FALECEU O CARICATURISTA BELMONTE
Morreu ontem, após prolongados padecimentos, o admiravel
criador do Juca Pato - Benedito de Bastos Barreto, Belmonte - que
no Brasil inteiro e mesmo alem das nossas fronteiras era aplaudido
pelas suas "charges" politicas e os seus desenhos no terreno
da ilustração historica.
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Publicado
na Folha da Manhã, domingo, 20 de abril de 1947
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Neste texto foi mantida a grafia original
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Faleceu ontem o desenhista Belmonte, criador do Juca Pato
A morte de Benedito Bastos Barreto ocorreu pela madrugada no Hospital
São Lucas, tendo-se realizado à tarde o sepultamento
Causou a maior consternação nesta casa, que ele sempre
distinguiu com a sua fidelidade e o seu talento; em todo São
Paulo, cuja vida politica e social deixa narrada através de
suas "charges" e das suas ilustrações de carater
historico; e mesmo em todo o país, de cujo resumido grupo de
caricaturistas era nome de primeira plana, a morte do admiravel jornalista
e desenhista Benedito Bastos Barreto, desde os seus primeiros passos
conhecido por Belmonte, o criador da figura imortal do Juca Pato,
tão cheia da sua "verve" nas linhas simples que a
compõem.
Não há melhor necrologio para Belmonte, nesta hora de
tristeza, que a recordação das figuras que sairam animadas
do seu lapis e que se celebrizaram por todo o país, seja o
seu Juca Pato, simbolo da ingenuidade admirada e perguntona do nosso
povo diante dos acontecimentos politicos e administrativos que não
compreende, mas cujas consequencias sempre acaba sofrendo, seja a
sua curvilinea Melindrosa de há vinte anos, quando o batom
e os cabelos "à la garçonne" nos chegaram
de Paris, seja ainda os seus bandeirantes barbaçudos, heróicos
nas vestes de couro, empunhando aqueles horrendos bacamartes que vomitavam
metralha nos dias ardentes da conquista do sertão. Esse é
o Belmonte, o Belmonte que lembraremos sempre e que tem o seu lugar
marcado dentro da historia da "charge" na vida da nossa
imprensa e da ilustração no terreno da reconstituição
historica.
Como era conhecido e admirado pelo nosso zé-povinho, testemunha-o
um fato que ainda ontem, dia de sua morte, observamos no centro da
cidade. Saia a edição unica da "Folha da Noite"
com seu retrato na primeira pagina, e os jornaleiros, sobraçando
punhados de vespertinos, disparavam do balcão aos gritos de
"Morreu Belmonte! Morreu Belmonte!". Os transeuntes paravam,
um espanto incredulo nos olhos, o gesto em meio de tirar o niquel
do bolso e chamar os moleques que corriam... Daí a pouco, na
praça da Sé, nas ruas Direita, São Bento e Quinze
de Novembro, as folhas eram disputadas, e os jornaleiros, numa homenagem
postuma ao grande caricaturista, espalhavam nas calçadas os
exemplares que traziam, só deixando visivel o retrato daquela
figura melancolica de Belmonte, à qual tambem já estavam
acostumados, pois eram os primeiros a "ler o Belmonte" logo
que adquiriam a "Folha da Noite" em nosso balcão.
Outros continuavam a correr pelo centro, repetindo sempre o mesmo
grito - "Morreu Belmonte! Morreu Belmonte!" - que fazia
entreparar os transeuntes e de subito os mergulhava num espanto vizinho
da incredulidade. Morrera Belmonte!
Nota predominante da sua formação de artista era o amor
que dedicava à Capital paulistana, donde nunca se afastou nem
mesmo doente. Amor de todas as horas, demonstrado em todas as oportunidades,
a proposito de qualquer coisa e até de coisa nenhuma. Dez dias
antes do seu passamento pediu ao nosso reporter Nelson Wainer que
o acompanhasse num passeio pelos pontos mais caracteristicos da cidade.
E lá se foram ambos, de automovel, pela noite a dentro, visitando
as avenidas iluminadas, os monumentos distantes, os arranha-céus
que estão nascendo nas novas ruas abertas pela picareta da
Prefeitura. Era a ultima visita, dizia ele. Não queria morrer
sem ter na retina as imagens da sua cidade de São Paulo.
