HISTÓRIA DOS BAIRROS PAULISTANOS - BOM RETIRO


Por Elaine Muniz Pires
do Banco de Dados

Bom Retiro

No século 19, a região do Bom Retiro, localizada entre os rios Tietê e Tamanduateí, era formada por algumas chácaras e sítios, como a "Chácara do Bom Retiro" que nomeou o bairro. Estas propriedades eram usadas como retiros de fim de semana pela população abastada da cidade, como a família Souza Aranha do Marquês de Três Rios, hoje nome de uma das ruas centrais do bairro.
O caráter de lazer do bairro só começou a mudar quando as primeiras olarias da cidade, aproveitando-se da argila presente nas várzeas dos rios, que inundavam constantemente, estabeleceram-se na região. O primeiro e mais importante destes estabelecimentos foi a Olaria Manfred, de 1860.
No entanto, o que marcaria profundamente seu desenvolvimento seria a instalação da Estrada de Ferro São Paulo Railway (hoje Santos-Jundiaí), conhecida como Estrada de Ferro "Inglesa". Após sua inauguração em 1867, depósitos e indústrias começaram a se instalar na região, assim como a primeira Hospedaria dos Imigrantes. Transferida em 1888 para o Brás, a hospedaria foi construída para atender a grande quantidade de imigrantes que chegava à cidade. Muitos destes imigrantes acabaram por se instalar no próprio bairro, atraídos pela possibilidade de emprego e pelos preços baixos dos terrenos recém loteados do Bom Retiro. Nas últimas décadas do século 19, este processo de loteamento e urbanização do bairro se intensificou, atingindo inclusive o local ocupado pela Olaria Manfred.
O bairro essencialmente operário no início do século 20, abrigava sobretudo italianos. Grande parte de suas ruas era constituída de casas simples ou cortiços, alguns pequenos estabelecimentos de serviço especializado, como sapatarias, e pontos de encontro entre a população. O primeiro grupo escolar da região, o grupo Marechal Deodoro, localizado na época à rua dos Italianos, data de 1912. No entanto, desde 1905, o Bom Retiro já abrigava a Escola Livre de Farmácia na rua Três Rios. Criada em 1898, fez parte da política sanitarista do fim do século XIX que, preocupada com o impacto das epidemias no meio urbano, criou mecanismos para controlá-las como o Desinfectório Central, localizado no mesmo bairro à rua Tenente Pena (atual Museu Emílio Ribas). A Escola de Farmácia, já como faculdade, foi anexada à USP quando de sua formação em 1934 e foi transferida para cidade universitária em 1982. O prédio que a abrigava na rua Três Rios, é ocupado atualmente pela Oficina Cultural Oswald de Andrade.
As atividades comerciais, concentradas na rua José Paulino, não eram exercidas pelos italianos e sim por imigrantes portugueses e, às vezes, por turcos, sírios ou libaneses. A antiga rua dos Imigrantes era passagem obrigatória para quem vinha do centro da cidade, o que propiciou o estabelecimento deste tipo de atividade na rua.
A rua José Paulino, além de ser conhecida por suas lojas, trás também em sua história um acontecimento especial para muitos paulistanos. Foi lá que o Sport Club Corinthians Paulista foi fundado em 1910 por operários, tendo como primeiro presidente o alfaiate Miguel Bataglia.
A partir dos anos 20, muitos judeus começaram a chegar ao bairro. Vindos sobretudo da Rússia, Lituânia e Polônia, passaram a exercer aqui o comércio. No entanto, só começaram a se instalar em grande número no bairro já no final dos anos 30, em decorrência da 2ª Guerra Mundial.
Em uma década, a maioria dos moradores do bairro já era de origem judaica. Isto foi possível, por um lado, pela mudança de muitos italianos que preferiram morar em outros bairros, como Higienópolis, quando na gestão do prefeito de Prestes Maia prostitutas da região central foram transferidas para os prostíbulos das ruas Aimorés e Itaboca. Por outro lado, para os judeus recém chegados era conveniente morar numa região onde já estavam instalados representantes do seu povo. Isto lhes conferia a segurança da vida em comunidade e auxílios como trabalho, moradia e crédito. O bairro também já contava com sinagogas e escolas judaicas. Os novos imigrantes que não tinham ofício iam trabalhar nas oficinas de confecção têxtil montadas durante a década de 20 por judeus que já tinham experiência no ramo. Outros, trabalhavam a prestação, isto é, algum comerciante lhes dava uma quantidade de tecido que deveria ser vendida de casa em casa e paga posteriormente.
A partir da década de 60, começaram a chegar os sul-coreanos ao Bom Retiro. Estes imigrantes passaram a comprar as principais lojas do bairro, sobretudo nos anos 80, quando se beneficiaram de uma lei de 1982, que anistiava imigrantes ilegais. Neste período, os judeus começaram a migrar para bairros de caráter mais residencial. Isto aconteceu sobretudo porque as mais novas gerações de origem judaica constituíam-se de profissionais liberais que não quiseram continuar com os negócios da família. Até colégios tradicionais desta comunidade, como o Renascença, foram transferidos para bairros como Higienópolis que concentra hoje cerca de 40% dos judeus que vivem na cidade.
Atualmente, o Bom Retiro é uma mescla de várias culturas. Andando pelas ruas do bairro é possível encontrar judeus ortodoxos, restaurantes e docerias de comida judaica, a sinagoga mais antiga de São Paulo e o Taib - Teatro Alternativo Israelita Brasileiro. Encontra-se também em nomes de ruas, cantinas e instituições ligadas à Igreja Católica (como o colégio Santa Inês e Igreja Dom Bosco) a origem italiana da sua urbanização. Igrejas presbiterianas, restaurantes e a maioria dos estabelecimentos comerciais marcam a presença coreana. Ainda há gregos, lituanos e bolivianos entre os moradores do bairro.


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