagar si Rubens pintava ou não de tal
maneira . São, como disse acima, integralmente independentes. Apenas
não sabem crear nomes para o baptismo dos seus trabalhos, o que
os obriga a se conservarem na sombra, incomprehendidos, e nunca
elogiados.
E
é pena.
A
criançada deve formar grupos, "coteries" e "escolas" artisticas,
crear nomes e baptizarem-se. Sejam "futuristas", "expressionistas",
dadaistas! Mandem a escola ás urtigas, ponham um rabo de papel na
aba do paletó do professor e corram-no a pedradas! Incendeiem o
grupo, incinerem os livros e sepultem as borrachas! Peguem a esponja
e passem-na sobre o Methodo, e sobre as Regras! Sejam conscientes!
O Genio não lhes faltam. O que lhes falta é a coragem de impôr essa
genialidade.
No
dia em que o fizerem, os Andrades e Segalls os levarão aos pincaros
da Fama e o mundo, refeito e glorioso, ha de beijar-lhes a mãos
sublimes!
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