Era uma criatura esguia e silenciosa, afavel e amiga, inclinada ao
aplauso e à compreensão, incapaz de mostrar-se e descuidado
do lucro. Embora nada comunicativo, como se toda a sua exuberancia
a consumisse o lapis por que falava, rodeava-se, entretanto, de largo
circulo de amigos, cujo carinho cultivava com desvelo. Sobretudo nesta
casa, de cujo progresso e prestigio entre o publico leitor de todo
o Brasil, desde os dias da fundação, foi fator preponderante,
deixa ele em cada trabalhador um companheiro inconsolavel, fiel à
memoria da sua amizade e do talento criador. A Belmonte, portanto,
com a nossa saudade, as nossas homenagens.
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Traços
biograficos de Belmonte |
Benedito Bastos Barreto nasceu nesta Capital, a 15 de maio de 1896,
e era filho do dr. João Caneros de Bastos Barreto e de d. Rita
do Espirito Santo Barreto, ambos já falecidos.
Frequentou, na cidade natal, a Escola Modelo "Caetano de Campos",
o Ginasio "Macedo Soares", o Instituto de Ciencias e Letras,
o Curso "Alfredo Paulino" e outros. Ingressou na Faculdade
de Medicina, mas ali permaneceu um ano apenas, pois tinha pendor para
as letras e as artes, o que o fez abandonar completamente o curso
medico.
Colaborou, a principio, em varias publicações, sendo,
em 1921, com a fundação da "Folha da Noite",
convidado para integrar o corpo redatorial do nosso vespertino. Escreveu
artigos de fundo, cronicas e topicos, ilustrando-os com seus desenhos.
Alguns anos depois, criou o famoso "Juca Pato".
De outro lado, grangeou fama com suas charges. Suas caricaturas, durante
muitos anos pelas "Folhas", eram constantemente reproduzidas
nos maiores orgãos da imprensa mundial.
Ocupou Belmonte varios cargos publicos; foi redator do DEIP e assistente-tecnico,
de Festejos Populares, da mesma entidade.
Era membro do Instituto Historico e Geografico de São Paulo,
do Instituto Heraldico-Genealogico, da Sociedade dos Escritores Brasileiros,
da Associação Paulista de Imprensa e da Associação
de Belas-Artes. Alem disso exerceu, em 1936 e 1937, o cargo de membro
da Comissão Municipal de Diversões Publicas e em 1940
o de membro da Comissão incumbida de estudar a urbanização
da fazenda e morro do Caraguá.
Deixa publicadas as seguintes obras: "Angustias de Juca Pato"
(album de caricaturas); "O amor através dos seculos"
(album de caricaturas, edição de luxo); "Assim
falou Juca Pato" (cronicas humoristicas, edição
da Companhia Editora Nacional); "A cidade do Ouro" (livro
para crianças); "Idéias de João Ninguem"
(cronicas humoristicas, edição da Livraria José
Olimpio Editoria); "No reino da confusão" (album
de caricaturas); "Musica, maestro!" (album de caricaturas);
"A guerra do Juca" (album de caricaturas); "No tempo
dos Bandeirantes" (livro de historia, duas edições
do Departamento de Cultura, uma da Cia. Melhoramentos e a quarta,
que se acha no prelo, da mesma editora).
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Benedito Bastos Barreto deixa viuva, d. Francisca Cardoso Bastos Barreto,
e uma filha, srta. Laís.
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O
falecimento de Belmonte |
O falecimento de nosso companheiro ocorreu ontem às 3 h 45
no Hospital São Lucas, onde se achava há dias em tratamento.
Trasladado o corpo para a residencia do extinto, à rua Atibaia,
nº 129, desde cedo ali, compareceu, para prestar-lhe as ultimas
homenagens, avultado numero de pessoas. Viam-se entre os presentes
os representantes do governador do Estado e de outras autoridades
da Academia Paulista de Letras, do Departamento Estadual de Informações
e de outras entidades; figuras de relevo em nossos meios sociais,
artisticos e literarios e numerosos amigos do falecido. Pelas "Folhas"
compareceram o dr. José Nabantino Ramos, diretor-superintendente,
e varios redatores.
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Os
funerais |
O sepultamento realizou-se às 17 horas, no cemiterio São
Paulo, com grande acompanhamento. Estiveram presentes, entre outras
pessoas, os srs. tenente Delfim Cerqueira Neves e Joaquim Severino
de Paiva, representando o sr. Ademar de Barros, governador do Estado,
e familia; Lellis Vieira, diretor do Departamento de Cultura, por
si e pelos srs. Cristiano das Neves, prefeito municipal, e Ubiratã
Pamplona, secretario de Cultura e Higiene; Carlos Rizzini, diretor-geral
do Departamento Estadual de Informações; Casimiro da
Rocha Filho, representando o sr. Aluisio Lopes de Oliveira, diretor-geral
da Secretaria da Educação; José Nabantino Ramos,
diretor-superintendente da Empresa "Folha da Manhã"
S/A; Menotti Del Picchia, presidente, e Manuel Mendes, do Sindicato
dos Proprietarios de Jornais e Revistas de São Paulo; deputado
Aureliano Leite, deputado padre João Batista de Carvalho; representante
do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciarios;
Manuel Domingues, por si, pela Associação Paulista de
Imprensa e pela Agencia France Presse; Mario da Silva Brito, por si,
pela Livraria do Globo e pelos srs. Edgar Cavalheiro, Henrique Marinho
de Azevedo e Luís Camilo de Farias; René Thiollier,
por si e pela Academia Paulista de Letras; Pericles da Silva Ramos,
Cassiano Ricardo, Corifeu Azevedo Marques, Cleomenes de Campos, Otaviano
Alves de Lima, Ariovaldo Teles de Meneses, com F. Rubbiani, viuva
Olival Costa, Rui Bloem, Honorio de Silos, Candido Mota Filho, Henrique
A. Costa, Jofre da Cunha Batista, Fernando Pimentel, Odair Lisboa
e senhora; A. Freitas Nobre, Enildo S. Franzosi, por si e pelo "Jornal
de São Paulo"; Artur Pacheco, Bernardes de Sousa, da A.
P. B. A.; Altino Mendes, João de Guglielmo Neto, Mucio Porfirio
Ferreira, Oduvaldo Viana, Laurindo de Brito, Rubens Caiubi e senhora;
Pompilio Xavier, Decio Pacheco Silveira, Francisco Sinesio da Silva
Filho, por si e pelo Centro Paulista dos Cronistas Carnavalescos;
Ari Jorge Linhares, Luciano Bicudo, Orlando Mota, Tacito Macedo, Cassio
Villaça e senhora; Osvaldo Mariano, Osmar Pimentel, Francisca
Maria da Silva, Edmar Mariano Leme da Costa, do Departamento Estadual
de Informações; Stela de Carvalho, Henrique de Carvalho,
Presciliana da Silva, Luís A. Fuzzaro, Edite Nehring Lisboa,
Matos Pacheco, Elisa da Costa Simões, Osvaldo Piedade Trindade,
Geraldo Russomano, Manuel Mendes, Renato Pacheco Braga, Edgar Braga,
Mario Graciotti, Emilio Tisi, Antonio Tisi, Bernardino Pereira, Cleno
Machado, Açucena Felicio, Edgar Braga Filho, Inacio Diniz,
Ricardo Cipicchia, L. A. Pereira de Queirós, Carlos Schneider
e senhora; G. Paulo Felizardo, Epiteto Fontes, Emilia Fontes, Lisete
Fontes, Marinulia Fontes, Dail Fontes, Leonor M. Araujo, L. Cunha,
João Pereira, Luciano Farina, Aristides Faucon, Argemiro Assis
Saes, Sofia Bedran; Nelson Wainer, por si e pela "Revista da
Semana"; Francisco Pugliese, Celia Vilaça, Rosa Natale
Calabreze, Maria Graciotti Machado, Gustavo Santana e Silva, Alberto
F. Silva, Oliverio Graciotti, Pedro Xavier Araujo, Amelia Matos Araujo,
A. Araujo Filho, Henrique Linck, Nicanor Martins e senhora; Olivio
Gomes, A. Ulhoa Cintra, Geraldo de Ulhoa Cintra, da Editora Anchieta;
Amadeu Nogueira e senhora; Nair Ammirabile, Altamiro S. Ferreira,
Lucia Cercchiaro, José M. Fernandes, Valter Gallembeck, Tsugue
Kishimoto, Gustavo Silva, por si e pela "Publitec" Ltda.;
Valter Forster e senhora; Aurea Teixeira Martins, Armando Americano,
e senhora; Manuel Joaquim de Sousa, familia Antonio Accorsi, Edgar
Xavier, O. da Costa Guimarães, Olavo Vieira, Manuel de Oliveira
Moreira, Luís Monteiro, José Geraldo Salgado Nunes,
Paulo Henriques, por si e familia.
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Discurso
do sr. Aureliano Leite |
Ao baixar o corpo à sepultura, o deputado Aureliano Leite proferiu
o seguinte discurso:
"O destino reservou-me a situação cruel de, vindo
a São Paulo por 48 horas, assistir ao enterramento de Belmonte
nesta tarde chuvarenta de abril.
"Todos vós, que tomais parte neste ato, o mais tragico
e solene da existencia humana, conhecieis e admiraveis o morto. Mas
nenhum de vós o conhecia e admirava mais do que eu.
"O meu perfeito conhecimento de Belmonte não é
de extensão no tempo, não significa que acompanhe a
sua vida operosa desde a infancia: o meu conhecimento é por
haver penetrado a fundo a sua alma e o seu carater.
"Realmente, debaixo daquele seu feitio menos exotico que singular,
ninguem amava mais São Paulo do que ele. E ninguem sabia mais
servir o seu povo.
"Diz com razão a "Folha da Noite" de hoje que
as suas "charges" eram apreciadas pelo povo porque refletiam
as suas aspirações, o seu julgamento dos fatos e homens
do dia. O povo falava, assim, pelo seu lapis. Na verdade, ele estava
sempre com o seu povo, errado ou certo. Nunca o abandonou, nunca o
traiu.
"Lembro-me de quando o Estado Novo derramava o seu ouro em São
Paulo, para conquistar dedicação e apaniguados... Poderia
jamais esse ouro poderoso conseguir corrompê-lo. Jamais logrou
ele trocar o amor do seu povo pelo amor da gloria facil, da posição
duvidosa, do reclame balofo.
"O seu lapis nem se alugou nem se vendeu, foi sempre dele, exclusivamente
das suas idéias e impressões, dos seus juizos e conceitos.
Sem a extravagancia dos grossos traços do inesquecivel Voltolino
e o academismo rigoroso de Wilson Rodrigues, ele foi ele, tão
somente ele, com criações imorredouras.
"A "Folha da Noite" fala, ainda, na sua criação
do "Juca Pato", esse endiabrado boneco calvo, de oculos,
trajando fraque e luvas, mas que berrava e protestava contra as injustiças
cometidas pelos governos e subadministrações publicas.
"Mas Belmonte teve outras inumeras criações nas
cenas e figuras dos nossos principais sertanistas, julgados por uns
como um tanto cinematograficos. Seja como for, de dois destes ultimos
sei que firmou retratos consagrados.
"Quero referir-me a Amador Bueno, o Aclamado, e a Amador Bueno
da Veiga, o cabo maior dos paulistas na guerra com os "Emboabas".
Inspirando-se nas linhas fisionomicas dos seus descendentes autenticos,
concebeu dois desenhos ricos de traços e de fidelidade historica.
"Foi na realidade as duas coisas ao mesmo tempo e em ambas perfeito:
artista e patriota, fundamentalmente paulista.
"Podendo viver muito mais amplamente, brilhando em cenario maior,
fora do Estado, na magnifica Rio de Janeiro ou nos formidaveis Estados
Unidos, preferiu estabilizar-se em São Paulo, sofrendo imenso
com o seu clima inconstante, mas de alerta ininterrupta, sem deixar
um instante a pena e o lapis, para servir regionalmente, apaixonadamente,
a terra que lhe deu o berço e que hoje abre o seu seio, a fim
de recebê-lo por todo o sempre.
"Reafirmo: conhecieis e admiraveis o morto, mas nenhum de vós
o conhecia e admirava mais do que eu.
"Choremos sinceramente o seu desaparecimento e, como consolo,
levemos para nossas casas o seu espirito inconfundivel, que soube
servir e amar a fundo a sua terra e a sua gente."
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O
pesar da Assembléia Legislativa |
Por proposta do deputado Arimondi Falconi, a Assembléia Legislativa
estadual, em sua reunião ordinaria de ontem, aprovou um voto
de pesar pelo falecimento de Belmonte.
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